“Adolescência”, um pesadelo em quatro capítulos

Por Ernesto Diezmartínez




 
Perto do final do segundo episódio de Adolescência (Reino Unido, 2025), uma minissérie em quatro partes disponível na Netflix, o atarefado policial Bascombe (Ashley Waters) deixa a escola onde estuda seu tímido filho Adam (Amari Bacchus) estuda. O detetive e sua mulher, a áspera policial Misha Frank (Faye Marsay), acabam de passar por um verdadeiro inferno: foram visitar a escola onde estava matriculada Katie, uma adolescente assassinada por Jamie Miller (o estreante Owen Cooper), um colega de classe de apenas 13 anos.
 
Ao longo dos 51 minutos deste segundo episódio de Adolescência, vimos como Bascombe e Frank se depararam com o muro do silêncio, da indiferença ou da agressividade dos colegas da vítima e do agressor. É claro que a maioria dessas crianças não se importa nem um pouco com o crime cometido há alguns dias no estacionamento de um shopping center, exceto pela oportunidade de se divertirem, serem engraçados e esgotarem a escassa paciência de seus professores exaustos, que lutam para controlar essa gangue caótica de fervilhantes hormônios juvenis.
 
Ao saírem da escola, Bascombe pergunta retoricamente a Frank: “Você acha que eles aprendem alguma coisa lá?” Obviamente que sim, embora não seja necessariamente o que eles deveriam aprender. Na verdade, o próprio Bascombe aprendeu tanto que entendeu um aspecto crucial do caso de Katie: não quem era o perpetrador, mas porque a infeliz garotinha foi assassinada. Além disso, o mistério foi resolvido pelo tímido filho de Bascombe, Adam, que pacientemente explicou ao pai o significado de cada emoji que Katie enviou para Jamie no Instagram. Assim, o que o policial acreditava ser uma história de amor adolescente que deu terrivelmente errado acaba se revelando, quando Adam revela o significado do “hieróglifo” do Instagram, algo muito mais sinistro, tanto por ser tão indecifrável quanto, ao mesmo tempo, tão banal, tão cotidiano. É por isso que na saída da escola o pai decide esperar o filho no estacionamento para conversarem e, inesperadamente, convidá-lo para almoçar juntos.
 
Esse momento hesitante de comunhão entre pai e filho termina quando a ágil câmera do diretor de fotografia Matthew Lewis se afasta desses dois personagens, atravessa o estacionamento, vira para ver alguns adolescentes atravessando a rua e, então, inusitadamente, sem cortes, sobe pelos ares de tal forma que o carro em que pai e filho viajam se apequena até desaparecer. O enquadramento torna-se o olhar distante de Deus movendo-se pelo ar, passando por casas e jardins, até chegar ao estacionamento do shopping onde Katie foi assassinada. Aí, a câmera se move lentamente para baixo para seguir um homem que acabou de sair do carro com um buquê de flores nas mãos. O homem, Eddie Miller (Stephen Graham), é o pai de Jamie, o assassino da garota. Enquanto a câmera enquadra seu rosto distorcido, Eddie se aproxima do local onde Katie foi esfaqueada para deixar algumas flores para ela.
 
Este é o melhor momento, tanto em forma quanto em substância, desta notável minissérie dirigida por Philip Barantini e criada pelo ator principal, Stephen Graham, em colaboração com o premiado e prolífico roteirista Jack Thorne. O coreográfico plano sequência  em que se desenrola cada um dos quatro episódios da Adolescência, justifica-se plenamente no desfecho já descrito do segundo capítulo. Depois de acompanhar a dupla de exaustos policiais pelo inferno adolescente que é a escola, depois de ouvir a revelação que Bascombe recebeu de seu filho, a câmera nos lembra, enquanto viajamos pelo ar até a cena do crime horrendo, do efeito trágico das causas que acabamos de descobrir.
 
Adolescência aborda o caso do assassinato de Katie em quatro momentos-chave: do dia em que Jamie é preso em casa (primeiro episódio) ao momento em que, um ano e meio depois, seu pai ainda devastado completa 50 anos, passando pelo segundo capítulo já descrito na escola e o impressionante terceiro episódio, quando Jamie é interrogado por uma jovem psicóloga (Erin Doherty), que tem a tarefa de relatar se o garoto magricela e de olhos arregalados tem consciência do crime que cometeu e, portanto, como ele deve ser julgado.
 
É verdade que o uso de tomadas longas nem sempre é justificado — não era necessário no terceiro episódio, que acontece quase inteiramente na sala onde Jamie conversa com a psicóloga —, mas também é verdade que isso nunca distrai o significado da história ou as interpretações impecáveis ​​de cada um dos atores. Que Graham domina a cena assim que aparece na tela não é novidade para quem acompanha a carreira deste incansável ator inglês, mas o mais impressionante é ver como o resto do elenco está na mesma altura, com ou sem Graham em destaque, como acontece no episódio dois, que se passa na escola, ou no episódio três, em que a profissional mas confrontada psicóloga de crianças, precisa lidar com um Jamie que passa da vulnerabilidade à violência em um segundo. Nesse sentido, a atuação do jovem Cooper em sua estreia como ator, aos 14 anos, é impressionante: ele não só se impõe — como personagem e como ator — frente a Doherty no terceiro capítulo, mas o mesmo acontece todas as vezes que ele aparece ao lado de Graham.
 
A outra razão pela qual os virtuosos planos sequência não distraem é o próprio significado da minissérie. Como observei antes, este não é um clássico mistério policial, pois sabemos desde o início quem é o culpado. A premissa é saber por que ele fez isso, de tal maneira que o roteiro escrito a quatro mãos por Graham e Thorne nos apresente o contexto social em que Jamie viveu, não pelos olhos do menino, mas pelos olhos de todos os adultos confusos que o cercam: os policiais que o prenderam, o pai e a mãe (Christine Tremarco) que o criaram, os exaustos professores que o educaram, a psicóloga que tenta entendê-lo.
 
A abordagem de Graham e Thorne é sombria. Há maneiras de entender por que assassinos como Jamie podem surgir — o clima de ressentimento masculino em que os jovens de hoje crescem, seu crescente conservadorismo alimentado pelas mídias sociais, a misoginia desenfreada tão popular no mundo machista online, o papel lamentável de influenciadores tóxicos como Andrew Tate — mas há alguma maneira de prevenir isso? Não sei: se seguirmos a moral básica desta minissérie, talvez a solução seja parar de pensar que nosso filho adolescente está seguro porque está trancado no quarto olhando o celular e, como faz o policial Bascombe no final do segundo episódio, tentar conversar com ele, perguntar como está, convidá-lo para comer comida chinesa e tirá-lo, mesmo que por um instante, desse mundo envenenado em que tantas crianças vivem conectadas. Adolescência, ou como a internet forjou em cada filho seu um incel


* Este texto é a tradução livre de “Adolescencia, una pesadilla en cuatro secuencias”, publicado aqui, em Letras Libres.

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