Boletim Letras 360º #617

 
Adília Lopes. Foto: Joana Dilão


 
LANÇAMENTOS
 
O primeiro importante lançamento de 2025? Este romance desafia a ideia de progresso e nos confronta com a pergunta: o que realmente importa quando tudo o que resta é sobreviver?
 
Ao acordar sozinha no chalé de caça onde estava hospedada nos Alpes austríacos, a narradora deste romance descobre-se cercada por uma barreira invisível e intransponível. Do outro lado, o mundo parece petrificado, suspenso num misterioso estado de destruição imóvel e silenciosa. Sem acesso à civilização, ela precisa aprender a sobreviver em completa solidão, acompanhada apenas por um cachorro chamado Lince, uma vaca que batiza de Bella e uma gata. A certa altura de seu isolamento, põe-se a escrever um “relato” — o próprio romance que lemos — no qual narra o abandono gradual de sua identidade social, e particularmente da ideia de feminilidade que a sociedade lhe impunha. “A narradora de Haushofer passa grande parte do romance se despindo de sua essência”, observa James Wood no posfácio incluído nesta edição brasileira. “A primeira coisa a ir embora é o exoesqueleto social de sua feminilidade.” Reconhecida como uma das grandes obras da literatura distópica e feminista, e publicada em 1963 — um prenúncio dos piores anos de tensão nuclear na Guerra Fria —, A parede apresenta, com precisão e força narrativa, uma jornada íntima e universal. Ao mesmo tempo, propõe uma visão também utópica: sozinha, a protagonista forma uma nova comunidade baseada no cuidado e na conexão com a natureza. Para ela, amar um animal se torna mais fácil — e talvez mais verdadeiro — do que amar um ser humano. Em uma narrativa que combina o realismo vívido da vida reconstruída a partir do essencial — plantar, caçar, cuidar — e uma meditação filosófica sobre o tempo, o corpo e o sentido da vida, Haushofer captura uma radical dessencialização do humano. “É difícil deixar de lado um delírio de grandeza há muito enraizado”, constata a narradora. Tradução de Sofia Mariutti; publicação da editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Próxima dos camponeses e socialista por vocação, a autora francesa George Sand retrata o território rural com um olhar aguçado. Livro reúne três dos seus romances.
 
O pântano do diabo (1846), O campesino (1847) e Fadete (1848) foram publicados no formato de folhetim em um curto período e representam um ponto alto na carreira da escritora, uma das figuras femininas mais destacadas do século XIX no cenário literário. Sua postura questionadora dos gêneros e seu lugar na sociedade revelam uma autora politicamente engajada, o que se nota também nos seus muitos romances campestres, dos quais os três aqui reunidos são representantes. Nas obras, um elogio do campo, longe do caos da metrópole parisiense, entra em contraste com as agruras que os camponeses viviam durante uma época de transformações sociais severas. Triunfa, acima de tudo, uma defesa encantadora da preservação natureza e seus mistérios. Tradução, organização, notas e introdução de Mônica Cristina Corrêa. Publicação da Penguin/ Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Carlos Henrique Coimbra inicia na ficção com Catimbó caboclo.
 
Na verdade, um romance com todas as características do gênero: muitas personagens, amplo palco para os acontecimentos narrados, além de uma bem urdida trama. Posso dizer também, e disso estou convicto, que o livro se enquadra na melhor tradição do ciclo romanesco, ocorrido no final dos anos 1920 e durante os anos 1930, constituindo o tão estudado e louvado movimento regionalista (Romance regionalista). Porém, Carlos Henrique Coimbra não só escreveu um romance nordestino, mas, principalmente, um romance pernambucano, com especial interesse nas coisas, no modo de falar dos nativos, nos hábitos e costumes consolidados, na religiosidade do povo, nos logradouros, com citação de personalidades reais, fossem autoridades públicas, como também de escritores que aqui ambientaram seus romances. É realmente um acontecimento importante quando vemos surgir um novo ficcionista, talentoso, culto e, acima de tudo, cuidadoso com a língua. Publicação da Arte & Letra. Você pode comprar o livro aqui.
 
Alguns contos de Púchkin.
 
Extremamente cultuado na Rússia, Aleksandr Púchkin construía híbridos entre narrativa e poesia, como os textos traduzidos em O cavaleiro de bronze e outros contos em versos. Estas narrativas exibem amplitude temática e densidade estilística, e atuam como porta de entrada para a obra do autor russo. A antologia compila cinco textos escritos entre os 21 e os 34 anos de Aleksandr Púchkin e que, ao lado do lendário romance em verso Evguiêni Oniéguin, representam o ponto alto de sua carreira. Na narrativa que dá título ao livro, contemplamos uma São Petersburgo onírica, onde estátuas ganham vida, e fábula e realidade se mesclam em imagens fortes e precisas. Púchkin sempre se interessou por historietas ouvidas em conversas com populares, anotando expressões coloquiais cotidianas, que depois transmutaria em poesia de sofisticação estilística. A obra do escritor, considerado tão importante quanto Tolstói ou Dostoiévski para as letras mundiais, se torna acessível pela cuidadosa tradução do russo, pelas notas e pela apresentação de Rubens Figueiredo. Edição da Penguin/ Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES

Nova edição de um dos mais originais livros de história. 

E também um dos mais gostosos de ler. Nele, Robert Darnton arma um fascinante quebra-cabeça em que surge o perfil inesperado de um grupo cujo papel instrumental na queda do Antigo Regime foi, até então, negligenciado pelos historiadores. Tal grupo constitui o submundo literário: philosophes falidos, editores piratas e livreiros clandestinos — ou os “Rousseaus de sarjeta”, termo que, já no século XVIII, havia sido aplicado a Restif de la Bretonne. Assim, Darnton analisa o final do Iluminismo do mesmo modo como historiadores recentes vêm examinando a Revolução Francesa: de baixo. Num estilo ágil e cativante, ele contrasta a carreira de subliteratos como Jean-Baptiste-Antoine Suard ou o abade La Senne, hoje merecidamente esquecidos, com o prestígio gozado por autores como Voltaire ou D'Alembert; dá uma visão desmistificadora do futuro líder girondino Jacques-Pierre Brissot de Warville, que se tornou espião da polícia após sua prisão na Bastilha, em 1784; traça um panorama do comércio de literatura proibida no século XVIII — os chamados livres philosophiques, denominação sob a qual se abrigavam obras pornográficas, contra a religião ou sediosas; ou examina um gênero típico da época, o libelle ou panfleto obsceno. Com isso, Darnton contribui de forma decisiva para aquilo que outro célebre historiador daquele período, Daniel Mornet, chamou de “as origens intelectuais da Revolução”. A nova edição de Boemia literária e revolução: o submundo das letras no Antigo Regime sai pela Companhia das Letras. Tradução de Luís Carlos Borges. Você pode comprar o livro aqui

OBITUÁRIO
 
Morreu Adília Lopes.

Adília Lopes nasceu em Lisboa no dia 20 de abril de 1960. Iniciou os estudos em Física na Universidade de Lisboa, mas tão logo abandonou a faculdade passou a se dedicar à poesia. Os primeiros versos vêm ao público no coletivo Anuário de poetas não publicados. A descoberta para a literatura conduzirá, em parte, a decisão por um novo curso superior na mesma instituição, em Literatura e Linguística. São os anos oitenta o de consolidação da atividade com a poesia; saem Um jogo bastante perigoso (1985), O poeta de Pondichéry (1986) e O decote da dama de espadas (1988). Nas décadas seguintes sua obra se expande vigorosamente aperfeiçoando-se na estratégia de significação do cotidiano e do coloquial; saem títulos como Os cinco livros de versos salvaram o tio (1991), Maria Cristina Martins (1992), O peixe na água (1993), A continuação do fim do mundo (1995), A bela acordada e Clube da poetisa morta (1997), Florbela Espanca espanca e Sete rios entre campos (1999), Irmã barata, irmã batata (2000), Quem quer casar com a poetisa? (2001), A mulher-a-dias (2002), César a César (2003), Caras baratas (2004), Apanhar ar (2010), Andar a pé (2013), Manhã e Capilé (2015), Bandolim e Z/S (2016), Estar em casa (2018), Dias e dias (2020), Pardais (2022) e Choupos (2023). Adília Lopes morreu no dia 30 de dezembro de 2024, em Lisboa.


Esta é uma edição de recesso, por isso o Boletim Letras 360º é apresentado sem as seções complementares desta publicação.


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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidade das referidas casas.
 

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