Por Alonso Díaz de la Vega
É possível que com a morte de
Jean-Luc Godard, que nos ensinou a dialogar não apenas com os personagens e
enredos dos filmes, mas com as imagens e os significados produzidos por suas
combinações, a busca por um cinema do futuro tenha se acentuado. Em termos bem
literais, há e continuará a haver pessoas interpretando outras pessoas, sejam
elas inventadas ou não, e alguém que vai dirigir essas cenas e fotografá-las; também
haverá aqueles que juntarão as cenas resultantes para moldar narrativas. Porém,
o que as grandes indústrias prometem, com suas exceções cada vez mais raras, é
continuar esse processo repetindo os mesmos planos, a mesma musicalização que
nos diz o que sentir e quando, as mesmas tramas onde os heróis vencem as
sombras com algumas dificuldades, quase sempre as mesmas. Se este é o cinema do
futuro, o que Godard e seus colegas, tanto conhecidos quanto ainda não
descobertos — principalmente descobertos —, representa algumas possibilidades
além do nosso tempo. Quem os alcançará, os contornará?
O problema não é que existam
imaginações capazes de fazer isso, mas que elas sejam difundidas. Quantas
pessoas conhecem Ted Fendt, Kamal Aljafari, Sofia Bohdanowicz? A pergunta não
implica um julgamento contra os espectadores: a má distribuição e discussão
dessas figuras, somada à hegemonia impermeável dos grandes estúdios, afasta-as
do público e impede-as que tenham o lugar, em seu tempo, de uma Agnès Varda ou
de um Ingmar Bergman. O que a questão aborda é a desesperança produzida por um
futuro imaginário em que as pessoas não conhecem os grandes cineastas que
surgiram no início deste século, muito menos aqueles que vieram antes. Godard
já era conhecido por aqueles que nunca tinham visto um filme seu, mas esse
provavelmente não acontecerá com seus contemporâneos de algum renome, como
Angela Schanelec ou Tsai Ming-liang.
Perante a extinção, pelo menos em
teoria, circuitos de exibição, são importantes, pois pretendem levar ao domínio
público as figuras mais promissoras do cinema contemporâneo. Embora os esforços
de programação exijam ajustes, há pelo menos dois filmes interessantes entre os
exibidos numa dessas sessões: Rien à foutre (2021), de Emmanuel Marre e
Julie Lecoustre, que apesar de alguns momentos desnecessariamente sentimentais,
mais uma vez dá um papel sofisticado a Adèle Exarchopoulos, de Azul é a cor
mais quente (2013), e o meu favorito, aquele em que gostaria de me
concentrar: Amigos e estranhos (2021), de James Vaughan, que estreou
antes na plataforma Mubi.
Antes deste primeiro
longa-metragem, o australiano Vaughan havia feito apenas alguns curtas como
diretor, mas sua fixação pelas interrupções e desconforto aparece em toda sua
filmografia como um estilo já plenamente explorado. A habilidade e a
originalidade de Vaughan são raras em um cineasta com uma carreira tão curta, e
isso nos permite depositar nele pelo menos parte da expectativa por um novo
cinema.
Amigos e estranhos começa
em Sydney, onde Ray (Fergus Wilson) e Alice (Emma Diaz), quase desconhecidos entre
si, embarcam em uma viagem para os arredores da cidade. Os protagonistas passam
por alguns encontros que parecem não contribuir muito para a trama: uma menina
e seu pai conversam com eles sobre a vida cultural em Sydney e depois pedem
para Alice experimentar alguns vestidos pertencentes à mãe e à esposa deles,
que faleceram. Antes disso, os protagonistas se deparam com um homem que os
deixa desconfortáveis ao
avisá-los de que não podem
acampar em determinada área, e então o
reencontram em um momento inoportuno. Vaughan nos promete com isso e a timidez
sexual de Ray, uma comédia romântica que
nunca acontece porque, de repente, um corte nos leva de uma cena de Alice
tirando fotos para um mês no futuro, quando ela mostra as
imagens a uma amiga para contar sobre sua decepcionante aventura.
A partir daí, Amigos e
estranhos conta a história de um dia cansativo para Ray, em que ele tenta
chegar a tempo para uma reunião com um cliente para filmar o casamento de sua
filha, mas sofre um contratempo atrás do outro, que se acumulam até chegar a um
final absurdo, cujos diálogos parecem falar mais sobre as intenções de Vaughan
e suas ideias sobre arte do que sobre os problemas de Ray. Essas cenas dão uma inesperada
coerência à interrupção inicial ao nos anunciar que a trama não flui para um
canal mais ou menos conhecido: é antes um rio cujas curvas pronunciadas lhe dão
sentido e, ao mesmo tempo, um clima enigmático do qual brota a trama sobre a
juventude em crise e a preocupação com uma sociedade igualmente indefinida em
termos de seu passado.
Se, como eu disse antes, o cinema
do futuro pode ser encontrado nos antecedentes, Vaughan parece guiado por
Robert Bresson, que fragmentou imagens convencionais para encontrar pequenos
mistérios no cotidiano representado e na experiência de assistir a um filme. O
grande diretor francês raramente emprega planos gerais e evitou imagens de
alguns incidentes para mostrá-los por meio do som e das reações dos
personagens. Em seus anos mais radicais, era difícil entender se uma cena se
passava no mesmo tempo e espaço que a anterior, e os enredos tinham que ser
resolvidos pelo público antes mesmo que eles pudessem começar a discutir suas
ideias.
No começo de Amigos e estranhos,
Ray acidentalmente deixa cair uma garrafa de água. A ação acontece fora do
enquadramento e é compreendida quando ele a descreve e ouvimos o som do
plástico caindo. Mal se vê a cidade nas cerradas imagens, diferentemente
daquelas de um filme convencional, que provavelmente nos mostrariam a vistosa
Sydney Opera House ou a pôr-do-sol visto da baía para que pudéssemos entender a
localização. Vaughan aborda essa técnica com distinção deliberada, enquanto o
filme deixa momentaneamente os protagonistas e vagueia pelos arredores em primeiros
planos que mostram não os grandes marcos, mas os poemas triviais da arquitetura
local em estátuas e parques que sugerem a sangrenta história da Austrália.
Esse tema aparece esporadicamente
e sem ser discutido em profundidade, talvez propondo o inconsciente de uma
sociedade que reconhece mais ou menos seus crimes contra as culturas nativas.
Ray lê sobre reparações pela colonização em seu encontro com Alice, e a
primeira coisa que os créditos fazem no final do filme é declarar que foi
filmado em terras pertencentes aos povos Eora e Ngunnawal. O momento mais
satírico acontece quando uma guia turística está prestes a explicar o que
aconteceu com os aborígenes na área onde uma casa colonial foi construída e um
amigo a interrompe para saudá-la. No restante do filme, Vaughan se concentra
nas preocupações de Ray com seu humilde trabalho, sua saudade de uma
ex-namorada e a má sorte que o atormenta: a crise individual prevalece
simbolicamente sobre a coletiva.
Isso explica o humor com que
Vaughan expressa os infortúnios de Ray. Sua história, que abrange a grande
maioria de Amigos e estranhos, é pequena comparada aos males da história
australiana; no entanto, isso não faz com que seja objeto de ridículo. Vaughan
usa a estranheza para nos colocar no lugar de seu protagonista tímido, o que é,
no mínimo, simpático. Ray pode não ser mais importante que os outros, mas sua
vida, galáctica em suas dimensões internas, não é inconsequente, e é por isso
que sentimos o mesmo que ele, principalmente em direção ao final.
A casa do cliente de Ray é
paradoxal, como muitos dos aspectos que já descrevi: é opulenta e repleta de
peças de arte; em dado momento, é invadida pelo vizinho do lado com música de
câmara, mas todas as obras são desconcertantes, até feias. Nas paredes há
pinturas de Lucian Freud e Francis Bacon, e uma composição de Giacinto Scelsi
sufoca os cômodos: a expectativa do belo afunda numa espécie de horror; Ray
parece ter cruzado para outra dimensão inescrutável, especialmente quando seu
cliente tenta acalmá-lo dizendo que não há “nada escondido, raro ou obscuro” na
casa. Mais tarde, parece repreendê-lo por suas decisões profissionais, como se personificasse
a voz do fracasso dentro de Ray. O mais perturbador de tudo é a descrição da
videografia como "fumaça e espelhos" ou dos artistas como
pervertidos. Amigos e estranhos atinge seu ápice de estranheza ao
descrever as dúvidas e o medo inesgotável de escolher a arte como profissão,
mas não tanto pela ansiedade do reconhecimento ou da expulsão, mas pelo medo de
ser julgado.
Apesar disso, Vaughan filma o que
parecem ser suas próprias inseguranças com convicção. O medo o inspira e lhe dá
forças para fazer um cinema que não é exatamente novo, mas imensamente
esperançoso: um jovem cineasta pensa no cinema quando o faz, diferentemente
daqueles que apenas calculam os lucros que cada produção pode oferecer. A
imaginação não vai prevalecer sobre o comércio, mas, graças a Vaughan e outros
colegas em pleno auge, de alguma maneira, enfrenta isso.
* Este texto é a tradução
livre de “Friends and Strangers es promesa de un talentoso diretor australiano”,
publicado aqui, em Gatopardo.
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