Ritmo, humano e crítico, mas sobretudo ritmo, e Cuti
Por Vinícius de Silva e Souza

Pouco nos surpreende a Companhia das
Letras ter publicado toda uma coletânea dos poemas de Cuti, pseudônimo de Luiz
Souza. Há uns anos a editora tem se empenhado na missão de acrescentar ao seu
catálogo os grandes nomes dos Cadernos negros, uma série de publicações de
literatura afro-brasileira iniciada em 1978 e que se tornou um importante
espaço para divulgação da produção dos autores negros no Brasil. Daí, saíram Oswaldo
de Camargo, autor de obras como 30 poemas de um negro brasileiro e A
descoberta do frio, e também a grandiosa coletânea Não pararei de gritar,
de Carlos de Assumpção.
Assim, o nome que parecia mesmo
ausente neste catálogo específico da editora era o de Cuti — agora, não mais. Apresentado
em julho de 2024, Ritmo humanegrítico é uma antologia que possui o
diferencial de, ao contrário da grande maioria de antologias, não reunir
apenas textos antigos, contemplando períodos longínquos da trajetória de um autor,
mas também versos recentes — o que fica claro pelos temas presentes nos poemas, a exemplo
de “Navegar sem juízo”:
Dizem tratar-se de um mundo
Este virtual engodo
Ao pensar que nadamos em água
Nos afogamos no lodo
De imagens, vídeos, emojis
Com denodo
Fazendo papel de bobo
Parece que o que interessou então foi oferecer
ao leitor um mix do que o poeta vem versando desde meados do século passado até
anos recentes. E a cola que mantém tudo unido, para além da autoria, é o
bastante característico estilo do poeta. Não à toa o título da obra: aqui, é
tudo sobre ritmo. A musicalidade cuspida pelo poeta em muito evoca um rap,
com batidas tão bem ritmadas e métrica curta, fluindo como a rapidez dos tempos
modernos. “Erro tático” é um exemplo:
Denúncia crítica
Se tão somente atinge
A fachada
Pouca impacta
E com palavra viciada
Até reforça
A estrutura opressora
Intacta.
Compostos por não mais do que duas
palavras que rimam entre si, muitos desses versos caberiam facilmente em
batalhas de rap, não parando de gritar jamais sobre o que é ser humano e
negro: humanegrítico. Da questão racial à social, perpassando pela
existencial, Cuti compõe um forte e poderoso manifesto em verso (maniverso?),
que, por sinal, merecia mais atenção dos leitores e da crítica do que a editora vem dando. (Procurei e
praticamente não existe resenhas desse livro na internet).
Veja in
Querer muito
O que alguém tem
Ou frui
Seja lá o que for
Nos polui
Aumenta a cobiça
Mágoa e raiva
Atiça
E nos possui
Se incorpora
Encosto
Caipora
Assombração
Afeto piora
A danação
Corrói o coração.

Este virtual engodo
Ao pensar que nadamos em água
Nos afogamos no lodo
De imagens, vídeos, emojis
Com denodo
Fazendo papel de bobo
Se tão somente atinge
A fachada
Pouca impacta
E com palavra viciada
Até reforça
A estrutura opressora
Intacta.
O que alguém tem
Ou frui
Seja lá o que for
Nos polui
Mágoa e raiva
Atiça
E nos possui
Encosto
Caipora
Assombração
A danação
Corrói o coração.
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Ritmo humanegrítico
Cuti
Companhia das Letras, 2024
272 p.
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