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Léon Bloy: o louco de Deus

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Por Rafael Narbona Léon Bloy, julho de 1906. Foto: Coleção particular.   Léon Bloy nasceu no século errado. Muitos o compararam com os profetas mais irados do Antigo Testamento. Após ler suas diatribes e explosões, Franz Kafka comenta: “Ele é o profeta dos tempos modernos, diante dos quais todos os outros parecem mudos. Vitupera melhor que os profetas; seu fogo se alimenta de todo o esterco da nossa época”. Jorge Luis Borges concorda com essa visão: “Infelizmente para sua sorte e felizmente para a arte da retórica, ele se tornou um especialista em injúria”. Bloy considerava que o mundo moderno era o reino de Satanás. O demônio havia introduzido aberrações como o sufrágio, a democracia, a tolerância, o materialismo, a ciência, o feminismo, a república, o fonógrafo, o socialismo, o amor aos animais e o divórcio — a máxima perversão imaginável — para destruir a herança cristã.   Sedento de justiça e inflamado de ira, não concebia outra salvação para o mundo que um profundo exorc...

Boletim Letras 360º #622

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    DO EDITOR   Olá, leitores! Continuamos até o dia 16 de fevereiro a receber novas candidaturas de interessados em publicar seus textos com o Letras durante este ano de 2025. Veja aqui como realizar sua inscrição.   Qualquer outra dúvida, podem encaminhar através do nosso e-mail blogletras@yahoo.com.br ou dos serviços de mensagem disponibilizados em alguma das nossas redes sociais. Aguardamos os seus escritos. Chimamanda Ngozi Adichie. Foto: M Le Magazine du Monde   LANÇAMENTOS   Brasil está no circuito que receberá em primeira mão o novo romance de Chimamanda Ngozi Adichie .   Em A contagem dos sonhos , Chiamaka é escritora de livros de viagem e vive nos Estados Unidos. Sozinha durante a pandemia, ela relembra os relacionamentos do passado e pondera sobre suas escolhas e seus arrependimentos. Zikora, sua melhor amiga, é uma advogada que foi bem-sucedida em tudo, até que, após ter o coração partido, busca a ajuda de quem achou que menos precisava....

O romance que perdi

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Por Alejandro Zambra Jamais pensei que Bonsai fosse um livro “filmável”. A primeira proposta me surpreendeu, não sabia o que responder, então disse que não. Também disse que não para Cristián Jiménez uns meses mais tarde, mas também lhe pedi que me deixasse ver seu trabalho. E sucedeu que Ilusiones ópticas [Ilusões de ótica], seu primeiro filme, me deixou comovido como há muito não ficava. Fui cativado por seu olhar, por sua busca, que me pareceu diversa da minha, mas também, em outro plano, muito próxima, muito familiar. Confiei instintivamente em Cristián e decidi que, não importa o que acontecesse, em caso algum eu seria o típico escritor ressentido com a adaptação do seu romance. Pelo mesmo motivo, pensei que se não gostasse do filme ficaria em silêncio. Tinha, porém, um bom pressentimento. Pensava, sobretudo, na cena final de Ilusiones ópticas , com a maravilhosa Paola Lattus e Iván Álvarez de Araya frente a frente. Não o contarei aqui, mas para mim é um dos finais mais arris...

As planícies, de Gerald Murnane

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Por Gabriella Kelmer   Há uma região na Austrália que recebe o nome de planícies centrais. Seu clima é árido ou semiárido — dado que busquei tão logo chegou às minhas mãos o romance As planícies , de Gerald Murnane — e embora não seja tão fundamental ao argumento central do romance quanto se sugeriria o título da obra, a região é transmutada do país real. Não é da experiência territorial de que fala o autor, ou, antes, sendo também uma consequência do contato com uma paisagem incalculavelmente extensa e estéril, o romance traduz, a partir de motivos filosóficos, metafísicos e artísticos, a jornada de imersão de um estrangeiro na vida singularíssima do chamado “homem das planícies”.   Traduzida por Caetano W. Galindo e publicada no Brasil pela primeira vez apenas em 2024, embora tenha sido lançada originalmente em 1982, a obra, de uma linguagem reflexiva e academicista que articula simultaneamente um lirismo contido, é curiosíssima. Estabelece, na perspectiva de um cineasta com...

Casa Rorty XXXV: ante a titânica modernidade

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Por Manuel Arias Maldonado   O Brutalista , filme de Brady Corbet que relata a peripécia de um arquiteto judeu de origem húngara que sobrevive ao Holocausto e tenta continuar sua carreira profissional nos Estados Unidos do pós-guerra, chegou aos cinemas de todo o mundo quando Donald Trump foi novamente empossado como presidente. Como veremos a seguir, um dos temas do filme é a natureza do projeto sociopolítico estadunidense ou, se preferir, a pergunta pela “alma da América”. Mas já é coincidência que uma das ordens executivas assinadas imediatamente pelo ex-magnata imobiliário — nomeada Promoting Beautiful Federal Civic Architecture — disponha que os edifícios federais de nova construção terão que se ajustar ao padrão estético da arquitetura clássica: se László Tóth, nome do protagonista do filme, levantasse a cabeça!   Sabemos o que Trump entende por classicismo se prestarmos atenção ao precedente criado por ele mesmo com uma ordem assinada no final de seu primeiro mandato; a...

Uma feira de covardias: sobre Suíte francesa, de Irène Némirovsky

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Por Benjamín Barajas Iréne Némirovsky. Foto: DPA / Picture Alliance / Imec Archives Um dos episódios mais marcantes da Segunda Guerra Mundial foi a derrota da França pelo exército alemão, numa campanha de seis semanas que culminou com a queda de Paris em 14 de junho de 1940, a assinatura do armistício e o estabelecimento de um governo colaboracionista do regime nazista, liderado pelo marechal Philippe Pétain.   É claro que os detalhes desse episódio vergonhoso para as armas francesas foram minimizados no contexto de uma aliança multinacional que recuperou os territórios invadidos e infligiu uma enorme derrota às forças do Führer e seus aliados italianos e japoneses. No entanto, as deportações de judeus franceses para os campos de extermínio do Terceiro Reich abriram feridas profundas que ainda alimentam memórias dolorosas de um período particularmente sangrento na história. Uma delas corresponde à vida e obra da escritora Irène Némirovsky, que viveu na França e foi extraditada por ...