Elogio da fotocópia

Por Alejandro Zambra


Jess Allen (detalhe).


 
Ensaios de Roland Barthes sublinhados com marca-textos fosforescentes, poemas grampeados de Carlos de Rokha ou de Enrique Lihn, romances espiralados ou precariamente encadernados de Witold Gombrowicz, de Clarice Lispector: é bom recordar que aprendemos a ler com essas fotocópias que esperávamos impacientes, fumando, do outro lado da janelinha. Umas máquinas enormes e incansáveis nos ofereciam, por poucos pesos, a literatura que queríamos. Líamos esses feixes mornos e logo os guardávamos nas prateleiras como se fossem livros. Pois é isso que eram para nós: livros. Livros queridos e escassos. Livros importantes.
 
Lembro-me de um companheiro que fotocopiou Guerra e paz, trinta páginas por semana, e de uma amiga que comprava resmas de papel azul-celeste, pois, segundo ela, dessa forma a impressão saia melhor. De minha parte, a maior joia bibliográfica que tenho é um exemplar peregrino de La nueva novela [O novo romance], o inimitável livro-objeto de Juan Luis Martínez. Nós o fabricamos em grupo, outra vez convertidos em esforçados alunos de técnicas manuais. O resultado foi uma mesa bastante bamba, mas jamais me esquecerei do quanto nos divertimos naquelas semanas de tesouras, anzóis e fotocópias.
 
As campanhas de meados dos anos 1990 contra a fotocópia de livros foram para nós, neste sentido, uma espécie de agressão: queriam nos privar do único meio que tínhamos para ler o que verdadeiramente queríamos ler. Diziam que a fotocópia matava o livro, mas nós sabíamos que a literatura sobrevivia naqueles papéis manchados, tal como agora sobrevive nas telas, porque os livros seguem sendo escandalosamente caros.
 
A discussão sobre o livro digital, no entanto, por vezes se torna sofisticada demais: os defensores do livro convencional apelam a imagens românticas sobre a leitura (com as quais concordo plenamente), e a propaganda eletrônica insiste na comodidade de levar a biblioteca no bolso ou na maravilha de interconectar os textos ilimitadamente. Mas não trata de uma questão de hábitos, e sim de custos. Alguém espera que um estudante gaste vinte mil pesos em um livro?¹ Não é bastante razoável que o baixe da internet?
 
Hoje muitos leitores têm bibliotecas virtuais de primeiro nível sem necessidade de recorrer ao cartão de crédito nem de comprar o aparato da moda. É difícil se opor a este milagre. Os editores, os livreiros, os distribuidores e os autores se unem de vez em quando para combater as práticas que arruínam o negócio, mas os livros se converteram em objetos de luxo e não há qualquer sinal de que isso vá mudar. Especialmente em países como o nosso, os livros são, já faz muitos anos, assunto de colecionadores.
 
Eu mesmo me converti, com o tempo, em um colecionador, porque não me atreveria a viver sem meus livros, mas no meu caso se trata antes de um atavismo, de uma inclinação anacrônica e um pouco absurda para dormir no meio de uma biblioteca. Lembro-me de um amigo que sempre me oferecia um depósito para guardar meus livros, pois não podia compreender que eu havia renunciado a boa parte do espaço para montar aquelas prateleiras que além de tudo eram, segundo ele, perigosas: no próximo terremoto vão cair em cima de você, que vai morrer por culpa das suas enciclopédias, dizia ele, embora eu nunca tenha tido enciclopédias.
 
Tampouco me animei a deitar fora as antigas encadernações em espiral, mesmo quando se trata de textos que depois consegui em edições originais. Agora que as fotocópias estão batendo em retirada, não posso evitar uma dose de nostalgia, pois ainda conservo aqueles papéis; ainda repasso, de tempos em tempos, aqueles livros de mentira que uma vez provocaram um assombro genuíno e duradouro.


Julho, 2009

 
Notas
1 Nos valores de hoje (26 de novembro de 2024), a equivalência aproximada seria de 119 reais, algo próximo de 8,5% do salário mínimo brasileiro. Quando o texto foi escrito, o valor equivalia a aproximadamente 12% do salário mínimo chileno [N.T.].


* Tradução de Guilherme Mazzafera. O texto “Elogio de la fotocopia” encontra-se compilado no volume No leer (Editorial Anagrama, 2018).
 
 

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