Nosferatu: um tributo à sombra junguiana

Por Diego García Paz



 
Desde a sua estreia, Nosferatu, de Robert Eggers, tem sido alvo de críticas majoritariamente favoráveis, não tanto pela história, já bastante conhecida (refletida no filme homônimo dirigido por Murnau em 1922 e posteriormente revisitado por Herzog em 1979), mas pela produção. De fato, sua fotografia se revela uma genuína obra de arte, que consegue, dentro de um propósito evidentemente perturbador, mover-se sempre no contexto da elegância visual. Este é um objetivo complicado, porque, depois de assistir ao filme, fica claro que seu diretor pretendeu transmitir ao espectador uma mensagem dupla, em forma e conteúdo: ao mesmo tempo preciosa e desagradável; ao mesmo tempo baseado na realidade e por momentos oníricos.
 
Um reflexo fiel disso é a própria ideia do antagonista, o Conde Orlok (interpretado por Bill Skarsgard), reflexo do Drácula de Bram Stoker, que, do meu ponto de vista, apresenta nesta obra cinematográfica a imagem perfeita do vampiro, tal como o personagem literário foi concebido, e ajustado ao estilo do diretor: fiel à descrição nascida das tradições de sua terra de origem e entrelaçada com um componente sobrenatural, além de diabólico. Neste filme encontramos Vlad Tepes, a figura histórica, mas como um morto-vivo, combinando majestade e repulsa. A primeira aparição do conde no castelo, vestido com seu chapéu e roupas nobres, ainda desgastadas por sua condição de morto-vivo, é impactante.
 
Quero focar no aspecto filosófico deste filme, no pano de fundo que o envolve através de uma exposição cinematográfica realizada por uma narração próxima do poético, criando um neoexpressionismo que homenageia o filme de 1922, mas adaptando-o ao presente. É importante destacar que a versão muda de Murnau utilizava essencialmente o recurso da sombra e da dupla cor (dada a impossibilidade de utilizar melhores meios técnicos) para captar o terror, e naquela época o medo estava intimamente associado às consequências trágicas da Primeira Guerra Mundial e, sobretudo, à incerteza do que aconteceria nos anos seguintes ao conflito. Por isso, este primeiro Nosferatu encarna na figura do vampiro, efetivamente, um terror atávico, ancestral, mas intimamente ligado às circunstâncias de sua época.
 
Com esse importante precedente, o atual Nosferatu é, na verdade, um canto à parte mais oculta e obscura do ser humano. Apresenta também um terror primitivo, mas de um tipo diferente, mais individualista (algo muito típico dos nossos tempos vigentes), embora a partir deste ponto de partida também se possa chegar a uma conclusão de tipo social. O filme nos mostra uma descrição do que somos, uma combinação de luz e escuridão, e nós mesmos somos responsáveis, porque é nossa natureza, pelo melhor e pelo pior. Não nos é mostrado apenas a bela face, mas também o reflexo monstruoso que carregamos dentro de nós, algo que às vezes não pode ser contido e assume uma dimensão própria.
 
A protagonista, Ellen Hutter (interpretada por Lily-Rose Deep) mantém um vínculo inquebrável com o Conde Orlok, além do tempo e do espaço, criado por ela mesma quando invocou essa criatura das trevas em um momento de fraqueza anterior aos acontecimentos da narrativa fílmica e, como consequência desse pacto, o ser diabólico vem procurá-la, em um chamado que ela mesma faz e é atendido pelo conde, que em seu rastro, traz a peste e a morte.
 
A dualidade a que me referi anteriormente entre beleza e terror, entre poesia e repulsa, está presente na relação entre protagonista e antagonista do filme. Não é à toa que ambos são, na verdade, dois lados da mesma moeda. Qualquer ser humano, não importa quão gentil e puro diga ser, não é imune a momentos baixos e dolorosos, de raiva, ódio ou tristeza. Não esqueçamos que Orlok é, na verdade, uma criação de Ellen, a personificação do seu próprio lado obscuro, também com um forte componente erótico. Há uma atração inegável entre eles, para todos os efeitos, embora a atração sexual seja apenas superficial. A conexão é ainda mais íntima, pois, do meu ponto de vista, os dois são o mesmo ser.
 
Assim, num dos diálogos que o vampiro e a protagonista mantêm em determinado momento do filme, o primeiro expressa, evidenciando essa mensagem, que o fato de ela o receber voluntariamente e eles se tornarem um “está em sua natureza”.
 
Este filme reflete com maestria a ambivalência da condição humana e adota quase inteiramente as ideias do psiquiatra suíço Carl Jung. Cada um de nós possui um lado obscuro, que é parte nossa e que às vezes ganha destaque, principalmente nos momentos de fraqueza, quando não temos forças para contê-lo. Quando esse lado escuro transcende a pessoa, em nível individual, e é desencadeada em nível social, surge o “arquétipo”, ou seja, aquela figura que reúne, ou mesmo personifica, o que a sombra de cada indivíduo tem em comum. A imagem da mão alongada de Orlok estendendo-se sobre a cidade é a personificação cinematográfica da sombra junguiana, com Orlok sendo um verdadeiro arquétipo do mal, já que ele não existe por si mesmo, mas é o fruto perverso da nossa própria identidade, da nossa pior parte.
 
A cena final do filme é uma pura metáfora da dualidade humana, da nossa batalha constante entre a luz e a sombra que carregamos conosco. Orlok deita-se com Ellen, e o faz por vontade dela, porque ambos se sentem atraídos um pelo outro e são, na verdade, um só: o sangue de Ellen acaba dentro de Orlok, mas será a luz, personificada na donzela, que acabará com o monstro, com seu mesmo lado sombrio, num ato luminoso de amor, mas destrutivo para o vampiro, que, numa demonstração final de certa humanidade, chora lágrimas de sangue.
 
Ellen morre, mas com ela desaparece seu próprio mal, alcançando a vitória em sua batalha pessoal e salvando assim, com o amanhecer, toda a cidade da peste, em uma mensagem muito clara: uma sociedade só pode avançar como um todo se cada um de seus integrantes, a nível pessoal, entender que deve travar uma batalha com seus instintos e desejos mais baixos, com seus próprios males, e a partir daí, transcender sua sombra, eliminando os arquétipos do mal que podem acabar tendo o destino de todos em suas mãos de forma fatal, porque a própria sociedade os criou e lhes deu o poder de decidir por eles.
 
À luz destas considerações, as seguintes palavras do psiquiatra suíço assumem um significado especial: “Não é possível despertar a consciência sem dor. As pessoas são capazes de fazer qualquer coisa, não importa quão absurdo pareça, para evitar enfrentar sua própria alma. Ninguém se ilumina imaginando figuras de luz, mas sim tornando a escuridão consciente.” 


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* Este texto é a tradução livre de “Nosferatu: un tributo a la sombra junguiana”, publicado aqui, em Jot Down.

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