Em voz alta
Por Alejandro Zambra
André Kertész. Velho lendo. Japão, 1968. |
Em seu ensaio Uma história da leitura, Alberto Manguel lembra que a leitura silenciosa se estabeleceu somente no século X, já que até então se entendia que ler era ler em voz alta. Na Antiguidade as bibliotecas eram espaços ruidosos. Acreditava-se que o ato de ler comprometia a visão e o ouvido, daí ser impensável a imagem do leitor isolado, que veiculava até mesmo um misterioso egoísmo.
Há beleza, para nós, por outro lado, na imagem do leitor solitário. Lembro-me de um companheiro de curso que ia de tarde à Biblioteca Nacional não para ler, mas para observar os outros lendo. Ele, na verdade, não gostava de ler, e valia-se dos livros apenas como máscara para observar sem ser visto. Vez por outra esboçava em seu caderno de desenho os gestos dos leitores, sobretudo das leitoras, pois lhe parecia que uma mulher bonita ficava ainda mais bonita quando lia.
Ele certamente apreciaria as imagens de On Reading, o livro de fotografias de André Kertész: os leitores aparecem no centro ou nas margens, em parques, bares ou dentro de casa, mas sempre imersos, ausentes, solitários, salvo poucas exceções, como a famosa fotografia de uns meninos dividindo o mesmo livro. Para mim, inclusive, é mais bonito o momento repentino em que alguém soletra ou repete uma passagem em voz baixa, como quem quer descobrir os sons adormecidos na página, como quem quer memorizar, de uma vez, os versos ou cenas preferidas.
A poesia costuma resistir ao papel e por isso, para um poeta, os testes de som são necessários e importantes. Aqueles, como eu, criados nos terríveis e eternos recitais, aprenderam no porrete: o poema precisa romper o circuito da solidão, mesmo que não faça nada além de falar desta solidão. Pensando agora, o primeiro audiobook que escutei foi o de Pablo Neruda recitando seus poemas e é difícil lê-lo agora sem lembrar do odioso acompanhamento nasal. Mas escutar Enrique Lihn lendo o poema “La pieza oscura” ou Nicanor Parra interpretando “Soliloquio del individuo” (com aquele fraseado retumbante e ligeiramente diverso do corte original dos versos) é um modo de ter acesso a nuances imprevistas.
Não é comum, por outro lado, que os narradores leiam passagens de seus romances, e às vezes penso que seria bom instaurar esse hábito, sob o risco de nos entediarmos para valer. Lembro-me, neste sentido, de uma experiência traumática: no fim de 2003, o narrador Juan Manuel de Prada veio divulgar seu premiado romance La vida invisible e por pura falta de sorte me coube apresentá-lo aos alunos da Universidade Diego Portales. Com suma inocência sugeri que ele lesse algum fragmento de seu livro, uma vez que sua obra não era conhecida no Chile, e o homem pôs-se a ler sem pressa, convencido de que cativaria o auditório, e até mesmo fazendo pausas vez por outra para beber dois litros de água mineral. Ficamos uma hora e meia na sala, desesperadamente aguardando o momento em que o ponto seguinte seria o final.
O que então fracassou não foi o leitor; o que fracassou foi o texto, a história, a música. O ouvido não se engana, e para comprová-lo basta apenas dar play e entediar-se ou seguir escutando até perder o sono.
Julho, 2009
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