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Mostrando postagens de outubro 17, 2024

A vergonha, de Annie Ernaux

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Por José Woldenberg “Meu pai tentou matar minha mãe num domingo de junho.” 1 Assim começa o testemunho/   romance/   reflex ã o de Annie Ernaux. Foi no dia 15 de junho de 1952, quando ela ainda n ã o tinha doze anos. A m ã e, de mau humor, reclamava com o pai at é que ele explodiu e a amea ç ou com um machado. Annie correu, pediu ajuda, chorou. “ Depois, saímos os tr ê s para andar de bicicleta numa área rural que ficava nos arredores. […] Nunca mais se falou no assunto. ”   O episódio, porém, jamais foi esquecido por aquela garota. “Depois, aquele domingo passou a ser uma espécie de filtro que ficava entre mim e todas as coisas que eu vivia.” Os pais de Annie a “adoravam”; a ameaça nunca se repetiu, mas gerou nela um alerta permanente e, sobretudo, uma vergonha indecifrável.   Ernaux reconstrói essa época: o seu presente de Natal, os postais recebidos, o missal utilizado, folheia os jornais antigos que falam das guerras da Indochina e da Coreia, dos filmes da época e da publicidade