Os filmes de Fernando Pessoa




Já não é possível chamar Fernando Pessoa apenas de poeta, embora, é claro, sua obra do gênero seja a mais volumosa e também o melhor que produziu. Mas, constantemente, do trabalho desenvolvido pelo grupo coordenado por Jerónimo Pizarro descobrem-se coisas que não são da alçada do poeta, mas de um sujeito que experimentou todas as possibilidades de exercício da faculdade imaginativa. 

Exemplo disso é o anúncio agora da Casa Fernando Pessoa sobre a publicação de uma obra que traz à luz um homem metido com a arte do cinema.

A edição, introdução e tradução são de Patrício Ferrari e Cláudia J. Fischer; a tradução é porque grande parte do material agora apresentado foi organizado pelo próprio Fernando Pessoa em língua inglesa com o rótulo de Film Arguments. Além de roteiros em inglês, o multi-criador escreveu outros em português e em francês. 

O título editado preserva o nome dado pelo seu mentor, Argumentos para filmes.

Na edição, seis roteiros incompletos, escritos ainda na época do cinema mudo; quatro roteiros da década de 1920 (estes escritos em inglês e um deles com diálogos em português); outros dois redigidos posteriormente ao ano de 1917 (em francês e já publicados uma vez na França em 2007 num opúsculo com a tradução de outros dois roteiros escritos originalmente em inglês, estes também incluídos na referida edição).

O trabalho ora trazido a público desconstrói a ideia comum de que Fernando Pessoa não tinha simpatias pelo cinema; tese que, revelam os pesquisadores, só tinha fundamento porque os estudiosos sempre consideraram como argumento alguns excertos de poemas de Álvaro de Campos, textos e a correspondência de Pessoa em que se demonstrava alguma aversão do poeta pela sétima arte. É possível que o português tenha construído uma certa decepção pelo cinema por causa de projetos como estes nunca terem sido executados. Mas não era tanto.

As revelações de sua relação com a imagem provam que o poeta fez algum esforço, ainda mais imaginário que real para conseguir dar pulso aos seus projetos: entre 1919 e 1920, quis criar uma estúdio de cinema, batizado duas vezes, a primeira como Cosmopolis e depois como Grêmio de Cultura Portuguesa, este segundo mais interessado na propaganda. 

Na certa, via como resultava lucrativo os esforços do governo ditatorial na construção de um nome e de um poder à base do discurso neste último gênero. Uma empresa com esse interesse poderia servir ao governo e dos lucros servir aos filmes projetados por Pessoa? Supostamente.

Além dos dois projetos, passa pela sua cabeça a ideia de criar uma produtora que se chamaria Ecce Film; para este trabalho, chegou a criar até um logotipo, imaginou papéis timbrados, envelopes com o endereço ("Rua de S. Bento, ns. 333 e 335", local que, de fato era no seu tempo uma produtora de cinema). 

Tudo isto e mais o que revelam os pesquisadores em Argumentos para filmes, demonstra que Pessoa estava atento ao que se passava sobre o setor ao redor do mundo e tentava incluir Portugal nesse circuito também de vanguardas.

A edição é publicada pela Babel, do grupo Ática.


Fonte: Casa Fernando Pessoa.


Comentários

jlança-coelho disse…
PESSOA NÃO ERA UMA PESSOA,
MAS UM SER EXTRATERRESTRE,
COMO DISERAM DE DA VINCI.

QUE PESSOA EXTRAORDINÁRIA!
INTERESSADO EM TODOS OS ASSUNTOS.

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #607

Boletim Letras 360º #597

Han Kang, o romance como arte da deambulação

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Boletim Letras 360º #596