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Conclave: o cardeal que sabia demais

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Por Ernesto Diezmartínez No início de O espião que sabia demais (1974), o quinto romance escrito por John le Carré (1931-2020), o antigo chefe da inteligência britânica, “Control”, morre após ser forçado a se aposentar devido a uma operação de espionagem vergonhosamente fracassada. Seu segundo em comando, o espião veterano aposentado George Smiley (Alec Guiness na adaptação para a TV de 1979 e Gary Oldman na versão cinematográfica de 2011) é convidado a voltar ao MI6 em meio a suspeitas de que entre seus antigos colegas há um espião duplo servindo aos soviéticos, uma certeza que atormentou “Control” em seus últimos dias à frente do serviço secreto britânico. O que Smiley não consegue entender é por qual motivo “Control” não compartilhou suas suspeitas com ele, por que lhe escondeu essa informação. Acreditava que ele, Smiley, era o espião duplo, o informante do título? Ele logo percebe que o oposto é verdadeiro: “Control” não lhe contou nada sobre suas suspeitas porque confiava nele ab...

A obra literária de Santa Teresa d’Ávila

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Por Miguel Ángel Garrido Gallardo Santa Teresa D'Ávila. Pintor desconhecido.     1 A obra escrita de Santa Teresa d’Ávila é literária? Mas o que significa literatura?   Terminologicamente falando, literatura , com o perfil que hoje damos por certo em suas variadas acepções, é um termo que só tem vigência de dois séculos, o XIX e o XX, mas que ainda não existia como tal no século XVIII e que está sendo hostilizado em suas fronteiras nestes começos do século XXI.   No século XVIII falava-se de “poesia” com o termo aristotélico que significa criação ou recriação: “à recriação feita com palavras ocorria — segundo Aristóteles — que não tinha em seu tempo um nome particular” e, assim, sem nome particular foi sobrevivendo século a século o fato e a disciplina que o estudava — a Poética .   A difusão da Galáxia Gutenberg, que havia propiciado a proliferação do livro e o surgimento do jornalismo, também propicia que nos fixemos no caráter de escrito que tem agora o supor...

Léon Bloy: o louco de Deus

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Por Rafael Narbona Léon Bloy, julho de 1906. Foto: Coleção particular.   Léon Bloy nasceu no século errado. Muitos o compararam com os profetas mais irados do Antigo Testamento. Após ler suas diatribes e explosões, Franz Kafka comenta: “Ele é o profeta dos tempos modernos, diante dos quais todos os outros parecem mudos. Vitupera melhor que os profetas; seu fogo se alimenta de todo o esterco da nossa época”. Jorge Luis Borges concorda com essa visão: “Infelizmente para sua sorte e felizmente para a arte da retórica, ele se tornou um especialista em injúria”. Bloy considerava que o mundo moderno era o reino de Satanás. O demônio havia introduzido aberrações como o sufrágio, a democracia, a tolerância, o materialismo, a ciência, o feminismo, a república, o fonógrafo, o socialismo, o amor aos animais e o divórcio — a máxima perversão imaginável — para destruir a herança cristã.   Sedento de justiça e inflamado de ira, não concebia outra salvação para o mundo que um profundo exorc...

Boletim Letras 360º #622

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    DO EDITOR   Olá, leitores! Continuamos até o dia 16 de fevereiro a receber novas candidaturas de interessados em publicar seus textos com o Letras durante este ano de 2025. Veja aqui como realizar sua inscrição.   Qualquer outra dúvida, podem encaminhar através do nosso e-mail blogletras@yahoo.com.br ou dos serviços de mensagem disponibilizados em alguma das nossas redes sociais. Aguardamos os seus escritos. Chimamanda Ngozi Adichie. Foto: M Le Magazine du Monde   LANÇAMENTOS   Brasil está no circuito que receberá em primeira mão o novo romance de Chimamanda Ngozi Adichie .   Em A contagem dos sonhos , Chiamaka é escritora de livros de viagem e vive nos Estados Unidos. Sozinha durante a pandemia, ela relembra os relacionamentos do passado e pondera sobre suas escolhas e seus arrependimentos. Zikora, sua melhor amiga, é uma advogada que foi bem-sucedida em tudo, até que, após ter o coração partido, busca a ajuda de quem achou que menos precisava....

O romance que perdi

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Por Alejandro Zambra Jamais pensei que Bonsai fosse um livro “filmável”. A primeira proposta me surpreendeu, não sabia o que responder, então disse que não. Também disse que não para Cristián Jiménez uns meses mais tarde, mas também lhe pedi que me deixasse ver seu trabalho. E sucedeu que Ilusiones ópticas [Ilusões de ótica], seu primeiro filme, me deixou comovido como há muito não ficava. Fui cativado por seu olhar, por sua busca, que me pareceu diversa da minha, mas também, em outro plano, muito próxima, muito familiar. Confiei instintivamente em Cristián e decidi que, não importa o que acontecesse, em caso algum eu seria o típico escritor ressentido com a adaptação do seu romance. Pelo mesmo motivo, pensei que se não gostasse do filme ficaria em silêncio. Tinha, porém, um bom pressentimento. Pensava, sobretudo, na cena final de Ilusiones ópticas , com a maravilhosa Paola Lattus e Iván Álvarez de Araya frente a frente. Não o contarei aqui, mas para mim é um dos finais mais arris...

As planícies, de Gerald Murnane

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Por Gabriella Kelmer   Há uma região na Austrália que recebe o nome de planícies centrais. Seu clima é árido ou semiárido — dado que busquei tão logo chegou às minhas mãos o romance As planícies , de Gerald Murnane — e embora não seja tão fundamental ao argumento central do romance quanto se sugeriria o título da obra, a região é transmutada do país real. Não é da experiência territorial de que fala o autor, ou, antes, sendo também uma consequência do contato com uma paisagem incalculavelmente extensa e estéril, o romance traduz, a partir de motivos filosóficos, metafísicos e artísticos, a jornada de imersão de um estrangeiro na vida singularíssima do chamado “homem das planícies”.   Traduzida por Caetano W. Galindo e publicada no Brasil pela primeira vez apenas em 2024, embora tenha sido lançada originalmente em 1982, a obra, de uma linguagem reflexiva e academicista que articula simultaneamente um lirismo contido, é curiosíssima. Estabelece, na perspectiva de um cineasta com...