Postagens

Mostrando postagens de março, 2025

Exposição Quasi-Corpos

Imagem
Por Eduardo Galeno Lygia Clark. Máscara abismo, 1967. Portal LC (Reprodução) Gullar referenciou o movimento contemporâneo nos rastos da conceituação de quasi-corpo . A pergunta é: o que vem a ser?   Fenomenologicamente, isso se situa na representação da representação, naquilo que é formado no seio da sua aparição concreta como fuga. A obra aparece, no mínimo, “despedaçada”. O hiato entre arte e vida fica cada vez menor e daí parte para ser hierarquizado intencionalmente no solo da vertigem obscura, alinhado de modo negativo um ao lado do outro.   Pensemos no brilhante ensaio de Rosalind Krauss, “A escultura no campo ampliado” (1979), e ressaltemos o ponto central do que seria um quasi-corpo na primeira frase do texto: “o único sinal que indica a presença da obra é uma suave colina, uma inchação na terra em direção ao centro do terreno”. A sinalização de Perimeters/ Pavillions/ Decoys (Mary Miss, 1978) vaza blocos de similitude, mas eles são serializados na amplidão semióti...

Cinco poemas de Robert Penn Warren

Imagem
Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões) Robert Penn Warren. Foto: Joel Katz     (VII) CONTA-ME UMA HISTÓRIA ( Audubon: A Vision , 1969)   [A] Há muito, no Kentucky, eu, um rapaz Junto duma estrada de terra batida, ouvi, no crepúsculo, O grito dos gansos selvagens rumando ao norte.   Não os conseguia ver, não havia lua no céu E as estrelas eram escassas. Escutava-os.   Não sabia o que se estava a passar dentro do meu coração.   Era a época antes do sabugueiro florir, E eles voavam para norte.   O som passava por mim rumo ao norte.   [B] Conta-me uma história.   Neste século, e momento, de loucura, Conta-me uma história.   Que seja uma narrativa de grandes distâncias, de luz estelar.   O nome da história será Tempo, Mas não deverás pronunciar o seu nome.   Conta-me uma história de encantar.     UM FALCÃO À TARDINHA ( Can I See Arcturus From Where I Stand? , 1975)   De plano em plano de luz, as asas mergulhand...

Boletim Letras 360º #632

Imagem
DO EDITOR   Olá, leitores! Ainda estamos à procura de apoiadores para o Letras que queiram concorrer a um exemplar de Morte em pleno verão , de Yukio Mishima. Aproveite o lembrete e se inscreva para o sorteio. Saiba todos os detalhes de como participar, por aqui . Um excelente final de semana para vocês! Elfriede Jelinek. Foto: Sophie Bassouls LANÇAMENTOS Primeira seleção de peças da autora austríaca, cuja obra, apesar do prêmio Nobel de Literatura de 2004, continua pouquíssimo conhecida .   Elfriede Jelinek: do texto impotente ao teatro impossível  traz para o leitor brasileiro um recorte representativo do seu estilo. As seis peças até agora inéditas por aqui foram selecionadas, traduzidas e apresentadas por Artur Sartori Kon. São elas: “Doença ou mulheres modernas”, “Faust(a) (não tá): drama secundário ao Fausto Zero”, “País.nas.nuvens”, “As implicantes”, “Rechnitz (O Anjo Exterminador)” e “Sem Luz”. E estão divididas em três partes (Problema de gênero, Nós do discurso ...

Da tela ao texto: Pieter Bruegel e Louis-Ferdinand Céline

Imagem
Por Amanda Fievet Marques Pieter Bruegel. O triunfo da morte  (detalhe).   O mundo às avessas. Teatro de um mundo apocalíptico, caótico, arruinado pela guerra e dominado pela loucura e pela morte. Uma multidão de vivos se embrenha num caixão, enquanto a morte — um esqueleto com uma foice —, comanda sobre um cavalo esquálido a transformação dos vivos num exército de mortos, esqueletos com lanças por detrás de esquifes.   Essas linhas traçam uma breve descrição de uma cena do quadro O triunfo da morte (1562/1563) , do pintor holandês do século XVI, Pieter Bruegel, mas poderiam muito bem evocar a obra literária do escritor francês do século XX, Louis-Ferdinand Céline. Resguardadas as diferenças entre os meios de expressão e os contextos históricos, há também nos romances de Céline a onipresença da guerra, cenários infernais, assim como o domínio da morte e da loucura.   Céline declara, inclusive, numa carta a Henri Mahé do dia 10 de janeiro de 1933, sua admiração pel...

Visitações à Defesa de Palamedes, de Górgias

Imagem
Por Afonso Junior Antonio Zanchi. Palamedes e Odisseu . Museu Nacional de Arte da Bielorrússia   Em Análise dos argumentos jurídicos presentes na Defesa de Palamedes de Górgias , Thatiane Santos Meneses se debruça sobre o texto gorgiano que recorre a um episódio da mitologia: Palamedes discípulo de Quíron, descendente de Dânao, rei do Egito, foi enviado à Ítaca para buscar Odisseu para a guerra; usando de astúcia, desmascarou seu estratagema (a loucura fingida); segundo versão posteriormente fixada por Gaius Hyginus, autor latino, Odisseu mais tarde forjou uma carta de Príamo, rei dos troianos a Palamedes e conseguiu condená-lo à morte.   O livro, que tem origem em dissertação defendida na Universidade Federal de Sergipe, começa por mergulhar no mundo dos sofistas, no qual Protágoras colocará em jogo o conceito de verdadeiro, já que cada um o julgaria a partir de como chegam-lhe os fatos e as informações, e Górgias defenderia que entre o lógos e as coisas reais há um abismo...

A garota da agulha, de Magnus von Horn

Imagem
Por Adriana Bellamy   De vez em quando, durante as temporadas de premiações e medições quantitativas de audiência, é possível encontrar alguns filmes que, embora façam parte das listas anuais, não são tão proeminentes no cenário geral de recepção. Gostaria de tratar do mais recente longa-metragem de Magnus von Horn, A garota da agulha (2024), o filme verdadeiramente interessante.   Assim como em outras ocasiões de sua filmografia — por exemplo, Sweat (2020), muito antes de Substância (2024), de Coralie Fargeat, radiografa o mundo do fitness e o fenômeno aterrorizante dos influencers , ou The Here After (2015), um retrato afiado da violência juvenil e do assassinato dentro de uma comunidade —, este diretor retorna nesta nova produção à exploração dos labirintos da mente criminosa fora de qualquer fórmula de suspense psicológico.   Ambientado em Copenhague alguns anos após a Primeira Guerra Mundial, A garota da agulha conta a história de Karoline (Vic Carmen Sonne),...

Raça, identidade, e sobretudo, Amor, em Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

Imagem
Por Vinícius de Silva e Souza   Ifemelu, uma mulher comum, entra em um cabelereiro para trançar seus cabelos, em Princeton, Estados Unidos. Assim inicia-se uma jornada quase épica e profundamente moderna por 520 páginas, na edição comum da Companhia das Letras, onde Chimamanda Ngozi Adichie nos conduz com bastante idas e vindas pelos anos de formação da protagonista.   Sempre gosto de começar os anos lendo algum calhamaço (algo com mais de trezentas páginas), pensando que a folga do mês de janeiro me dará o fôlego necessário para devorar os longos romances que o restante do ano não me permite consumir. E em 2025, o escolhido foi o Best-Seller da escritora nigeriana, na minha prateleira aguardando sua vez de ser lido desde 2021. O romance foi traduzido no Brasil sete anos antes.   Logo entendi o porquê dessa obra ser aceita universalmente. Sua linguagem quase cinematográfica, sem muitos floreios, seduz, como um encantador de serpente; mesmo o leitor mais desavisado, quand...

Onde acaba o narrador

Imagem
Por Pedro Sorela Mario Vargas Llosa. Foto: David Levenson Talvez o ensaísta e professor sejam o lado menos conhecido dos Vargas Llosa que convivem com o romancista. Algo inevitável, dada a maior popularidade do romance, embora um tanto injusto pois A orgia perpétua: Flaubert e Madame Bovary é a melhor explicação que conheço da contribuição decisiva de Flaubert para a literatura. E sua História de um deicídio , tese de doutorado sobre Cem Anos de Solidão de seu então amigo e vizinho em Barcelona, ​​ Gabriel Garc í a M á rquez, continua sendo uma refer ê ncia indispensável nos estudos sobre o escritor colombiano, e foi um dos primeiros nesse gênero. Mario Vargas Llosa também escreveu um ensaio sobre Tirant, o Branco e uma generosa coleção de artigos dedicados a outras obras literárias, de prólogos para obras clássicas e contemporâneas reunida em A verdade das mentiras , livro no qual ele desenvolve sua teoria de que a ficção é necessária para entender a verdade humana.   Varg...