Raça, identidade, e sobretudo, Amor, em Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

Por Vinícius de Silva e Souza
 
Ifemelu, uma mulher comum, entra em um cabelereiro para trançar seus cabelos, em Princeton, Estados Unidos. Assim inicia-se uma jornada quase épica e profundamente moderna por 520 páginas, na edição comum da Companhia das Letras, onde Chimamanda Ngozi Adichie nos conduz com bastante idas e vindas pelos anos de formação da protagonista.
 
Sempre gosto de começar os anos lendo algum calhamaço (algo com mais de trezentas páginas), pensando que a folga do mês de janeiro me dará o fôlego necessário para devorar os longos romances que o restante do ano não me permite consumir. E em 2025, o escolhido foi o Best-Seller da escritora nigeriana, na minha prateleira aguardando sua vez de ser lido desde 2021. O romance foi traduzido no Brasil sete anos antes.
 
Logo entendi o porquê dessa obra ser aceita universalmente. Sua linguagem quase cinematográfica, sem muitos floreios, seduz, como um encantador de serpente; mesmo o leitor mais desavisado, quando percebe, já está no meio da segunda centena de páginas, envolvido com tudo que a narração em terceira pessoa, mas grudada à Ifemelu, nos diz.
 
Assim, da conversa com as funcionárias também estrangeiras no salão, partimos para a Nigéria, treze anos antes, quando Ifem, como muitas vezes será referida ao longo da narrativa, está na escola, se preparando para começar a faculdade. As constantes greves, a agitação e a incerteza políticas a levam rumo aos Estados Unidos, terra de fascínio de seu namorado da época, Obinze. Assim que chega ao novo país, explode o choque da garota e o mesmo do leitor ao acompanhar o quão hostil e persistentemente difícil pode ser a vida de um estrangeiro vivendo o sonho americano. O conselho que obtém é:
 
“Ifem, muita gente passa por isso, e eu sei que não tem sido fácil para você se adaptar a um país novo sem ter um emprego. Não falamos de coisas como depressão na Nigéria, mas isso existe. Você devia consultar alguém no centro médico. Pode fazer terapia.”


 
No entanto, é tal choque que proporciona a criação de um blog, a la Cara gente branca. O blog é responsável pela futura vida bem-sucedida de Ifem e ainda por algumas das melhores passagens do romance, em que a narrativa expõe, por vezes, de maneira direta demais, mas preenchidas de uma boa dose de acidez, todas as implicações raciais ainda vigentes nos Estados Unidos. Trabalhando e estudando, vivendo, a protagonista oferece ainda mais interessantes apontamentos.
 
Mas, por vezes a quebra da cena inicial, a no cabelereiro, com as lembranças do passado de Ifem, não funcionam, porque espaçadas demais. À medida que se desenvolvem as rememorações subitamente estamos de volta à mesma cena tantas páginas e momentos depois; não raro, sequer lembramos quem eram os personagens e o que ocorria à princípio.
 
Com os colegas da protagonista na faculdade e principalmente com um de seus namorados, Blaine, é que surge os melhores momentos da narrativa, principalmente quando entra em jogo a eleição de Barack Obama, episódio que ocupa uma boa parte da narrativa.
 
Também a relação de Ifem com seu primo, um nigeriano criado em Nova York, proporciona parte dos melhores momentos do romance devido aos apontamentos quanto à desigualdade social, às questões de raça e principalmente de identidade, uma vez que, mesmo africano, o pequeno foi completamente absorvido pela cultura norte-americana. É exatamente este o sentimento que ela carrega ao retornar, anos depois, à Nigéria: uma estrangeira em sua própria terra. Uma completamente formada americanah.
 
Mas é o amor, e sobretudo amor, o fio condutor deste romance magnânimo. O súbito primeiro capítulo totalmente centrado em Obinze deixa isso bastante claro, tanto tempo depois da protagonista ter rompido o relacionamento com este homem. E depois, mais um ou dois relacionamentos até alcançarmos o esperado encontro entre Ifem e Obinze já na terra natal, um episódio que perfaz o clímax evidente (e tradicional) do romance, a medida em que ambos se encontram, se acertam, se reconectam.
 
A odisseia de Ifemelu de volta à sua terra e ao seu amor conclui-se com maestria, provando um grande domínio da autora nigeriana e fazendo valer seu título de Best-Seller, passado uma década da sua primeira edição. Mesmo que por vezes simplista demais, carente de maiores requintes, e com uma tradução que peca por utilizar demais do pretérito mais que perfeito, temos aqui o que agora se denomina clássico contemporâneo, porque Americanah é capaz de suscitar prazer, reflexão e identificação na mesma medida.


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Americanah
Chimamanda Ngozi Adichie
Julia Romeu (Trad.)
Companhia das Letras, 2014
520p.

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