Boletim Letras 360º #636


Rubem Fonseca. Foto: Arquivo do escritor.


LANÇAMENTOS
 
O experimental teatro de Dylan Thomas chega em língua portuguesa — uma amostra.
 
Ao pé do bosque torto (Under Milk Wood) é a mais radical das obras de Dylan Thomas. Escrita por encomenda do departamento de drama da BBC, a peça estreou na rádio em 1953, sendo depois remontada em 1964. Nas duas ocasiões, quem orquestrou a coisa toda foi o grande Richard Burton, o que transformava tudo numa reunião de talentos galeses. O País de Gales, sua realidade e sua língua, está também por trás de boa parte da tal radicalidade do texto: a liberdade que ele toma com o vocabulário, a morfologia e a sintaxe do inglês (claramente seguindo os passos do James Joyce do Finnegans Wake) pode ser diretamente ligada a essa situação de “biculturalismo”. Elementos da língua, da onomástica, da realidade e do cotidiano da terra natal do escritor são parte central do que acaba por gerar na peça uma paisagem sonora absolutamente singular. Na peça o narrador convida as pessoas a escutar os sonhos e pensamentos mais íntimos dos habitantes de uma pequena vila de pescadores galesa, Llapahnen. Este livro foi produzido no Laboratório Gráfico Arte e Letra, com impressão em risografia e encadernação manual. Tradução de Caetano Galindo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma jornada vívida e hipnotizante pelos pequenos traumas e triunfos que nos definem — como leitores, como escritores, como seres humanos.
 
Se para um retrato fossem reunidas as mais inovadoras e destemidas autoras contemporâneas de língua inglesa, certamente Claire-Louise Bennett estaria ali, de pé, abraçada a Ali Smith, com Deborah Levy e Vivian Gornick sorrindo ao seu lado. Em Caixa 19, espécie de autobiografia fictícia construída através das leituras de uma mulher, somos conduzidos por uma imaginação feroz. Numa cidade operária, a oeste de Londres, uma estudante rabisca histórias em seu caderno, embriagada com as primeiras faíscas da sua capacidade de inventar. Enquanto trabalha como caixa de um supermercado num centro comercial do subúrbio (o caixa 19 do título), a narradora sem nome, de cerca de quarenta anos, conhece um homem russo que a presenteia com um exemplar de Além do bem e do mal, de Nietzsche. Mudando da primeira para a segunda e terceira pessoas, num estilo único que maravilha e arrebata na mesma medida, ela encontra nos livros uma forma de decifrar a si mesma e aos outros — e uma fuga da vida que parece destinada a viver. Em episódios como estes, Claire-Louise Bennett nos mostra que esta é a origem de toda ficção: começamos a imaginar porque o mundo não nos parece suficiente. Ou nos parece hostil. Ou porque vivemos golpeados por ele. Tradução de Ana Guadalupe e edição da Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Um marco na literatura estadunidense contemporânea.
 
Em 1972, quando trabalhadores de Pottstown, Pensilvânia, escavavam a fundação para um novo empreendimento, a última coisa que esperavam encontrar era um esqueleto no fundo de um poço. De quem era ou como havia parado lá eram dois segredos há muito guardados pelos moradores de Chicken Hill, a vizinhança decrépita onde imigrantes judeus e afro-americanos viviam lado a lado e compartilhavam dores e ambições. Chicken Hill era o lar de Moshe e Chona Ludlow quando ele tinha seu teatro e ela administrava a Mercearia do Céu e da Terra. Quando o governo apareceu procurando por um menino surdo a fim de colocá-lo em uma instituição, foram Chona e Nate Timblin, o zelador afrodescendente do teatro de Moshe e líder não oficial da comunidade negra da colina, que trabalharam juntos para manter o menino em segurança. Conforme as histórias desses personagens se entrelaçam e aprofundam, fica claro o quanto as pessoas que vivem às margens da América branca e cristã sofrem e o que elas precisam fazer para sobreviver. Quando a verdade acerca do que realmente aconteceu em Chicken Hill é revelada, assim como o papel da liderança branca da cidade em tudo isso, McBride nos mostra que até em momentos sombrios é o amor e a comunidade — o céu e a terra — que nos mantêm de pé. Mercearia do céu e da terra sai pela Tordesilhas; tradução de Giovanna Chinellato. Você pode comprar o livro aqui.
 
Quatro narrativas de deslocamento que ilustram como os animais são um mistério que os homens nunca serão capazes de compreender absolutamente, além de propor uma original reflexão sobre a migração humana e o drama dos refugiados.
 
Só um pouco aqui conta as histórias de animais obrigados a se deslocar e a enfrentar as mudanças com as quais se deparam: duas cachorras que se refugiam após serem abandonadas; uma saíra-escarlate migratória que luta com os desvios impostos pelas luzes da cidade e seus edifícios; uma besoura recém-saída da terra que se perde e uma bebê porca-espinho órfã alimentada com leite humano e entregue a uma instituição do governo responsável pela preservação de espécies em extinção. Acompanhando a viagem desses bichos deslocados contra a própria vontade, María Ospina Pizano, importante nome da literatura colombiana atual, desenha imagens de rara beleza que perduram muito tempo após a leitura ― enquanto sua escrita é contida, as cenas que cria são ousadas e sagazes. A autora oferece flashes de vida por meio dessas criaturas que existem à vista de todos sem serem, de fato, notadas, embora sejam testemunhas das feridas humanas. Com este livro María Ospina Pizano recebeu o Prêmio Nacional de Novela 2024, da Biblioteca Nacional da Colômbia e Prêmio Sor Juana Inés de la Cruz 2023, outorgado pela Feira Internacional do Livro de Guadalajara. O livro traduzido por Silvia Massimini Felix sai pela editora Instante. Você pode comprar o livro aqui.
 
Tudo-está-ligado é o novo romance do angolano Pepetela a chegar ao Brasil.
 
Em Tudo-está-ligado, as vidas das várias personagens se entrelaçam. O leitor acompanha Ofeka, o espírito Olegário, Major Santiago, seu primo Joka e seu amigo de infância Domingos. O cão Jeremias, o gato Zacarias, políticos, funcionários públicos, familiares, vizinhos e amigos, completam o quadro de personagens criadas por Pepetela. Memórias e experiências atuais fazem parte da mesma grande viagem no tempo e no espaço de Angola, em que os caminhos de Ofeka e Santiago se juntam em função de uma missão aparentemente inesperada, mas profetizada. Você pode comprar o livro aqui.
 
Este livro trata-se da comovente história real dos Galvin, uma família americana de meados do século passado que teve seis de seus doze filhos diagnosticados com esquizofrenia.
 
E o leitor vai se sentir lendo um suspense médico: uma saga familiar cheia de amor, sofrimento e esperança que se desenvolve paralelamente não apenas aos grandes episódios da história americana do século XX, mas também aos avanços na compreensão e no tratamento da esquizofrenia. Uma leitura fascinante que nos conta a tragédia de uma família devorada por um distúrbio mental que, à época, ninguém sabia muito bem o que era: nem os médicos nem os pesquisadores, e muito menos os Galvin. A tradução de Os meninos de Hidden Valley Road: a tragédia familiar e o mistério da esquizofrenia é de George Schlesinger; publicação da Martins Fontes. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
 
Edição assinala os 50 anos de um dos principais livros de Rubem Fonseca.
 
Feliz ano novo, lançado em 1975, teve sua publicação e circulação proibidas em todo o território nacional um ano mais tarde, sendo recolhido pelo Departamento de Polícia Federal, sob a alegação de conter “matéria contrária à moral e aos bons costumes”. O regime autoritário, que tentava à força encobrir os problemas que compunham a face sombria do país, não suportou a linguagem dessa coleção de contos que podem traduzir ficcionalmente a verdadeira fratura exposta do corpo social. Com prefácio de Tony Belotto e novo projeto gráfico, o livro é agora devolvido aos leitores pela Nova Fronteira. Você pode comprar o livro aqui.
 
Com A grande arte, Rubem Fonseca se destacou no romance.
 
Aqui, o escritor mineiro conduz o leitor por uma trama eletrizante de crime e mistério. O advogado Mandrake, sofisticado e perspicaz, mergulha no submundo carioca e no deserto boliviano ao lado de um matador profissional, especialista em facas. Juntos, tentam desvendar um assassinato brutal, enquanto pistas enigmáticas e um assassino em série transformam a investigação em um jogo mortal. Este é um romance magistral, repleto de ironia, tensão e referências literárias, que consagrou o autor como um dos grandes nomes da literatura brasileira. A nova edição publicada pela editora Nova Fronteira traz prefácio de Cristóvão Tezza e posfácio de Sérgio Augusto. Você pode comprar o livro aqui.
 
Publica-se uma nova edição de Ka, livro de Velimir Khlébnikov.
 
Ka é um conto que aborda os temas do tempo, da história e da natureza cíclica da existência humana. Figura proeminente no futurismo russo, Khlébnikov usa o conceito egípcio de “Ka” o duplo, a “sombra da alma”, para refletir sobre a eterna recorrência de eventos e a interconexão de passado, presente e futuro. A história enigmática é caracterizada por um estilo narrativo poético e fragmentário, típico da escrita de Khlébnikov, misturando referências históricas, elementos mitológicos e reflexões filosóficas, em um texto denso. Suas referências, entretanto, não se limitam à mitologia egípcia. As palavras vivem uma vida dupla, ora é seu significado, ora sua sonoridade que dá sentido à frase, simulando assim magistralmente a própria função do Ka para os egípcios. A jornada do protagonista pode ser vista como uma metáfora para a jornada da alma por diferentes épocas, destacando a continuidade e a repetição das experiências humanas e convidando o leitor a refletir sobre a natureza do tempo, a identidade e a essência duradoura do espírito humano. A tradução de Aurora Fornoni Bernardini volta a circular pela editora Perspectiva com posfácio de Boris Schnaiderman. Você pode comprar o livro aqui.
 
RAPIDINHAS
 
Rubem Fonseca 100. A filha do escritor, Bia Côrrea do Lago, prepara uma fotobiografia do pai; o livro está previsto para sair ainda neste ano do centenário do escritor. Será pela editora Capivara. A promessa é revelar aspectos da reclusa vida de Fonseca.
 
Cosac Edições 1. A editora de Charles Cosac abriu o site no Dia Mundial do Livro e com isso pudemos bisbilhotar melhor a cara da nova casa. Além já divulgada aqui Série Crioula e das reedições já em circulação ficamos sabendo, por exemplo, que sairá a obra completa do cearense Gerardo de Mello Mourão.
 
Cosac Edições 2. E que a lista de reedições do antigo catálogo da extinta Cosac Naify é mais generosa: dos títulos anunciados estão No mar, de Toine Heijmans e as fábulas completas de Esopo. Das novidades, devemos aguardar Américas de Moravia, do escritor italiano, as primeiras traduções brasileiras do teatro de outro nome da Itália, Pier Paolo Pasolini, e um ensaio sobre o cinema de Walter Hugo Khouri.
 
Uma russa da Era de Ouro inédita entre nós. Chama-se Avdótia Panáieva. E dela, com tradução de Thais Carvalho Azevedo e abrindo o selo Jocalis, a editora Degustadora publica A família Tálnikov — um romance narrado do ponto de vista de uma criança que expõe as tensões familiares e sociais do seu tempo.
 
DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho (José Olympio, 364p.) A ascensão e queda de Ponciano de Azeredo Furtado, um herdeiro de grandes terras e do título deixado pelo avô, um coronel da Guarda Nacional. Você pode comprar o livro aqui
 
2. Antiafrodisíaco para o amor platônico, de Ippolito Nievo (Trads. Patricia Peterle, Wander Melo Miranda, Editora da Unicamp, 136p.) Publicado mais de um século depois de quando foi escrito, esta é uma sofisticada narrativa — erguida entre o sarcasmo, a sátira e a ironia — sobre a desilusão amorosa. Você pode comprar o livro aqui
 
3. Noite. Sono. Mote. Astro, de Joyce Carol Oates (Trad. Débora Landsberg, 656p.) Neste romance, um exame acerca da marca jamais superada do racismo nos Estados Unidos a partir de um episódio em que um ex-prefeito ao interferir num ato de violência policial contra um negro morre depois ser agredido com uma arma de choque. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
O papa que foi professor de literatura. Desde horas depois da morte do Papa Francisco no dia 21 de abril de 2025, a vida virtual tem sido preenchida com a infinita variedade de assuntos em torno da vida, do pontificado, dos ritos da Igreja católica etc. Mas, como pouca gente lê ou se interessa por livros e literatura, caiu no esquecimento a belíssima carta que ele escreveu “Sobre o papel da literatura na educação”. O texto enfatiza os benefícios da leitura, a necessidade de dedicarmos tempo à literatura e saúda os livros como companheiros de viagem, relembrando os anos em que foi professor de Literatura. Chama atenção ainda, as referências, que podemos tomar como uma lista de recomendações de leitura. Estão aí livros como: Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust; Um experimento na crítica literária, de C. S. Lewis; Oral e sete noites, de Jorge Luis Borges; ou os Microlitos, de Paul Celan. Enfim, o texto completo, está disponível aqui.

Um devido tributo a Judith Teixeira. A revista 7faces acaba de publicar um número especial dedicado à obra da poeta, nome ignorado do modernismo português. Organizada pelos professores Fabio Mario da Silva e Jonas Leite, este número reúne ensaios, material de espólio, entrevistas e textos de homenagem. Um número ainda na esteira das celebrações do centenário de publicação de dois livros de Teixeira, Decadência e Castelo de sombras. A edição é eletrônica e gratuita. Pode ser acessada aqui.
 
BAÚ DE LETRAS
 
E por falar nas reedições da obra de Rubem Fonseca ou os livros previstos para marcar o centenário do escritor, celebrado neste ano de 2025, publicamos nesta semana que hoje termina um texto enviado por João Victor Uzer que refaz os bastidores da censura ao livro de contos Feliz ano novo. Um dos títulos mais marcantes da obra de Fonseca inteira 50 anos da sua publicação agora, conforme foi marcado acima.

Neste 26 de abril de 2025 passam-se duas décadas da morte de Augusto Roa Bastos. Importante nome da literatura paraguaia, o autor de obras como Eu, o supremo, é recordado aqui, nesta espécie de perfil.  
 
DUAS PALAVRINHAS

Hoje estamos vivendo na colônia penal de Kafka. Mas, como a oferta de entretenimento, psicofármacos e estupefaciente é imensa, não nos damos conta disso. Estamos condenados a nos divertir sem parar, como o rei de Pascal. Às vezes me sinto como se estivesse preso num gigantesco parque de diversões, um zoológico humano.
 
— Rubem Fonseca, entrevista para a Folha de S. Paulo

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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidade das referidas casas.
 
 

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