Boletim Letras 360º #426

DO EDITOR
 
1. Caro leitor, o Letras apresenta a seguir as notícias apresentadas durante a semana na sua página no Facebook e o conteúdo das demais seções de leitura criadas em momento posterior à existência deste Boletim. Reitero os agradecimentos pela companhia. Boas leituras!

Annie Ernaux. Foto: Mehdi Chebil.


 
LANÇAMENTOS

O novo projeto da editora Pinard inclui dois novos títulos para a coleção Prosa Latino-americana — iniciada pelo romance venezuelano Dona Bárbara, de Rómulo Gallegos. Seu apoio pode ser dado aqui. 
 
1. Esgotado há mais de 30 anos no Brasil, Eu o supremo foi lançado em 1974 no Paraguai e se tornou um clássico instantâneo, sendo traduzido rapidamente para mais de 20 idiomas. Até hoje, é considerado o romance mais famoso e mais importante do país — sendo também uma das obras sobre ditaduras mais representativas da América Latina. Nesse romance, Roa Bastos parte da biografia do ditador José Gaspar Francia para tentar narrar o perfil do dirigente autoritário latino-americano, trazendo as características de outros personagens históricos do país até apresentar uma figura que se tornaria cada vez mais comum em todo o continente ao longo do século XX, culminando nos anos de chumbo da década de 1970. Carregado de frases lapidares, o romance é também um ensaio histórico, sociológico e filosófico acerca do poder ditatorial. Ao passo que a publicação do romance enfureceu o ditador Alfredo Stroessner, obrigando Roa Bastos a se exilar na França, Eu o supremo fez com que o autor fosse reconhecido em todo o mundo, lhe rendendo dois grandes prêmios literários: Prix du Memorial de America Latina (1988) e Prêmio Miguel de Cervantes (1989).
 
2. Inédito no Brasil, O aniversário de Juan Angel foi escrito em 1971, dois anos antes de iniciar a ditadura no Uruguai, Mario Benedetti parece já se dar conta da dor dos militantes que, no ensejo de livrar seus países das garras dos militares, padecem pela derrota e pela perseguição. Todo escrito em frases entrecortadas, como que fossem versos, esse é o romance mais experimental de do autor uruguaio. Nesse livro, o leitor só tem acesso aos pensamentos e às ações do protagonista durante os seus dias de aniversário. Membro da classe média uruguaia, acompanhamos desde seu crescimento, vendo suas primeiras compreensões dos conflitos familiares, acompanhando seus relacionamentos amorosos e verificando também a tomada de consciência dos problemas políticos do seu país, até que ele, enfim, começa atuar na guerrilha urbana. A brevidade da obra, seu transparente simbolismo, a beleza da linguagem, a raiva e a indignação fazem com que esse livro se torne uma rara joia da literatura latino-americana. Mesmo sendo um dos escritores mais celebrados da América Latina, Mario Benedetti (1920-2009) foi perseguido pela ditadura de seu país e teve que morar no exterior por 12 anos.
 
Os livros serão publicados em capa dura, com ilustrações internas realizadas pela designer Luísa Zardo. As traduções são de André Aires.
 
Crônicas sobre as dinâmicas sociais do período pós-Abolição.
 
Originalmente publicados na imprensa maranhense no final do século XIX e início do XX, os textos de Raul Astolfo Marques são uma saborosa crônica literária de seu tempo, além de fonte histórica preciosa das dinâmicas sociais do pós-Abolição. Pela primeira vez reunidos em livro, esses textos apresentam ao público contemporâneo alguns dos principais temas abordados pelo autor, como a Abolição da escravidão, a Proclamação da República e os costumes, hábitos e festejos da cultura popular brasileira. Organizada pelo professor da Unicamp e pesquisador do Cebrap Matheus Gato, a antologia do escritor maranhense oferece a oportunidade rara de cotejar o significado de importantes transformações da sociedade brasileira do ponto de vista de um intelectual negro situado na periferia do Brasil moderno. O livro conta com ensaio de apresentação de Matheus Gato e prefácio do escritor Paulo Lins, autor do consagrado romance Cidade de Deus. O 13 de maio e outras estórias do pós-Abolição é publicado pela estreante editora Fósforo.
 
Um convite à leitura de Dante.
 
Ler um clássico pode ser algo “monstruoso” e em certo sentido uma obra assim pode se tornar o Everest pessoal de muita gente. Mas há também aquelas pessoas que gostam de ouvir falar um pouco mais sobre determinada obra ou autor para se sentirem convidadas à leitura. O livro TraduDante, com organização de Yuri Brunello, Fernanda Suely Muller e Bárbara Costa Ribeiro, reúne uma série de ensaios apresentados no I Colóquio sobre Dante e a sua Tradução, realizado em junho de 2016, na Universidade Federal do Ceará, junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (POET), contando ainda com o fomento da CAPES. Os textos de então, inseridos neste livro, propõem uma abordagem do signo dantesco como uma reflexão sobre a própria linguagem, sobre o ato da escrita, e os seus desmembramentos tradutórios, sociais, políticos e filosóficos. O livro é publicado pela Editora Moinhos.
 
O segundo romance de Diamela Eltit a chegar ao Brasil.
 
Em Forças especiais, décimo romance de Diamela Eltit, a protagonista é uma jovem de um bairro periférico que se prostitui numa lan house, em meio a uma vida cheia de desgraças familiares. “Vou à lan house como mulher para procurar nas telas a minha comida. Todos se comem. Também me comem”. O pano de fundo é um conjunto de blocos habitacionais sitiado pelas forças especiais da polícia. Mas, num jogo de palavras triste e ao mesmo tempo desafiante, as “forças especiais” do título são também as necessárias para resistir, para sobreviver quando se vive nas margens da sociedade sob tantas formas de repressão e controle. A violência e as marcas que ela deixa no corpo (também no “corpo social”) são habituais nos romances de Eltit, que constrói este inquietante texto a partir de todo tipo de materiais de demolição: a brutalidade, os desejos familiares frustrados, as doenças, os assédios da polícia (cuja presença é constante e faz todos os habitantes viverem atemorizados). Também é habitual em seus romances uma forma do obsceno que vai além de sua acepção sexual e se encarna no horrível, no temível, no que se deve evitar ou esconder. Neste livro triste e escuro, mas necessário, onde as vozes populares constroem o relato de um modo quase bíblico, castiga-se como na realidade e como (precisamente) no Antigo Testamento: com total dureza. Mas, apesar de que os deserdados da terra sempre o serão, eles também tentam sobreviver dignamente (e de modo muitas vezes emocionante) num mundo de armas cada vez mais sofisticadas, com novas formas de matar. Convivem entre si, se interpõem ao destino, nunca são indiferentes. Mais ainda, conforme o romance avança, a inteligência e a lucidez da protagonista nos fazem nutrir alguma esperança. A tradução de Julián Fuks é publicada pela Relicário Edições.
 
Uma leitura de William Shakespeare por Samuel Johnson.
 
O prefácio a Shakespeare foi publicado em outubro de 1765, na edição das obras do dramaturgo inglês feita por Johnson. Tido como um dos maiores ensaios da crítica inglesa de todos os tempos, o Prefácio constitui uma peça de notável consistência e de grande beleza, e seus juízos, ainda que nos dois séculos seguintes tenham provocado objeções por parte de críticos e literatos, não podem deixar de suscitar o respeito de quantos se debruçaram sobre a obra de Shakespeare. Poucos podem se gabar da liberdade com que Johnson distribui os méritos e defeitos do bardo. Muitas vezes atacado no século XIX como desprovido de imaginação, Johnson sempre manteve uma estatura intelectual que o coloca acima de muitos críticos renomados — um homem de quem é difícil, ou, como disse T. S. Eliot, “perigoso” discordar. Não, como se poderia pensar, em virtude de um tom prescritivo, mas em virtude de sua argumentação fortemente ancorada na negação de todos os particularismos. O sentido dessa recusa todo aquele que ler o Prefácio poderá facilmente identificar nas passagens em que ele ataca os arbítrios da crítica de seu tempo. A tradução foi feita com base na edição Yale das obras completas de Samuel Johnson — vol. VII —, de Arthur Sherbo (1968) por Enid Abreu Dobránszky. Os ensaios sobre Shakespeare têm, desde o século XVIII, concentrado boa parte das diferentes visões, conceitos e princípios da crítica literária. O livro traz ainda uma tradução de “Racine et Shakespeare”, de Stendhal. Dentre tantos outros escritos de diferentes autores cabíveis no presente caso, a escolha deste texto foi ditada não apenas por sua raridade ou relativo esquecimento, mas sobretudo pelo muito que deve ao Prefácio. O livro é publicado pela editora Iluminuras.
 
Um conjunto de ensaios de Robert Musil.
 
Robert Musil, um dos mais notáveis escritores do século XX, autor do monumental O homem sem qualidades, acalentou sem concluir o projeto de lançar um livro de ensaios. Aqui, a professora e pesquisadora Kathrin Rosenfield traz uma seleção vigorosa deles e da “pequena prosa” do autor. Encontraremos um jovem Musil notável pela sinceridade com que elabora os problemas objetivos do mundo a partir da própria experiência íntima. Em impiedosa autoanálise, passa em revista os apegos e resistências que compartilhava com seus contemporâneos; não se põe acima nem à parte deles ao criticar os elãs pseudorreligiosos reproduzidos nos entusiasmos estéticos, nas convicções e nos dogmas políticos inquestionáveis. Ele explicita o conflito da espiritualidade mundana do fim do século XIX com os desafios ainda mal esboçados da modernidade científica e tecnológica — e a resistência inconsciente, quase recalcada, às inevitáveis consequências dessa mesma modernidade. Os textos das duas primeiras décadas reunidas neste volume mostram como Musil se livra de seus apegos idiossincráticos por meio do escrutínio dos fenômenos que observa e pela ficcionalização da própria experiência. Rosenfield acrescenta ainda todo um aparato informativo, visando fornecer ao leitor melhor compreensão de uma época e de um autor cujas sombras e luz se projetam ainda hoje sobre nós com toda a força. Ensaios de Robert Musil (1900-1919) é publicado pela editora Perspectiva.
 
Duas jornadas em dois tempos distintos com um igual interesse.
 
“Mama uma vez disse que a cidade era um mapa de todas as pessoas que viveram e morreram nela, e Baba disse que todo mapa era, na verdade, uma história.” Em meio a protestos, conflitos e bombardeios durante a guerra civil de 2011 na Síria, a jovem Nur é forçada a deixar o país em busca de segurança. Quase mil anos antes, Rawiya, aprendiz de cartografia, traça exatamente a mesma rota, numa saga épica por terras desconhecidas. As duas jornadas de amadurecimento se intercalam, enquanto as protagonistas, embora separadas por séculos de história, espelham as diferentes faces de milhões de refugiados do Oriente Médio e norte da África. O mapa de sal e estrelas é publicado pela editora Dublinense. A tradução do livro de Zeyn Joukhadar é de Carol Chiovatto.
 
Em Construir o inimigo e outros escritos ocasionais, uma reunião de ensaios sobre arte e cultura, Umberto Eco fala sobre a nossa necessidade de ter ― ou, se necessário, inventar ― um inimigo.
 
“Ter um inimigo é importante não somente para definir a nossa identidade, mas também para encontrar o obstáculo em relação ao qual medir nosso sistema de valores e mostrar, no confronto, o nosso próprio valor. Portanto, quando o inimigo não existe, é preciso construí-lo”, afirma Eco. A situação mundial do nosso tempo, marcada por uma polarização política feroz, revela como é oportuno e inevitável conhecer os mecanismos que levam os homens a identificar sempre novos adversários. Em ensaios de extraordinária relevância, Umberto Eco reflete sobre a nossa necessidade de ter, sempre e em qualquer caso, um inimigo a atacar: seja nas invectivas dos oratórios antigos, na brilhante digressão literária que atravessa a Ilíada, nos romances de James Bond, na caça às bruxas, na propaganda de guerra do passado ou nos populismos do presente. Construir o inimigo e outros escritos ocasionais aborda tópicos sobre os quais Umberto Eco escreveu e palestrou em seus últimos anos: a ideia de que todo país precisa de um inimigo ― e, na sua ausência, deve inventá-lo; discussões sobre temas que inspiraram seus primeiros romances, levando-nos, ao longo do processo, a explorar ilhas perdidas, reinos míticos e o mundo medieval; resenhas indignadas a respeitos de Ulisses, de James Joyce, e de jornalistas fascistas das décadas de 1930 e 1940; uma análise das noções de Santo Tomás de Aquino sobre a alma dos que ainda não nasceram; e muitos outros temas, como censura, violência e o WikiLeaks. A tradução de Eliana Aguiar é publicada pela editora Record.
 
O novo livro de Itamar Vieira Junior.
 
Quem se deslumbrou com a maestria narrativa, a sólida e delicada construção de personagens, a linguagem apurada e a temática brasileira de Torto arado, romance que converteu Itamar Vieira Junior em um dos nomes centrais da nossa literatura contemporânea, vai encontrar neste Doramar ou a odisseia: histórias ainda mais motivos para celebrar a ficção do autor. E não são mesmo poucas as razões. Num diálogo permanente com nossas questões sociais e a tradição literária brasileira, Itamar enfeixa um conjunto de histórias a um só tempo atuais e calcadas na multiplicidade de culturas que formam o país: negros, indígenas, ribeirinhos, a força inesgotável das mulheres, as religiões de matriz afro, a sabedoria ancestral dos povos originais. Parte dos textos deste volume foram publicados em A oração do carrasco (2017), finalista do Prêmio Jabuti em 2018. A estes, foram acrescidos outros, inéditos em livro. Lidos na sequência, atestam a vitalidade de um escritor que encontra uma boa parcela de inspiração em personagens que desafiam os limites que lhes foram impostos e abraçam a existência em toda a sua plenitude. O livro é publicado pela editora Todavia.
 
O novo livro da escritora argentina Samanta Schweblin no Brasil.
 
O que aconteceria se fosse permitido às pessoas entrar na casa de desconhecidos e circular livremente por meio de um dispositivo tão adorável quanto um robô de pelúcia? Do que somos capazes quando guiados pelas regras incertas de um novo contrato social e sob a garantia do anonimato? Neste romance original e divertido, mas também aterrador, Samanta Schweblin, uma das principais vozes da literatura argentina atual, explora o lado inquietante da tecnologia e constrói um poderoso retrato da vida moderna. Solidão, afeto e generosidade, mas também oportunismo, infâmia e perversão, são alguns dos sentimentos que, atravessados pela virtualidade e pela paradoxal fragilidade da comunicação contemporânea, compõem este romance demasiado humano, verdadeira anatomia moral de nossos dias. Com tradução de Lívia Deorsola, Kentukis é publicado pela estreante editora Fósforo.
 
Nova edição das Argonáuticas.
 
Eis aqui uma das mais conhecidas histórias de todos os tempos. Ela descreve a perigosa expedição de Jasão e seus companheiros, os argonautas, entre os quais Teseu e Héracles, rumo à Cólquida em busca do velocino de ouro (um carneiro mitológico com pelagem de ouro). Seja por reunir esses três grandes super-heróis gregos, e Medeia, seja por conter todas as características das famosas epopeias homéricas, a narrativa mantém-se popular, a despeito de todas as mudanças culturais. Isso se deve muito a Apolônio de Rodes, que no século III a.C., nas Argonáuticas, deu ao relato sua forma escrita, a mesma que serviu de base para todas as adaptações já feitas em nossa época no cinema e nos quadrinhos. Esta edição bilíngue do poema traz primorosa tradução e dois ensaios de Fernando Rodrigues Junior contextualizando a obra e o autor e analisando o papel nela desempenhado pelo heroísmo, essa liga de coragem e persistência sem a qual as grandes aventuras seriam impossíveis. O livro é publicado pela editora Perspectiva.
 
O livro de estreia de Gabriel Fragoso: Baleia morta e outras fomes.
 
Todos os contos aqui reunidos são breves e certeiros: eles miram na jugular e nunca erram o alvo. Alguns nos deixam comovidos, outros despertam uma profunda curiosidade, levantando perguntas que só poderemos responder olhando para dentro. Este livro esbanja a capacidade de nos fazer sentir carinho, raiva e estranhamento, tudo conforme nos guia a mão hábil do autor. Por isso não surpreende que nos vejamos na situação de sentir empatia por um assassino ou medo de uma mulher encantadora. Todos os contos aqui reunidos são breves e certeiros: eles miram na jugular e nunca erram o alvo. Alguns nos deixam comovidos, outros despertam uma profunda curiosidade, levantando perguntas que só poderemos responder olhando para dentro. O livro é publicado pela editora Moinhos.
 
Manuel Bandeira em destaque na prestigiada revista portuguesa Colóquio/ Letras.
 
Editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, a revista Colóquio/ Letras, em sua 206.ª edição, aparecida no primeiro trimestre de 2021 volta a olhar para obra de Manuel Bandeira, descrito como “um dos grandes poetas da língua portuguesa do século XX”. O norte do dossiê: “a estreita ligação entre as poesias portuguesa e brasileira que nele, juntamente com Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Murilo Mendes e João Cabral de Melo Neto, teve uma das grandes referências”. Escrevem sobre o poeta brasileiro Yudith Rosenbaum, Pedro Meira Monteiro, Clara Rowland, Abel Barros Baptista, Fernando J. B. Martinho e Joana Meirim.
 
Uma narrativa que testemunha a atualidade do pensamento de Du Bois.
 
Nesta breve ficção especulativa originalmente publicada na antologia de textos, poemas e contos Darkwater, o sociólogo americano Du Bois retrata uma Nova York vazia após a passagem de um cometa misterioso que mata todos os habitantes da cidade. Sobrevivem apenas Jim, um homem negro, e Julia, uma mulher branca. No centenário da publicação de O cometa, Saidiya Hartman, professora de Columbia e pensadora fundamental do pensamento negro contemporâneo, escreveu o artigo que completa esta edição comemorativa, no qual comenta a atualidade do conto e situa a o pensamento de Du Bois no centro do debate racial contemporâneo. Com tradução de André Capilé e Cecília Floresta, o livro é publicado pela estreante editora Fósforo.
 
Livro de Julia Codo é o novo título no catálogo da editora Nós.
 
O mar como uma blusa brilhante que a avó usa no natal; a vizinha que tem o cabelo da cor da almofada de cetim; o boné de um velho que saiu voando; um doberman que sabe andar só com as patas traseiras; pernas cruzadas com o pé balançando suspenso e uma afta na parede interna da boca. Ninharias que, na dicção de Julia Codo, se tornam determinantes não apenas narrativos, mas do próprio sentido das vidas que se desenham nesse livro. São essas as coisas que, sem percebermos, delineiam a atmosfera entre lírica e grotesca que domina essas histórias, numa linguagem que evidencia o quanto os detalhes, quando ampliados pela literatura, revelam sobre cada um de nós. É a aliança entre um olhar poético que captura o mínimo e uma visada aguda sobre os horrores da vida pequeno-burguesa que singularizam os contos desse livro. Uma mãe que vende cosméticos de porta em porta, acompanhada da filha pequena; uma avó insuportável, que desperta na neta desejos sádicos; a espera num hospital e o apelo ao documento de um desconhecido; a adesão quase instantânea a um falso pai, esses e outros são os personagens simultaneamente vítimas e algozes de si mesmos, gerando uma densidade e um riso estranhos, de quem se reconhece mas não quer se reconhecer. Um desejo súbito de acorrer a essas vidas e de ampará-las, mas quem precisa de amparo somos nós. “Muitas coisas podem estar às nossas costas, um cisne, um tenista, um canhão, e nos esquecemos da existência delas, achamos que o presente é só o que podemos ver”, diz um dos narradores desse livro. A autora, Julia Codo, não se esquece e mostra que o presente está muito além daquilo que vemos. Você não vai dizer nada é publicado pela editora Nós.
 
O livro de estreia do poeta português Maico no Brasil.
 
Os textos nascentes nos fazem sentir surpreendidos pela sobre impressão de paisagens e personagens arrancadas às suas histórias que se vão transfigurando para que os encontros inesperados, felizes ou de confrontação possam ter lugar: “Escrevi-lhe uma carta. Uma carta vazia, sem uma letra que fosse. Uma página levemente amarelada dentro dum envelope carimbado algures, numa cidade distante” (Mil novecentos e setenta e dois). Figuras simples ou de estatuto superior, rebeldes ou apaziguados, mostrengos ou beldades que nos enchem os olhos de espanto, encanto ou pavor, uma linhagem de seres para quem a resignação por vezes faz sentido, mas outros não aceitam ver a sua vida “real” amputada de vibração, intensidade e amplitude. “Amanhã fujo. Tenho um esconderijo nos caniços onde os rouxinóis fazem os ninhos. Depois chocam os ovos que haverão de estalar por dentro para surgirem corpitos vorazes com bicos enormes que cedo aprendem as artes do ludíbrio. E depois, depois aquilo que realmente me interessa — o voo! Quero viajar na geografia sem limites, colocar-me às ordens do vento e tornar-me um migrador peregrino” (Amanhã fujo). Na ânsia de se abrirem à liberdade de consciência, ao direito à autonomia da vida, ao dom poético, esses seres vindos do passado ou habitando o futuro vão criando o mundo da poesia que o autor quer ver transmigrado. (Maria João Coutinho). Histórias breves. Aves, amores e desconcertos, de Maico é publicado pela Kotter e marca a estreia do escritor português no Brasil.
 
O novo livro de Wilson Alves-Bezerra.
 
“Compreensão é miragem”, diz Wilson Alves-Bezerra no prefácio de seu diário/delírio de viagem por diferentes línguas e culturas que se misturam a ponto de não sabermos mais onde estamos e em que língua (e sobre o que) lemos. Aliás, pergunta-se o poeta, “cuando uno no está en su lengua materna, donde estará?”. O taxista somaliano, de "Malangue Malanga", está na terra do Tio Sam e conta, em inglês, que no seu país reza para Deus na mesma língua em que luta contra seus irmãos. Como compreender esse e outros paradoxos? Como compreender que “o culto irrestrito à liberdade encontra um limite na terra onde o chão não é meu, pero se disse que es nuestro”? A liberdade tem uma fronteira na terra, mas não na língua: com a língua, fazemos o que queremos, afinal, “cada um fala a língua que pode, e não se entende mesmo assim. Com as mezcla das misturas, ai sempre algo que se diz, algo que se perde, algo que se gana, algo que se desenganará”. E voltamos então ao começo: “compreensão é miragem”, ou, como diria Haroldo de Campos em Galáxias, “meço aqui este começo e recomeço”. O diário de Alves-Bezerra é uma galáxia à moda Haroldo de Campos, mas uma galáxia que quer que a América Latina seja seu centro (ou melhor, a sua Via Láctea), unida pelo portunhol. Bezerra dialoga, é claro, com Wilson Bueno, Douglas Diegues e outros escritores que se dedicaram e se dedicam ao portunhol, língua franca que torna completamente porosa a fronteira do Brasil com o mundo. Mas a galáxia do poeta se expande para outras experiências linguísticas, como o spanglish, um francês macarrônico e mesmo um português que está longe de ser homogêneo. Chega-se, assim, a uma “No man’s langue” que, por não pertencer a ninguém, abre as portas para todos. No português galáctico de Wilson Alves-Bezerra, fala-se infinitamente, mesmo quando se exige que a boca se feche. A avó, a tia e a mãe falam: “Fermez la bouche la langue la mouche. La buela cora zón no para. La tía cora cornalina. La madre cora som bandido”. É a impossibilidade de calar que mantém a língua viva, mesmo que haja nela censuras, pois, na “orgia de silêncios”, ecoam sons, aliterações e assonâncias, como “uma sirena urbana, una sereia humana, que trina o apita o llora del otro lado da rua”. Um silêncio para se ouvir, um ruído musical. Essa é a língua que “a sombra do general” latino-americano ameaça, que a violência social quer calar, mas que, assim mesmo, é celebrada neste livro: “É o fim dessa lenga língua, da litania, do miserere da matilha, da novena, da dezena, da centena, da milícia. Celebrai a inutilidade da poesia”. Melangue Malanga é publicado pela Editora Iluminuras.
 
A continuidade da singular obra de Annie Ernaux.
 
Livro que lançou a autora à fama, O lugar, inédito no Brasil, estabelece as bases para o projeto literário que Ernaux levaria adiante por três décadas de consagração crítica e sucesso de público. Nesta autosociobiografia, uma das mais importantes escritoras vivas da França se debruça sobre a vida do próprio pai para esmiuçar relações familiares e de classe, numa mistura entre história pessoal e sociologia que décadas mais tarde serviria de inspiração declarada a expoentes da autoficção mundial e grandes nomes da literatura francesa como Édouard Louis e Didier Eribon. O resultado é um clássico moderno profundamente humano e original. Com tradução de Marília Garcia, o livro é publicado pela estreante editora Fósforo.
 
O quarto livro de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira e o segundo volume de uma trilogia em composição.
 
O narrador, operário de uma indústria familiar fundada na década de 1950, conta os bastidores da vida de um casal “muito grudado”, segundo as fofocas do povo, entre 1981 e 2005, do início do relacionamento até uma tragédia que permanece em suspense até a parte final da obra. Somente ele e o leitor, seu cúmplice, sabem o que de fato aconteceu aos dois. Como pano de fundo e uma das direções da construção da narrativa, temos a história do país no período, considerando as rupturas históricas que para o autor permanecem como “fraturas incuráveis”. siameses é um romance em produção, em estrutura fragmentária, com diálogos entrecortados, falas inacabadas, capítulos que podem ter apenas um parágrafo, narrativas que se misturam a poemas ou imagens. Trata-se da segunda parte de um trabalho que começou com o elogiado as visitas que hoje estamos. O novo livro é publicado pela Kotter editorial.
 
Um livro doloroso e necessário sobre uma questão das mais recorrentes sempre.
 
Uma adolescente é abusada sexualmente pelo tio durante três anos, dos treze aos dezesseis, sob o olhar condescendente de alguns parentes e desinteressado de outros. Marcada pelo trauma, aos 22 consegue reunir forças para denunciá-lo. Não sabia, porém, que o mais difícil seria enfrentar as reações da família. Por que você voltava todo verão? não é exatamente um livro de memórias. Nestas páginas, a primeira pessoa do singular aparece poucas vezes. Para narrar a experiência que viveu, a escritora argentina Belén López Peiró precisou recorrer às vozes de familiares, advogados, médicos e promotores, e também a documentos judiciais. O resultado é uma obra tão incômoda quanto relevante para um país em que tantas jovens sofrem em silêncio com a violência sexual — muitas vezes, como a autora, dentro de casa. Por que você voltava todo verão? tem tradução de Fernanda Sucupira e é publicado pela Editora Elefante.
 
O novo livro de Luci Collin.
 
Luci Collin vem construindo uma obra vasta e intensa nos últimos anos, sobretudo no vigor poético da sua prosa. Não quero com isso sugerir uma dicotomia simples entre prosa e poesia; mas, em sua escrita múltipla, Collin de fato tem uma voz razoavelmente unificada e estável nos versos, ao passo que na prosa realiza uma verdadeira explosão de modos, ritmos, tons, personas, que vão construindo a cada peça toda uma nova história da linguagem possível e impossível. É como se seus versos fossem uma faceta possível em seu leque amplo, dentre as muitas que na prosa podemos ver mais facilmente. Isso é um verdadeiro tour de force das potencialidades na escrita, ainda mais num país que historicamente aposta tanto em certo estilo jornalístico e insosso atrelado a um realismo triste do terceiro mundo. Collin parece recusar qualquer uso de uma linguagem pré-fabricada, bem como as noções caducas de realismo. Para se ter uma ideia disso, basta comparar os primeiros contos desta nova coleção como amostra da paleta: “Intro-” se desenvolve pelo coloquial quase-falado da narração em primeira pessoa, que conta em deriva uma tentativa fracassada de comprar um sofá no shopping; “Florilégio” se volta para a narrativa em terceira pessoa, numa descrição incômoda da vida como monstruosidades compiláveis e intermináveis dispostas em herança, a partir da vida de uma mulher; já “Da capo” parece um poema em prosa, com sintaxe longa, subordinadas angulosas e vozes entremeadas quase sem pontuação, numa pequena selva barroca em forma musical. Essa vertigem vai se desdobrar ao longo de todos os contos destes Dedos impermitidos, porque cada um deles é uma vida única, ou um conjunto complexo de vidas atravessadas como linguagem, levando ao extremo a ideia de polifonia tal como a encontramos em Bakhtin, num só gesto que abraça o riso e o trágico, como no esfacelamento amoroso de “Sol pertencente”, o banal e o absurdo nos vários narradores da vida de Jonathan Swift em “O deão não rasteja”, ou a complexa sobreposição de camadas do belo “Divinatório”. Mas isso não tem o menor gosto de comprovação teórica; pelo contrário, Luci Collin expressa um olhar muito atento ao mundo em volta, seja para recontá-lo, seja para recriá-lo. Isso tudo com sua devida abertura ao inacabado, como podemos depreender das palavras do narrador de “Absoluta depuração” último conto do livro: “Ainda faltará falar de muitas coisas. Tudo é alusivo”. Sim, alusivo e misturado, como quem renova a receita a partir de ingredientes conhecidos. “Nunca fui de inventar prato novo. Conferi os itens na despensa.” Essa conferida refinada, essa mistura inusitada é prato mais que necessário de Collin: frescor de língua viva e que demanda relações. (Guilherme Gontijo Flores) O livro é publicado pela editora Iluminuras.
 
Uma obra definitiva para a história da música.
 
O registro literário e visual de um dos maiores músicos de todos os tempos em uma edição de luxo incomparável. Nestes dois livros em capa dura, são apresentadas 154 letras de canções de Paul McCartney, com comentários autobiográficos e artísticos que abrangem toda a sua carreira, feitos pelo próprio ex-Beatle. Um panorama completo da obra desse grande artista, desde sua adolescência até a atualidade, apresentado como um verdadeiro objeto de colecionador: um box com dois volumes e quase 1 mil páginas, em papel especial, integralmente em cores, contendo mais de 600 itens do arquivo pessoal de Paul, incluindo fotografias, manuscritos e anotações musicais, muitos dos quais nunca vieram a público. Cada canção revela uma faceta de Paul McCartney: a parceria com John Lennon, as presenças marcantes de Linda Eastman e Nancy Shevell, suas inspirações literárias e as pessoas e fatos do cotidiano que influenciaram seu processo criativo. Organizadas em ordem alfabética, as letras oferecem uma visão caleidoscópica da vida e obra de Paul, onde podemos vislumbrar sua relação com os pais e professores da escola, o encontro com os outros Beatles para uma jornada de dez anos que marcou a música para sempre e suas experimentações artísticas, que transcendem a era do quarteto de Liverpool. Paul McCartney se revela com verdadeira sinceridade a respeito de seu processo criativo, mostrando-se um artista obstinado em não se repetir, que busca recriar-se ao longo das últimas seis décadas. Foi assim que Paul não apenas foi influenciado por seu tempo, mas também se tornou um artista que definiu uma era. As letras é um panorama sem precedentes do processo criativo de um artista ímpar, que transformou a história da música. A tradução de Henrique Guerra é publicada pela Belas-Letras.

REEDIÇÕES
 
A nova edição do Dicionário de Machado de Assis.
 
Faltava, exatamente, uma obra de orientação pelos meandros da vida e obra de Machado de Assis, que permitisse ao leitor, mediante uma consulta rápida, esclarecer sua dúvida, enriquecer o seu estudo ou apenas se iniciar em determinado aspecto do universo machadiano. Essa lacuna acaba de ser preenchida com este Dicionário de Machado de Assis, de Ubiratan Machado, sem favor nenhum uma obra com a mesma qualidade dos grandes dicionários europeus dedicados a escritores, apesar de realizado apenas pelo autor, sem nenhum colaborador. O dicionário registra cada fato da vida de Machado, suas alegrias e decepções, amores, manias e fragilidades, apresentando ainda um grande número de material inédito, que escapou à argúcia dos biógrafos. A nova edição é publicada pela editora da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, a Academia Brasileira Letras e a Imprensa Nacional de Portugal. Conta com o acréscimo de 120 novos verbetes, ilustrações inéditas do caricaturista J. Bosco e fotografias raras de Machado de Assis.

Uma nova edição para a tradução brasileira da estreia de Annie Ernaux por aqui.
 
Uma das principais escritoras francesas da atualidade, Annie Ernaux, empreende neste livro a ambiciosa e bem-sucedida tarefa de escrever uma autobiografia impessoal. Com ousadia e precisão estilística, ela lança mão de um sujeito coletivo e indeterminado, que ocupa o lugar do eu para dar luz a um novo gênero literário, no qual recordações pessoais se mesclam à grande História, numa evocação do tempo única. Nascida em 1940, em uma pequena cidade no interior da França, Ernaux pertence a uma geração que veio ao mundo tarde demais para se lembrar da guerra, mas que foi receptora imediata das recordações e mitologias familiares daquele tempo. Uma geração que nasceu cedo demais para estar à frente de Maio de 68, mas que ainda assim viu naquelas manifestações a possibilidade dos mais jovens de uma liberdade que por pouco não pode gozar. Finalista do International Booker Prize e vencedor dos prêmios Renaudot na França e Strega na Itália, Os anos é uma meditação filosófica poderosa e uma saborosa crônica de seu tempo. Pela prosa original de Ernaux, vemos passar seis décadas de acontecimentos, entre eles a Guerra da Argélia, a revolução dos costumes, o nascimento da sociedade de consumo, as principais eleições presidenciais francesas, a virada do milênio, o 11 de Setembro e as inovações tecnológicas, signo sob o qual vivemos até hoje. O livro traduzido por Marília Garcia é publicado pela estreante editora Fósforo.
 
O novo livro de João Guimarães Rosa na reedição da obra do escritor pela Global Editora: No Urubuquaquá, no Pinhém.
 
Com a maestria que Guimarães Rosa tem ao criar personagens, cenários e grandes enredos, nesta obra o leitor se depara com os contos “O recado do morro”, “Cara-de-Bronze” e “A história de Lélio e Lina”, os quais a princípio integravam Corpo de baile (1956), e foram desmembradas para integrar um novo volume, que recebeu do autor o título atual. Em “O recado do morro”, o leitor acompanha cinco homens — Pedro Osório, seo Alquiste, frei Sinfrão, seo Jujuca do Açude e Ivo de Tal — a realizarem uma travessia em que encontram desafios pelas estradas e ajuda pelas fazendas onde passam, como abrigo, almoço e jantar. A partir dessas participações, essas figuras masculinas modificam suas visões de mundo e de si mesmos. Já o conto “Cara-de-Bronze”, por sua vez, traz a chegada à fazenda do Urubuquaquá, um forasteiro que se esforça para compor, com os depoimentos fragmentários dos vaqueiros, o retrato do velho fazendeiro apelidado Cara-de-Bronze, o qual, doente recluso em seu quarto, administra a sua propriedade. Por fim, “A história de Lélio e Lina”. Ansiando por uma mulher, Lélio aporta ao Pinhém. Nessa fazenda, é com uma senhora, dona Rosalina, que Lélio estabelece uma sincera e profunda amizade. Confessando suas paixões, ele recebe de Lina respostas a perguntas ainda não formuladas.
 
Nova edição para o livro de estreia de Marilene Felinto.
 
“Vou ter que ver por que minha mãe nasceu lá em Tijucopapo. E, caso haja uma guerra, a culpa é dela.” A potência da linguagem da escritora e tradutora Marilene Felinto se mostra mais atual do que nunca. Romance emblemático da autora, As mulheres de Tijucopapo ganha nova edição, com prefácio inédito da escritora Beatriz Bracher, posfácio da pesquisadora Leila Lehnen e fortuna crítica com ensaios e resenhas de Ana Cristina Cesar, João Camillo Penna, José Miguel Wisnik, Marilena Chaui e Viviana Bosi. Escrito em 1982, quando a autora tinha 22 anos, o livro narra a viagem de retorno da narradora Rísia a Tijucopapo, localidade fictícia onde sua mãe nasceu, que evoca a história real de Tejucupapo, no Pernambuco. No século XVII, a cidade foi palco de uma batalha entre mulheres da região e holandeses interessados em saquear o estado. Nas entrelinhas de As mulheres de Tijucopapo, conta-se a história das mulheres guerreiras de Tejucupapo. O livro se constrói como um fluxo de consciência literário cujo teor histórico, feminista e antirracista se evidencia no trajeto que a narradora faz de volta a essa terra mítica, iluminando as contradições inerentes à sociedade e à cultura multirracial brasileira. Nas palavras da poeta Ana Cristina Cesar, a narrativa autobiográfica é “traçada em ziguezague, construída toda em desníveis, numa dicção muito oral, atravessada de balbucios, repetições, interrupções, associações súbitas”. Em trajeto reflexivo, a personagem vai em busca das origens, para assimilar as experiências da infância e a dor da diferença vivida na capital paulista. Quanto mais ela se aproxima de Tijucopapo, mais perto chega de se tornar, ela própria, uma mulher de Tijucopapo. A força das guerreiras pernambucanas é a imagem invertida da fraqueza de Rísia, menina pobre de muitos irmãos, que se refugia na gagueira por impossibilidade de exprimir seu ódio. A obra rompe com definições normativas, ocupando um espaço novo entre a narrativa ficcional, o depoimento pessoal e o discurso poético. De acordo com Caio Fernando Abreu, “com voz inconfundível, sensibilidade, talento e precisão, a autora demarca um território novo na literatura brasileira”. Depois das edições pela Editora 34 e editora Record, o livro de Marilene Felinto chega pela editora Ubu.
 
Antologia para entrar no universo poético de Pablo Neruda. 

Esta Antologia poética reúne poemas escritos por Pablo Neruda desde seu primeiro livro, Crepusculario (1923), até Las manos del día (1968), apresentando várias facetas do poeta, de temáticas amorosas a melancólicas ou políticas. Também fica evidente sua relação com a natureza e o amor pela vida. Traduzidos por Eliane Zagury, o livro tem prefácio de Jorge Edwards, escritor, diplomata e amigo pessoal de Pablo Neruda, e breve cronologia da vida e da obra de Neruda, por Margarita Aguirre, escritora, crítica literária chilena e primeira biógrafa do poeta. Conforme o escritor José Castello escreve no texto de orelha: “A grande característica da poesia de Neruda é a intensidade, que pode estar tanto nos eventos da história do continente como no Canto geral, quanto nas frestas das pequenas coisas inofensivas, como nas odes à cebola, à areia, à mariposa. Poeta de caráter forte, não deixa escolha a seu leitor: ou se agarra apaixonadamente a seus livros, ou não terá acesso verdadeiro a eles. A poesia, como Neruda definiu em sua ‘Arte poética’, é ‘um movimento sem trégua, e um nome confuso’. Terreno de entrechoques, de luta ininterrupta, de perturbação, a que todos os elementos do cosmo comparecem. Nada lhe escapa. Via a literatura como o terreno da intranquilidade (‘Mãe intranquilidade, bebi em teus seios / eletrizado leito’). E o poeta, com um homem carente e sentimental, a cavar as coisas do mundo, em busca de um fundo inexistente. Poeta do movimento, da inconstância, do susto, Neruda não precisou de heterônimos, de máscaras, para multiplicar-se em vários escritores, todos com um nome só. Apontou, assim, para a riqueza inesgotável do humano, cuja imagem, volúvel, inquieta e sempre em fragmentos, só cabe mesmo num espelho de palavras.” O livro é publicado pelo selo José Olympio da editora Record.
 
Nova edição do primeiro romance de uma série que Nelson Rodrigues escreveu para o jornal com o pseudônimo de Suzana Flag.

Intitula-se Meu destino é pecar. Mestre do folhetim brasileiro, o autor soube como nenhum outro dar forma e ritmo narrativo aos sentimentos mais desbragados. Estão aqui paixões, ódios, desejos incontidos, obsessões e promessas de vingança, tudo em uma trama recheada de reviravoltas que surpreendem até o leitor mais sagaz. Espécie de antecessora das telenovelas brasileiras, esta primeira história de Nelson forja aquilo que mais tarde cativará todo um país na tevê: mocinhas que jamais renunciam ao amor, galãs inabaláveis, rivais dispostos a tudo, vilões da pior estirpe. Eis os ingredientes que, alinhavados por cortes precisos, de capítulo a capítulo, nos fazem perder o fôlego. A nova edição publicada pela HarperCollins Brasil traz textos de apoio de João Emanuel Carneiro e Socorro Acioli.

DICAS DE LEITURA
 
A cada 1º de maio passamos em revista o Dia do Trabalho. A data mais que celebrativa — como tudo nos tempos atuais — tem suas bases nas extensas lutas de reivindicação por condições dignas de trabalho, um sentido que precisamos recuperar, afinal as necessidades ainda são muitas. Para marcar este dia selecionamos quatro obras que lidam com o tema do trabalho e da revolução pelo trabalho para alguma possibilidade de justiça.
 
1. Germinal, de Émile Zola. Neste romance, o grande mestre do Naturalismo francês retrata os primórdios das primeiras organizações dos trabalhadores em torno de seus direitos à dignidade. A narrativa acompanha uma épica revolta de mineradores na cidade de Montsou. Enquanto as famílias operárias sofrem de fome e de penúria generalizada, a mina Voraz condena gerações de trabalhadores a cuspir carvão para obterem seu mínimo sustento. É lá embaixo, no subsolo, que surge a necessidade de se organizarem para sobreviver, e caberá ao recém-chegado Étienne Lantier profetizar novos tempos para a massa de carvoeiros que sufoca debaixo da terra. Na superfície, após escaramuças e tiroteios, a mobilização foge do controle do líder operário e os mineiros acabam retomando o trabalho para não morrerem de fome. Paralelamente, o niilista russo Suvarin engaja-se em operações de sabotagem de desenlace trágico, culminando com a destruição total da mina. Lantier acaba partindo para Paris, onde trabalhará pela organização dos trabalhadores. Há uma tradução de Mauro Pinheiro desse romance publicada pela editora Estação Liberdade, da qual copiamos parte da síntese sobre a obra. Zola voltará ao tema mais tarde noutro romance, Trabalho.
 
2. Levantado do chão, de José Saramago. Seja pela formação ideológica, seja pelos estreitamentos com um modelo literário interessado em documentar a vida de labuta dos trabalhadores, na obra desse escritor, o trabalho e os trabalhadores ocupam à larga os limites de interesse da narração. Citamos este romance, mas poderíamos citar Memorial do convento — testemunho sobre a construção de um empreendimento megalomaníaco às custas da vida e suor alheios e fabulação sobre o trabalho enquanto libertação — ou A caverna — ficção sobre a substituição da artesania pelo fabrico industrial. Neste agora recomendado, acompanhamos a longa história de opressão do homem pelo homem desde a aurora dos tempos, passando pelos terríveis anos do período ditatorial e de latifundiarismo em Portugal, até alcançar as organizações coletivas em torno da libertação dos trabalhadores. É também um romance que singulariza o papel da luta nas transformações passadas e por passar ao redor do mundo.
 
3. O diário de uma boa vizinha, de Doris Lessing. Neste romance, a escritora Prêmio Nobel de Literatura 2007 oferece a história de Janna Somers, que na Inglaterra dos anos oitenta dirige uma revista feminina que é seu tudo; organizado em forma de diário, tal como sugere o título, compartilhamos do cotidiano de trabalho, não isento de solidão e desencanto em várias ocasiões. Algo muda nesse itinerário fadado ao monótono das repetições com chegada à sua vida da vizinha Maudie e as duas iniciam uma amizade que nos abre o contato com duas gerações de mulheres, incluindo seus interesses e preocupações. Publicado por aqui em 1984 pela editora Record, a tradução é de Aulyde Soares Rodrigues.
 
4. Parque industrial, de Patricia Galvão. Este é considerado o primeiro romance proletário brasileiro. Foi publicado em 1932 por uma jovem Pagu que, por exigência do Partido Comunista, precisou assinar o que então foi lido como um “panfleto admirável de observações e probabilidades” com o pseudônimo de Mara Lobo. O tema central da narrativa, a luta de classes entre burgueses e proletários, recai sobre o universo do trabalho feminino nas fábricas de São Paulo.
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
1. Ganha forma o roteiro de um filme idealizado por Fernando Pessoa. Em 2011, Patrício Ferrari e Cláudia J. Fischer publicaram Fernando Pessoa. Argumentos para filmes, uma coleção que reuniu ideias captadas do arquivo do poeta português então pensadas por ele para o cinema — um trabalho que ampliou outra edição, organizada por Patrick Quillier em 2007. Agora, o esboço de roteiro “Note for a Thriller, or Film” ganhou forma pelas mãos do diretor Pedro Varela, quem gravou O ídolo, um curta que estreia online a 12 de maio de 2021; todo o trabalho de filmagem foi gravado com um smartphone no âmbito de uma proposta da Agência Uzina para a Samsung. O esboço escrito há quase um século reúne um grupo de personagens de diferentes origens com a difícil missão de transportar um objeto de valor incalculável num navio que faz a travessia entre Nova York e a Inglaterra. O filme será apresentado aqui
 
BAÚ DE LETRAS
 
1. Em 2011, o livro que recolheu todos os textos e esboços de roteiros escritos por Fernando Pessoa em inglês, francês e português foi comentado nesta post do Letras

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