Escritoras à sombra
Por Agata Sala
Nunca perdem a oportunidade de
dizer que as mulheres devem largar as canetas e remendar as meias dos maridos.
— Rosalía de Castro, em “As
literatas, carta a Eduarda”
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Gabriel Metsu, Elegant Lady Writing at Her Desk (detalhe) |
Ser mulher nunca foi uma tarefa
fácil. E ser mulher e escritora, ainda pior. Houve um tempo em que elas não
escreviam nem liam. A literatura era um campo reservado exclusivamente aos
homens; às mulheres era esperado apenas que tivessem filhos, cuidassem das
tarefas domésticas, mas nunca se dedicassem ao trabalho intelectual.
Entretanto, apesar dos impedimentos em um mundo que não tinham direitos, algumas
escritoras desafiaram as convenções e conseguiram encontrar maneiras de
publicar seus escritos. Esconder-se sob um pseudônimo masculino, assinar anonimamente
e escrever em segredo foram alguma das estratégias utilizadas por muitas mulheres
antes de fazer com que suas vozes fossem ouvidas em público e, mais tarde, uma
maneira de evitar que os seus livros fossem considerados inferiores
simplesmente por terem sido escritos por uma mulher. Foram verdadeiras
revolucionárias, pioneiras e hoje são consideradas entre os grandes da
literatura. Arthur Rimbaud certa vez alertou: “Quando a servidão absoluta da
mulher acabar, quando ela viver para si e por si mesma, quando o homem a
libertar, ela será poeta. Ela também!”
Condenadas à clandestinidade, o
anonimato foi a primeira estratégia empregada pelas mulheres para mostrar sua
verdadeira vocação literária. Jane Austen foi um bom exemplo disso; Razão e sensibilidade
(1811) e Orgulho e preconceito (1813) chegaram às editoras como
manuscritos anônimos. Foi somente após sua morte que o verdadeiro nome da
autora pôde aparecer associado aos seus livros. Persuasão (1817),
publicado postumamente, foi o primeiro romance a ser publicado com o nome da
escritora que teve carreira interrompida devido a uma doença que a levou ao
túmulo com apenas quarenta e dois anos de idade.
Suas obras caíram no esquecimento
até o nome Jane Austen ser reivindicado por Virginia Woolf no agora célebre Um
teto todo seu (1929); no ensaio, a conterrânea destaca a originalidade de
seus romances e uma maneira muito pessoal e inteligente de narrar. Austen, no
entanto, nunca pôde usufruir de um teto todo seu e precisou se limitar a
escrever na sala de estar de sua casa, escondendo os textos entre os apetrechos
da cesta de costura toda vez quando alguém se aproximava. No entanto, ela teve
a sorte de poder ler o que queria, graças à grande biblioteca do pai, que não a
privou de acessá-la e apesar dos tempos vigentes intermediou a filha e uma
editora ciente de seu talento literário.
E se Jane Austen precisou optar
pelo anonimato, as irmãs Brontë decidiram assinar suas obras com um pseudônimo
masculino e tentarem galgar algum espaço naquele mundo tão adverso. Filhas de
um clérigo protestante, Charlotte, Emily e Anne escaparam da rigidez da
Inglaterra vitoriana que as condenava apenas ao casamento ou, na falta disso, a
dedicarem seu tempo ao ensino. Mas as Brontë foram diferentes. Liam Byron,
Walter Scott e qualquer outro autor que caísse em suas mãos. E escreviam incansavelmente
desde muito jovens. Nada do que se esperava das filhas de um pastor.
Imersas em uma situação econômica
e familiar complicada, as irmãs decidiram em 1846 tentar publicar uma seleção
de poemas e as assinaram como Currer, Ellis e Acton Bell, três supostos irmãos
atrás dos quais as Brontë se escondiam. Embora tenham vendido apenas um
exemplar, Charlotte encorajou as irmãs a continuarem tentando a sorte na
literatura e elas transformaram a casa da família em Haworth em refúgio
literário, escondendo-se do próprio irmão, dos vizinhos ou qualquer um que as
impedissem da escrita.
Como resultado desse trabalho
intenso, Charlotte publica Jane Eyre, Emily mostra seu talento literário
em O morro dos ventos uivantes e Anne, a mais nova das três, lança Agnes
Grey — os três livros publicados em 1847. As três usaram os mesmos
pseudônimos novamente, mas, apesar disso, receberam inúmeras críticas e
reprovações morais por mostrarem mulheres diferentes das aceitas socialmente,
rebeldes. Foi Charlotte quem, após a morte dos irmãos, decidiu tirar a máscara
e revelar os verdadeiros irmãos Bell, podendo aproveitar algum sucesso e
reconhecimento de suas obras ainda em vida.
O uso pseudônimo foi um recurso mais
recorrente. Aurore Dupin, Caterina Albert e Karen Blixen são outras autoras que
escolheram o disfarce da assinatura masculina; foi a maneira que elas
encontraram de abrir seu caminho, se expressarem no mundo literário, contornando
os preconceitos de suas épocas e a falta de apoio mesmo daqueles mais próximos.
A primeira das três Graças foi uma
escritora marcada pelo escândalo, uma verdadeira maldita, que escolheu George
Sand como seu nome de guerra. Desde muito jovem, decidiu se vestir como um
homem, não porque se sentisse um, mas porque achava as roupas mais confortáveis
e lhe permitiam circular
livremente pelas ruas de Paris. Fumava em público e
dizia tudo o que pensava, sem hesitação e sem se
importar com as críticas aos seus modos. Estávamos em
meados do século XIX. Em 1832, publicou seu primeiro romance, Indiana,
com o qual estreou o pseudônimo que a acompanharia para sempre. Após seus
relacionamentos tempestuosos com homens como Alfred de Musset e Frédéric Chopin
e uma vida agitada — Balzac a apelidou de “Leoa de Berry” — decidiu se refugiar
em Nohant, onde escreveu a autobiografia História da minha vida
(1856), o romance Ela e Ele (1859) e organizou os vinte e cinco volumes
da sua Correspondência, bem como o Diário íntimo, publicado anos depois
de sua morte, em 1926.
Se Aurore Dupin escolheu ser
George Sand, a catalã Caterina Albert optou por se assumir Virgili Alacseal a
princípio e escolher depois e definitivamente o pseudônimo de Víctor Català. O
monólogo teatral Infanticida lhe rendeu os Jocs Florals de Olot em 1898,
mas após a polêmica levantada após a descoberta de que era obra de uma mulher, ela
decidiu preservar sua verdadeira identidade e a partir de então assinar suas
obras como Víctor Català.
A aristocrata dinamarquesa Karen
Blixen, mais conhecida por seu inesquecível A fazenda africana (1937),
também teve dificuldades para ser publicada e se dedicar à escrita por ser
mulher. Por anos assinou suas obras como Isak Dinesen, embora tenha começado a usar
o pseudônimo de Osceola em vários contos publicados em revistas no seu país.
Foi somente com a publicação de sua primeira obra, Sete narrativas góticas
(1934), após sua estadia de dezessete anos em uma fazenda no Quênia, que ela se
tornou Isak Dinesen, apesar da sua identidade já bem conhecida. Esse nome
também acompanhou seu famoso relato nostálgico de sua vida à frente de uma
plantação de café africana. No entanto, seu único romance, The Angelic
Avengers (1944), foi publicado com o pseudônimo de Pierre Andrézel.
Mas o anonimato ou se esconder
atrás de um nome masculino não foi suficiente em alguns casos, e escritoras
como a francesa Colette foram obrigadas a aceitar que os maridos aparecessem como
os autores das obras que elas escreveram. Uma usurpação descarada que Rosalía
de Castro denunciou abertamente em “As literatas, carta a Eduarda”: “Os homens
olham para as escritoras pior do que olhariam para o diabo... Só alguém com
verdadeiro talento poderia, estimando-te pelo que vales, desprezar preocupações
tolas e até equivocadas, mas... ai de ti então! Nada que escreves é teu… Chegou
ao fim o embuste, teu marido é quem escreve e
tu é quem assinas.”
No caso de Colette, o marido, um
jornalista de certa reputação, a encorajou a se dedicar ao ofício da escrita e
uma vez bem-sucedida, na famosa série de romances Claudine, ele não hesitou
colocar seu nome sem qualquer remorso. De dinheiro, o falso autor repassava alguma
coisa em dinheiro e chegou a presenteá-la com uma casa de campo, o que para
Colette eram insuficientes. Ela decidiu se divorciar e anunciar, aos quatro
ventos, a verdadeira autoria das obras. O inolvidável despertar da escritora
conseguiu seduzir inúmeros leitores sobretudo com suas histórias ligadas ao
universo feminino, dedicadas às relações amorosas e ao desejo sexual.
Diferente de todas essas autoras,
que de uma forma ou de outra esconderam sua identidade para poder publicar, a
poeta estadunidense Emily Dickinson escreveu mais do que qualquer uma — quase
mil e oitocentos poemas —, mas nunca permitiu que ninguém lesse seus textos. Era
consciente que para publicar deveria mudar alguns aspectos de sua obra; sem
quer se submeter a isso, preferiu escrever por e para si mesma.
Sua vida, apesar de pertencer a
uma classe abastada, não foi fácil. A morte de duas pessoas muito próximas, um
amigo da família com quem mantinha um forte vínculo intelectual e um pastor
felizmente casado por quem ela se sentia atraída, a destruíram completamente e
seu único refúgio foi a poesia. Doente desde muito jovem, se trancou na casa do
pai durante anos, saindo apenas para ir à missa ou passear com o cachorro. “Trabalho
na minha prisão e sou hóspede mim mesma” disse em uma carta ao editor e
jornalista Thomas W. Higginson.
Após sua morte em 1886, a irmã de
Emily trouxe à tona a grandeza de sua obra, cheia de simbolismo e de um mundo
interior às vezes difícil de entender. Dickinson foi uma transgressora em seu desafiador
uso da linguagem, na mistura de gêneros literários e insólita pontuação, tão
característicos de seus poemas, e se recusou a publicar em um mundo que nunca a
entenderia.
Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém — Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!
Que triste — ser — Alguém!
Que pública — a Fama —
Dizer seu nome — como a Rã —
Para as palmas da Lama!¹
Notas da tradução
1 Tradução de Augusto de Campos em
Não sou ninguém: poemas (Editora da Unicamp, 2008).
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