Por Alejandro Zambra
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Adolfo Couve |
Nas narrativas de Adolfo Couve
abundam os meninos silenciosos, as famílias discordantes e os artistas
temperamentais desaparecidos na “deterioração infinita” de uma paisagem outrora
esplendorosa e agora decadente que, justamente por isso, mostra-se encantadora,
literária.
Desdenhando sua inegável destreza
como pintor, o autor optou pelo desafio da escrita e por fim se transformou,
como disse César Aira, em um eterno principiante da literatura que preferia
polir infinitamente os traços e corrigir o texto até que ficasse reduzido a sua
expressão mínima.
Talvez o próprio Couve, que se
suicidou em 1998, teria se surpreendido com o fato de que os brevíssimos
volumes que foi publicando em intervalos irregulares — precisava anexar
prólogos e aumentar a letra para que pudessem ter lombada — agora totalizem as
quase quinhentas páginas da sua Narrativa completa.
A despeito das notórias mudanças de
perspectiva existentes de Alamiro (1965) até Cuando pienso em mi
falta de cabeza [Quando penso na minha falta de cabeça] (publicado
postumamente, no ano 2000), a literatura de Couve convoca preferencialmente um
leitor adverso aos avatares da trama ou às construções narrativas complexas, um
leitor mais familiarizado com a poesia do que com a prosa. De fato, alguns de
seus textos parecem — ou são — propriamente poemas, como se dá em Alamiro:
“A casa está de frente para o mar. A praia vazia. De um dos lados, onde há um
caminhão, vem uma turba. São pontos negros que trazem tendas, cães e cestos.
Instalam-se diante de meus olhos. Surpreendentemente surge um policial a galopar
pela areia.”
Vale dizer, de qualquer maneira,
que do mesmo modo que um bonsai não é uma árvore, Couve não escreve poemas nem
contos nem romances, e sim decantadas miniaturas que, por isso mesmo, carregam
uma espécie de beleza mutante e deformada, orgulhosamente artificial. A
declarada vontade de síntese do autor faz com que muitas descrições, em vez de
construir a ilusão de um mundo literário autônomo, acabam por destruí-la: o
efeito é semelhante ao produzido por um quadro tão obsessivamente delineado que
obriga o espectador a recuar vários passos para poder apreciar o conjunto.
Por sua vez, a crítica insistiu em
incensar a perfeição formal da prosa de Adolfo Couve: Ignacio Valente e outros
resenhistas erigiram a imagem de um escritor extemporâneo, cuja incessante e
esforçada busca pela precisão parecia ser também uma busca por Deus. Receio
que, tratando-se de perfeição formal, seria preferível ler Flaubert, Henry
James e uma centena de escritores que demonstraram empenho semelhante; por
outro lado, lemos os livros de Couve porque, voluntaria ou involuntariamente, o
autor soube capturar aspectos relegados e essenciais da linguagem e da paisagem
chilenas.
Junho, 2003
* Tradução de Guilherme Mazzafera. O
texto “Corregir hasta que duela” encontra-se compilado no volume No leer
(Editorial Anagrama, 2018).
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