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Mostrando postagens de 2025

Boletim Letras 360º #629

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DO EDITOR   Olá, leitores! Aproveito este espaço para reiterar publicamente os agradecimentos àqueles que enviaram suas candidaturas para ocuparem um lugar neste projeto. O Letras iniciou essa alternativa em 2012 e deste então tem enriquecido seus interesses com perspectivas e leituras essenciais e enriquecedoras para o debate acerca da literatura e dos livros, principalmente.   Justamente porque vivemos em um país em que o pensamento e a discussão nessa seara têm andado de joelhos desde o declínio do nosso leitorado e mesmo as dificuldades sendo enormes, parece válido este projeto. É preciso, ao menos, acreditar que não é um bom modo ficar apenas na função de observadores do barco que afunda sem ao menos tocar um réquiem . Certamente, também é esse o ponto de vista de todos que batem à nossa porta atendendo ao nosso chamado. Então, obrigado!   A chamada de 2025 recebeu treze candidaturas. Dessas, foram aprovadas nove. As estreias começam a aparecer por aqui entre as últ...

Uma infância salva pela memória

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Por Manuel Fernández Labrada Christa Wolf. Foto: Oliver Mark   No famoso filme Cidadão Kane , de Orson Welles, os últimos pensamentos do protagonista remontam a um episódio aparentemente insignificante de sua infância, resumidos em uma palavra misteriosa que causou confusão entre seus biógrafos. Somente o espectador do filme descobre, no final, o significado do enigma; ou seja, uma vida cheia de acontecimentos e triunfos pode ser ofuscada pela lembrança de um simples brinquedo: Rosebud . Não há dúvida de que os escritores também, quando chega o momento de fazer um balanço, muitas vezes voltam seu olhar para a infância. As experiências mais banais, até mesmo as mais dolorosas, há muito esquecidas, retornam revestidas de uma nova luz. Talvez prevaleça a necessidade de fazer as pazes consigo mesmo e com os outros. Descobrimos então que a infância, já perdida no passado, era o tesouro mais precioso de todos, e desejamos salvá-lo enquanto ainda resta algum tempo... Há muito disso, par...

Misericórdia, de Lídia Jorge

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Por Gabriella Kelmer Lídia Jorge. Foto: José Fernandes   A filha escritora revela à severidade materna que escreve sobre perdedores por ser como um cão sob a mesa, aguardando os restos — as migalhas, os resquícios — de um opulento banquete de que só pode e deseja participar a partir de um posto de observação subalterna. Justifica, nesse ímpeto, a produção de uma literatura não apenas desprovida de finais felizes, mas também atenta aos esquecimentos e silenciamentos da história. A mãe, inconformada de ouvir a filha dizer-se em termos tão indignos, argumenta a favor dos grandes homens e dos inesquecíveis feitos. Desentendem-se as duas personagens, por um tempo, e fica evidenciado como é diverso o que esperam do mundo e o que veem de si mesmas.   Misericórdia , o romance mais recente da portuguesa Lídia Jorge, publicado no Brasil em 2024, pode ser compreendido como a adoção do olhar crítico daquela mãe, todavia articulado pelo método da filha, com uma visão escafandrista da inti...

Nosferatu: um tributo à sombra junguiana

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Por Diego García Paz   Desde a sua estreia, Nosferatu , de Robert Eggers, tem sido alvo de críticas majoritariamente favoráveis, não tanto pela história, já bastante conhecida (refletida no filme homônimo dirigido por Murnau em 1922 e posteriormente revisitado por Herzog em 1979), mas pela produção. De fato, sua fotografia se revela uma genuína obra de arte, que consegue, dentro de um propósito evidentemente perturbador, mover-se sempre no contexto da elegância visual. Este é um objetivo complicado, porque, depois de assistir ao filme, fica claro que seu diretor pretendeu transmitir ao espectador uma mensagem dupla, em forma e conteúdo: ao mesmo tempo preciosa e desagradável; ao mesmo tempo baseado na realidade e por momentos oníricos.   Um reflexo fiel disso é a própria ideia do antagonista, o Conde Orlok (interpretado por Bill Skarsgard), reflexo do Drácula de Bram Stoker, que, do meu ponto de vista, apresenta nesta obra cinematográfica a imagem perfeita do vampiro, tal co...

Escritores em viagem: 18 livros

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Por Pedro Fernandes   Volta e meia aparece no Letras alguma lista de livros ou algum texto cujo tema é, talvez o mais antigo motivo da literatura, a viagem. No final destas novas recomendações, mais recomendações nessa interface, o leitor encontrará os caminhos que atestam a constatação levantada.   A recorrência dessa presença se deve à vasta biblioteca possível de organizar, inclusive, com seções variadas, transitando entre o ponto do relato historiográfico, memorialístico ao relato ficcional, não excluindo as estantes dedicadas à poesia com sua escala de variações, da geografia dos afetos à invocação quase turística, de lugares visitados física ou imaginariamente.   Bom, alguém já disse que um escritor munido de um objeto de anotação é sempre capaz de transformar qualquer experiência em matéria de escrita; ao viajar, por exemplo, pode sempre se estabelecer um próximo livro centrado no interesse pela viagem. E foi isso o que fizeram os autores dos livros listados aq...

Interpretando Dom Quixote

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Por Juan Montes Quixote leitor de novelas de cavalaria. Juan Salvador Carmona, José del Castilho. Biblioteca Nacional da Espanha. Quando o fidalgo que passa a se chamar Dom Quixote de La Mancha deixa sua aldeia em busca de aventuras, fama e glória, transformado em um cavaleiro andante, ele se encontra clinicamente louco ou se trata de uma alma livre, um rebelde radical que busca abandonar sua existência monótona e cinzenta para viver outra vida, uma vida fictícia melhor, mais emocionante, completa e feliz do que a vida real?   Uma leitura cuidadosa do Dom Quixote sugere que a segunda possibilidade tem mais um toque de verdade do que a primeira.   Cervantes repetidamente chama Dom Quixote de louco e declara reiteradas vezes seu desejo de enterrar de uma vez por todas o crédito e a fama dos livros de cavalaria com as disparatadas histórias de seu cavaleiro. Mas as entrelinhas deixam dúvidas sobre as verdadeiras intenções do novelista, esse grande comediante e bufão que zombava d...