Cinco poemas (e um texto de prosa poética) de James Wright
Por Pedro Belo
Clara
(Seleção e versões)
James Wright. Foto: Thomas Victor |
(Saint Judas – 1959)
Uns arruaceiros a distribuir pancadaria.
Correndo para poupar a angústia do homem, olvidei
O meu nome, o meu número, como começara o dia,
Como os soldados deambulavam junto à pedra do jardim,
Cantando divertidas canções; como o dia inteiro
Os seus dardos mediram multidões; como por mim
Regateei as moedas certas e fugi, ligeiro.
Despido, entregue ao seu choro, no chão ajoelhado.
Larguei a corda, ignorei os uniformes, estuguei a passada:
Então recordei o pão que a esta carne serviu de comida,
O beijo que comeu a minha carne. Sem esperança, esfolado,
Segurei o homem nos braços a troco de nada.
(The Branch Will Not Break – 1963)
Comecei no Ohio.
Ainda tenho sonhos sobre a minha casa.
Perto de Mansfield, cavalos enormes entram em celeiros escuros no outono,
Onde podem ser preguiçosos, mastigar ruidosamente pequenas maçãs
Ou dormir por muito tempo.
Mas de noite, agora, nas filas da sopa dos pobres onde o meu pai
Ronda, não consigo encontrá-lo: tão longe,
1500 milhas, ou quase, de distância, e ainda assim
Mal consigo dormir.
Um trapo azul, o velhote: coxeia até à minha cama,
Conduzindo um cavalo cego
De amabilidade.
Em 1932, coberto de sujidade das máquinas, cantou-me
Uma canção de embalar sobre uma menina-ganso.
Do lado de fora da casa, a pilha de escória aguardava.
É madrugada.
Estou a tremer,
Mesmo debaixo dum enorme edredão.
Cheguei ontem à noite, ébrio,
E deixei apagado o fogão a óleo.
Escuto há muito tempo as agitações exteriores.
A neve uiva ao meu redor, vinda das pradarias abandonadas.
Parece-se com as vozes de vagabundos e jogadores errantes,
Chocalhando através dos prostíbulos vazios do século dezanove,
No Nevada.
Derrotado na reeleição,
O pouco formado xerife de Mukilteo, Washington,
Esteve de novo a beber.
Conduz-me ao topo do penhasco, cambaleante.
Bêbados os dois, ali ficamos entre pedras tumulares.
Os mineiros costumavam parar aqui, no seu caminho para o Alasca.
Irados, enterravam os corpos rachados das suas mulheres
Em valas de digitárias.
Deito-me entre os túmulos.
No fundo do penhasco
A América conhece o seu fim.
América,
Afundada uma vez mais
Nos negros sulcos do mar.
(Shall We Gather at The River – 1968)
Tal como sozinho caminhei, anos atrás, ao longo
Da margem do Ohio.
Escondi-me entre as ervas altas dos vagabundos,
A montante do cano de esgoto,
Ponderando, observando.
Entre as ruas Twenty-third e Water,
Junto às fábricas de vinagre,
As portas abrirem-se cedo de manhã.
Baloiçando as suas malas, as mulheres
Derramaram-se pela longa rua até ao rio
E depois rio adentro.
Elas podiam afogar-se a cada noite.
A que horas, já quase madrugada, subiram elas a outra margem,
Secando suas asas?
Tem apenas duas margens:
Uma é o inferno, a outra
É Bridgeport, Ohio.
Para encontrar além da morte
Bridgeport, Ohio.
(To a Blossoming Pear Tree – 1977)
Naquele tempo. Certa tarde,
O raio do frio era tão amargo
Que nada existia. Nada.
Tinha uns problemas com certa mulher,
E nada havia naquele lugar
A não ser eu e a neve morta.
Em Minneapolis, açoitado
Dum lado e doutro.
O vento levantara-se dalgum fosso,
E assombrava-me.
O próximo autocarro para Saint Paul
Chegaria dentro de três horas,
Se tivesse sorte.
Apareceu ao meu lado, as suas cicatrizes
Contavam a minha idade.
Aqui um autocarre, disse.
Tens dinheire suf’ciente
P’ra chegar a casa?
À tua mão? respondi.
Ele ergueu o gancho à luz das estrelas
E golpeou o vento.
Tive azar cuma melher.
Toma, guarda lá.
A segurar sessenta e cinco cêntimos
Num gancho,
E depositá-los
Gentilmente
Na tua mão enregelada?
Não era dinheiro o que necessitava.
Mas guardei-as.
(This Journey – 1982)
(Selected Poems – 2005)
Dalgum modo, as estradas tornam-se azuis lá,
Onde ninguém as calcorreia.
Mais uma noite de caminhada e poderia tornar-me
Um cavalo, um cavalo azul, dançando
Sozinho, estrada afora.
Tudo acabou.
É ainda o Minnesota.
Entre alguns caules de milho mortos, a sombra faminta
Dum corvo salta para a sua morte.
Ao menos é verde, aqui,
Embora entre o meu corpo e as árvores anciãs
Uma vespa esforce-se por romper a tela de arame.
Ainda não consegue entrar.
A desobstruir as suas narinas.
Saiu das verdes paragens atrás de mim.
Paciente e afectuoso, lê sobre o meu ombro
Estas palavras que escrevi.
Já viveu por largos anos, e adora fingir
Que ninguém o consegue ver.
Ontem à noite parei no limite da escuridão
E adormeci com o orvalho verde, sozinho.
Percorri um longo caminho para entregar a minha sombra
À sombra dum cavalo.
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Notas:
* Seleção e versões a partir dos originais compilados em James Wright – Selected Poems (Farrar, Straus and Giroux e Wesleyan University Press, 2005).
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