Escritores em viagem: 18 livros

Por Pedro Fernandes
 
Volta e meia aparece no Letras alguma lista de livros ou algum texto cujo tema é, talvez o mais antigo motivo da literatura, a viagem. No final destas novas recomendações, mais recomendações nessa interface, o leitor encontrará os caminhos que atestam a constatação levantada.
 
A recorrência dessa presença se deve à vasta biblioteca possível de organizar, inclusive, com seções variadas, transitando entre o ponto do relato historiográfico, memorialístico ao relato ficcional, não excluindo as estantes dedicadas à poesia com sua escala de variações, da geografia dos afetos à invocação quase turística, de lugares visitados física ou imaginariamente.
 
Bom, alguém já disse que um escritor munido de um objeto de anotação é sempre capaz de transformar qualquer experiência em matéria de escrita; ao viajar, por exemplo, pode sempre se estabelecer um próximo livro centrado no interesse pela viagem. E foi isso o que fizeram os autores dos livros listados aqui. Qual será a sua próxima viagem? Nos casos possíveis, cada recomendação é acompanhada de um caminho para a aquisição do livro.

Memórias de viagem, Gino Severini.


 
1. Viagem à Itália, Goethe. Do autor do Fausto e Os sofrimentos do jovem Werther, é possível construir uma lista própria com livros centrados no relato de viagem e, por isso mesmo, não conseguimos evitar sua presença duplicada por aqui. Nesta primeira indicação, é o registro em prosa colhido nos seus périplos pelas terras de Dante entre setembro de 1786 e abril de 1788; suas anotações de dicção variada reúnem interesses que vão desde as observações alcançadas no calor da hora ao convívio com os relatos de outros viajantes que se sentiram tocados pelos lugares que frequentou, como Karl Philipp Moritz, um dos seus companheiros de viagem e autor de um livro do gênero também já traduzido entre nós — Viagem de um alemão à Itália. Pegue o livro aqui.

2. Viagem com um burro pelas Cevenas, de Robert Louis Stevenson. No rol dos diferentões, este é um diário em que o escritor escocês registra seus doze dias de uma viagem pela cadeia montanhosa no sul da França acompanhado de uma burra e um saco de dormir. O percurso iniciado no vilarejo de Le Monastier e terminado na cidade Alais se passou entre 22 de setembro e 3 de outubro de 1878. A pitoresca história dos vilarejos, onde recompõe sua história, dorme, alimenta-se, ao lado da teimosa Modestine — talvez a verdadeira protagonista da viagem —é desses livros singelos feitos da leveza do bom humor. Pegue o livro aqui.
 
3. Marca d’água, de Joseph Brodsky. Ainda sem sair da Itália — é difícil, sabemos — e ainda pela mão de outro poeta e ensaísta dos bons, alcançamos Veneza. Este é um livro que, envolvido pelo contraste entre a solidez e a liquidez da cidade, refaz a algaravia da sua geografia revisitada pelo viajante durante dezessete invernos nos quais pôde meditar e reproduzir verbalmente os múltiplos sentidos derivados da topografia veneziana singular, como se buscasse nela uma radiografia da alma da cidade, mas também interessado em pensar alguns desses aspectos mais simbólicas que o olho de um poeta está sempre à captura a partir de, nesse caso, um urbano sui generis. Pegue o livro aqui.
 
4. Cenas londrinas, de Virginia Woolf. O sedentarismo da escritora inglesa foi combatido com uma imaginação devota ao interesse pela viagem. Seu primeiro romance, publicado em 1915, intitula-se A viagem e é uma narrativa que começa no porto londrino com um casal embarcando para a América do Sul; depois, em um dos seus mais famosos livros do gênero, Orlando, seu protagonista, se encontra em viagem na Turquia, quando acorda num corpo feminino. Tamanha recorrência, encontrada ainda nos registros de viagem deixados nos diários e em cartas, serviu aos estudiosos na organização de antologias como Travels with Virginia Woolf, de Jan Morris ou De viaje, de Patricia Díaz. Bom, mas no livro aqui listado o périplo é pela cidade natal da escritora: as docas, o comércio ambulante da Oxford Street, as catedrais de St. Paul e de Westminster, a casa de Keats entre outros oferecem ainda uma imagem da cidade nos anos 1930, período em que as seis crônicas reunidas nesta edição foram escritas. Pegue o livro aqui.
 
5. Guia de Ouro Preto, de Manuel Bandeira. O inventor de Pasárgada, até se fixar no Rio de Janeiro, correu várias cidades brasileiras em busca de melhores ares para se cuidar de uma tuberculose; nessas andanças chegou mesmo a deixar o Brasil, morando por um ano num sanatório em Clavadel, na Suíça. Mas, não foram esses os périplos que o guiaram para a composição de um livro de viagem. Alguns anos mais tarde, o poeta esteve em Minas Gerais, passando por Belo Horizonte, Congonhas, São João del Rei, Mariana, reavivando o rastro dos primeiros desbravadores modernistas. O livro publicado em 1938 pelo então Ministério da Educação e Saúde com ilustrações de Luís Jardim e Joanita Blank foi resultado de uma encomenda levantada por Rodrigo Mello Franco de Andrade, diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, oferta que deve ter partido em consideração ao que o autor escrevera em crônicas a partir da viagem de entre fevereiro e março de 1928. O olhar singular de Bandeira ressalta as tradições e as preciosidades artísticas de um dos maiores patrimônios culturais. Pegue o livro aqui.
 
6. Viagem Atlântica, de Ernst Jünger. O homem bélico chegou à costa brasileira a bordo do paquete Monte Rosa e peregrinou pelo nosso país porto a porto, enquanto coletava informações minuciosas acerca de geografia, flora, fauna e curiosidades de ordem social. O resultado é um olhar para o Brasil de 1936 que aponta não apenas o encantamento do escritor em relação ao país e sua descoberta como um retrato articulado por multiperspectivas. Um movimento que o leitor encontrará impresso no relato de outros escritores estrangeiros que nos visitaram: Albert Camus, por exemplo, em Diário de viagem, registra o país a partir de vários aspectos da vida brasileira e do convívio com os nossos intelectuais, Aníbal Machado, Augusto Frederico Schmidt, Mário Pedrosa, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Oswald de Andrade, entre outros. Pegue o livro aqui.
 
7. Pequena viagem ao Brasil, de Stefan Zweig. Ainda nesse mesmo rol de olhares estrangeiros para o nosso país, vale acrescentar outro ponto de vista singular. O escritor austríaco se fixaria no Brasil em 1941 escapando dos horrores do nazismo que cobriam a Europa e já aqui escreveria Brasil, o país do futuro, um livro que, inclusive, revisita suas impressões primeiras, formadas em 1936, quando aportou no Rio de Janeiro de uma viagem que fazia rumo a Buenos Aires para um congresso. “O Rio de Janeiro, por sua vez, não se agiganta diante da pessoa — ele se estende com braços macios, femininos, ele recebe, puxa para si, entrega-se ao olhar com uma certa volúpia”, observa em relação à chegada a outras cidades da América, como Nova York. O primeiro impacto da estadia de 21 de agosto a 4 de setembro está no conjunto de textos reunidos a partir das nove publicações feitas por Zweig no jornal Pester Lloyd. O começo de uma relação que findou tragicamente, como conhecemos. Pegue o livro aqui.
 
8. Manet no Rio, de Édouard Manet. As grandes expedições de artistas europeus que chegaram ao Brasil no período colonial para capturar uma parte perdida do Novo Mundo também resultaram em livros de viagem feitos de material não verbal. Este não foi o caso do jovem pintor francês quando esteve no Rio de Janeiro entre 1848 e 1849 a bordo do Havre et Guadeloupe porque na época seu sonho era se tornar um marinheiro. Já desenhava, é claro, mas o interesse estava noutra parte. A estadia por aqui rendeu um lote de cartas enviadas à família em que registra de maneira curiosa este recanto do mundo; é um jovem ao sabor dos seus humores e tanto demonstra encanto quanto desprezo pelas terras “da natureza mais bela do mundo”.  Pegue o livro aqui.
 
9. Viagem, de Graciliano Ramos. O escritor se filiou ao Partido Comunista do Brasil a convite de Luís Carlos Prestes, em 1945. Sete anos depois, metido em dificuldades para conciliar sua posição individual, devotada ao literário — que é, como sabemos fora de qualquer redoma ideológica —, e os ideais do partido, aceita o convite dos militantes do partido para uma viagem pela Tchecoslováquia e a União Soviética. Para converter Tomé, melhor fazê-lo ver para crer, talvez pensassem. É evidente que, além da conversão definitiva, os partidários esperavam que a caneta de Graciliano pudesse servir para engrossar o discurso propagandístico que levou muitos outros escritores a essa prática. Entre os brasileiros, é possível logo referir o caso de O mundo da paz, de Jorge Amado, resultado do mesmo itinerário do viajante alagoano mas com o discurso alinhado aos daqueles que o esperavam. Não deu. O relato de Graciliano é puramente centrado nas experiências do viajante em terras estrangeiras. Pegue o livro aqui.
 
10. Viagem à Rússia, de Joseph Roth. O contexto da viagem aqui relatada é um pouco parecido com o do nosso autor de Vidas secas: o Frankfurter Zeitung propôs ao escritor austríaco amigo de Stefan Zweig uma viagem ao país que atravessava os anos de entusiasmo pela revolução. Roth também atravessava certo ceticismo em relação às notícias que chegavam do país vermelho viu na viagem uma oportunidade de conduzir sua prova dos noves e o resultado foi um relato que, também à maneira do Velho Graça, passou ao lado de reforçar o ponto de vista dominante. Ao passo que examina a vida do povo russo, executa também uma redescoberta de si, como é sempre em toda viagem. Pegue o livro aqui.
 
11. Israel em abril, de Erico Verissimo. O autor do célebre O tempo e o vento, um dos livros que formam a seleta lista de obras-primas da literatura brasileira, escreveu quatro livros de viagem: dois deles dedicados aos Estados Unidos, Gato preto em campo de neve e A volta do gato preto; e um sobre o México com título que repete o nome do país em interesse. Em todos eles, o escritor assume o estilo do diário de bordo enriquecido com outros materiais que recolhem informações locais e históricas acerca do lugar visitado. Da viagem que realiza a Israel, seu interesse se volta para descobrir as matrizes da então terra prometida; isto é, quando os sentidos, mesmo os mais lúcidos, talvez não previssem o destino dos tempos vigentes. O modo vida nas cidades, vilarejos, kibutzim; o encontro com personalidades; as universidades, os museus… De toda maneira, as interrogações talvez apontem o melhor porque colocam em xeque se o destino não estava mesmo escondido no que viu e descreveu, afinal, o que seria sua pergunta acerca da morte de uma civilização? Pegue o livro aqui.
 
12. Breviário do Brasil, de Agustina Bessa-Luís. A escritora portuguesa descrita pelo conterrâneo Pedro Mexia como “uma burguesa do Porto, cultíssima, atentíssima, sábia, irónica, maliciosa, sentenciosa, implacável, genial”, terminou de escrever o material que resultou neste que, segundo o mesmo autor “põe em confronto a experiência do Brasil e a imagem do Brasil, com teses surpreendentes, impertinentes e afectuosas”, em junho de 1989. Era um diário sem datas conduzido durante uma longa viagem feita ao Brasil entre março e abril desse ano custeada pelo Centro Nacional de Cultura no âmbito de um projeto intitulado Os portugueses ao encontro da sua história. O livro foi um retorno da escritora ao interesse de falar de um país onde viveram o pai e o tio.
 
13. Passaporte para a China, de Lygia Fagundes Telles. Ao longo dos anos 1960, a escritora publicou na imprensa várias crônicas de viagem propiciadas numa viagem que fez à China como uma das escolhidas da delegação brasileira enviada àquele país por ocasião da festa do 11º aniversário do socialismo chinês. Quando subiu no avião, contornando o pânico por voos do tipo a jato, quando eles estavam em alta, Lygia Fagundes Telles levava na bagagem um acordo feito com o jornal Última hora de enviar relatos da viagem. O compromisso resultou em 29 crônicas que, do olhar curioso, irônico e delicado, perscruta paisagens, monumentos, roupas, costumes, detalhes do cotidiano, além das necessárias evocações literárias, recordações diversas e reflexões acerca do país deixado do outro lado do mundo. Lygia refaz o generoso fio de cronistas brasileiros que disseram dos lugares por onde passaram: Adolfo Caminha e suas impressões e experiências na visita aos Estados Unidos do fim de 1800; João do Rio e suas crônicas da viagem a Buenos Aires; Cecília Meireles e suas crônicas com impressões de Argentina, França, Holanda, Índia, Israel, Itália, Uruguai… Pegue o livro aqui.
 
14. Cadernos da viagem a China, de Roland Barthes. Não apenas os escritores de literatura registraram em livro seus périplos pelo mundo. Ou pintores como Manet. O mais inventivo dos críticos também. E Barthes pisou os rastros de Lygia Fagundes Telles em 1974. Este na potência oriental do século XXI durante três semanas para uma viagem guiada por fábricas, pontos turísticos, teatros e restaurantes. O resultado é o de um observador distanciado, mas atento aos detalhes, às cores, ao cotidiano. Com as coisas capturadas pelos sentidos, afloram reflexões, meditações e, como não faltaria, o tratamento crítico do mundo descortinado pelos seus sentidos de ocidental. Pegue o livro aqui.
 
15. O turista aprendiz, de Mário de Andrade. Tão necessário quanto conhecer o de fora pelo ponto de vista dos de casa, ou o de casa pelo ponto de vista de fora, é conhecer o de casa pelos seus próprios habitantes. Um marco, nesse sentido, é este livro do nosso principal nome do modernismo brasileiro. Mário foi um dos nossos raros com sede de Brasil, a única geografia que percorreu em boa parte. Nessas viagens, ele aproveitou e produziu registros variados, como os capturados pela fotografia. O livro aqui listado é parte do percurso que fez entre maio e agosto de 1927 como parte de uma comitiva financiada por Olívia Guedes Penteado; o filho da Pauliceia foi até o Peru e a Bolívia e registrou, interessado na diversidade cultural, tudo que a pena foi capaz de alcançar. Nesse o caso, o melhor: a belíssima edição preparada pelo IPHAN em 2015 com organização de Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueredo e Leandro Raniero Fernandes está disponível gratuitamente online no portal da instituição. 
 
16. Atlas, de Jorge Luis Borges. O escritor argentino percorreu metade do mundo. Os percursos desenvolvidos ao lado de María Kodama, sua mulher e secretária, deram origem a este singelo catálogo em que cada país visitado é mimetizado numa paisagem ou elemento da natureza. Os olhos de Borges são as lentes da imaginação proveniente da grande biblioteca que marcou sua formação de ávido leitor e este saber importantíssimo para sua obra literária também se imiscui por entre os relatos do viajante. Este foi o último livro publicado por ele; Kodama interveio com os registros fotográficos que expandem o material verbal. Pegue o livro aqui
 
17. Índia, de V. S. Naipaul. Este é para quem mesmo lendo um relato de viagem não quer se afastar do timbre do romance. Uma vez na Índia, o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 2001, olha o país pela chave do díspar: a miséria das zonas marginalizadas e o progresso do grande centro de Bombaim; as marcas da colonização e a reinvenção cultural do país; a erudição dos antigos marajás e a irracionalidade na secessão do Paquistão; o passado e o futuro.
 
18. Divã ocidente-oriental, de Goethe. Começamos e findamos com ele, porque este livro parece ser o zênite dos interesses de viagem do escritor e porque de todos os livros nesta lista, é um dos mais originais no rol do interesse aqui demarcado. Ao entrar em contato com o ciclo de poemas de Hafez datado do século XV, o escritor alemão se sentiu logo arrebatado com o que leu e se aventurou literariamente rumo ao Oriente. Quer dizer, o relato dessa imersão registrado neste livro é o do viajante pelo mundo à volta do seu próprio quarto, a viagem oferecida pelo registro da palavra. E Goethe não o concretiza de maneira comum; mais de uma centena de poemas reunidos em uma dúzia de livros temáticos descortinam ou reinventam um Oriente pela celebração ao amor, à guerra, à sabedoria popular, à própria poesia, às variedades religiosas. Pegue o livro aqui.


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