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Émile Zola. Arquivo Bettmann (Detalhe/ Reprodução) |
É provável que, quando muitos de
nós somos questionados sobre Émile Zola, só possamos mencionar seu papel como
fundador do naturalismo e sua prolífica produção romanesca, a maior parte
centrada na hipotética linhagem dos Rougon-Macquart que sintetiza a vida na
França durante o Segundo Império. O que muitos de nós desconhecemos é que Zola
também cultivou o conto com o mesmo nível de maestria de seus romances.
Entre os anos de 1875 e 1880, o
escritor francês colaborou com a revista russa
Véstnik Evropy (Mensageiro
da Europa); eram com o objetivo de mostrar da forma mais detalhada e didática
possível os personagens e cenários que caracterizavam a sociedade francesa da
época. Mas, é exatamente a partir desse período que o estilo dos contos de Zola
também conheceria uma clara evolução, marcando um distanciamento qualitativo em
relação aos contos anteriores e impregnando-se do estilo naturalista defendido
pelo autor.
Dessas publicações, destacam-se quatro
contos que também compartilham uma filiação temática comum em torno do amor passional,
e é por meio da exploração das nuances e situações às quais essas tramas de
cunho amoroso que Zola nos mostra tanto sua imensa e aguda capacidade de
observação do mundo em que vive, quanto seu domínio das técnicas narrativas
qualquer que seja a situação inicial apresentada na história: do amor entre
classes sociais díspares às sutilezas da vida conjugal, passando pela iniciação
amorosa de um jovem provinciano na capital e pelo drama sentimental no mais
puro estilo romântico.
Naïs Micoulin, nome da
protagonista que dá título ao primeiro conto, narra o amor de verão entre Frédéric
Rostand, um jovem cavalheiro de Aix en Provence, e a filha do agricultor
arrendatário da família, tendo como pano de fundo o acidentado L'Estaque e seus
penhascos. O ardor da estação e a paisagem selvagem personificam romanticamente
a tensão e a virulência tanto do amor entre Naïs e Frédéric, quanto a
animosidade de Micoulin, o patriarca despótico e autoritário, ao descobri-los.
A tensão causada pela incapacidade
dos amantes de resolver com sucesso seu romance, bem como pelos instintos
homicidas de Micoulin, cujas intenções de matar Frédéric são magistralmente
transmitidas por Zola por meio de detalhes antecipatórios e alusões veladas, é
sabiamente medida ao longo da trama. Também é admirável o esboço feito por Zola
da protagonista, impetuosa e visceral, cujo ódio pelo pai parece repercutir em
seu amor por Frédéric, e como a intensidade de seus sentimentos a torna muito
superior ao seu amante astuto que, exibindo a hipocrisia típica de sua classe,
logo perde o interesse pela exótica jovem, a quem ele considera mero
entretenimento de verão.
Como previsto desde o início da
narrativa, a história de amor está fadada ao fracasso e, seguindo os princípios
naturalistas de domínio das circunstâncias socioeconômicas, não são os
sentimentos mais puros que triunfam, mas o cinismo e a imobilidade social,
magnificamente expressos por Frédéric ao saber do casamento de Naïs com o
corcunda Toine, algum tempo depois de tê-la abandonado, e descrevendo a moça
como um “requintado pedaço”.
“Madame Neigeon” segue a estrutura
do Bildungsroman e narra em primeira pessoa as aventuras de Georges de
Vaugelade, um jovem nobre normando que se muda para Paris, onde logo descobrirá
como a paixão e os interesses políticos andam de mãos dadas na alta sociedade.
De uma perspectiva autodidata que não exclui o humor, Georges expõe seus casos
amorosos com Louise Neigeon, esposa de um importante ministro, a quem ele
acredita conquistar, ao mesmo tempo em que expressa sua surpresa com a aparente
liberalidade das mulheres parisienses, que parecem ter o hábito de trocar
favores políticos por casos amorosos.
Mas, nem tudo termina como o
esperado para o jovem Vaugelade e, embora obtenha sucesso político, Madame
Neigeon lhe dará uma lição sobre a leviandade geralmente atribuída às damas da
capital. Zola também desenvolve o enredo como um meio de nos mostrar a
atmosfera da nobreza parisiense, demonstrando mais uma vez sua perspicácia em
capturar aqueles detalhes que definem os ambientes e situações que ele tão
vividamente coloca diante de nossos olhos.
“Por uma noite de amor” baseia-se
numa suposta influência das
Memórias Giancarlo de Casanova e a estética
herdada do romantismo, para narrar o amor puro e idealizado que o desajeitado
Julien sente por Thérèse Marsanne, uma misteriosa senhora que vive em um
palácio próximo onde ele mora, e a quem Julien dedica longas serenatas de
flauta na esperança de que ela as ouça.
Mas Thérèse não se mostra a jovem
angelical que parecia, e no mais puro estilo
femme fatale ela usa Julien
para ajudá-la a se livrar do cadáver de seu amante Colombel, um homem maldoso que
maltrara continuamente a protagonista. O fim infeliz de Julien, que não
consegue suportar a culpa de ser cúmplice do assassinato, assim como a
atmosfera sombria e noturna do interior do palácio onde acontecem as principais
passagens e a atmosfera trágica, inscrevem esse conto nos limites do cânone
romântico.
Além disso, Zola intercala
momentos intensos de violência e erotismo, tanto nas cenas da ação presente
quanto no extenso
flashback da história do obscuro relacionamento entre
Thérèse e Colombel, fazendo com que amor e morte andem, como em tantas outras
ocasiões, de mãos dadas. Apesar de sua natureza diabólica, a mulher triunfa e
celebra seu casamento sem que ninguém consiga vislumbrar seu passado sombrio ou
sua verdadeira essência, em um novo triunfo de circunstâncias socioeconômicas
privilegiadas sobre a moral ou os sentimentos amorosos.
No entanto, é “Madame Sourdis”, dos
contos aqui referidos, o exemplo mais claro, do talento narrativo de Zola.
Nele, as dissertações artísticas e os meandros da vida conjugal caminham lado a
lado com maestria para nos mostrar o peculiar casal formado por Ferdinand
Sourdis, um jovem pintor promissor, e Adèle Morand, uma modesta aquarelista
que, após conseguir o casamento com Sourdis em troca de seu apoio econômico
para se mudar para Paris, demonstra uma força moral e pessoal muito superior à
do dissoluto marido, cujo talento se esvai em meio à inconstância e aos
excessos da vida boêmia.
Zola usa dos estilos pictóricos dos
dois personagens como um meio eficaz de retratar suas sutis nuances e como a
perícia técnica e o espírito prático e tenaz de Madame Sourdis acabam
prevalecendo, na tela e na vida real, sobre os lampejos cada vez mais raros de
genialidade de seu marido. A maneira nítida como captura até as menores nuances
do relacionamento do casal, baseado na ambição artística e nos interesses
econômicos, bem como em refletir o contraste entre as vidas dos artistas e da
burguesia no pacato vilarejo de Mercoeur frente à turbulência parisiense é
absoluta; não sobra ou falta uma única palavra nesta maravilhosa composição,
que tem também como pano de fundo o apoio do autor à
nouvelle art
desenvolvida naqueles anos por nomes como Cézanne, Manet, Pissarro, Renoir ou
Degas.
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