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T. E. Hulme. Foto: George C. Beresford |
Foi graças a Thomas Ernest Hulme
(1883–1917), esse grande rapaz provinciano, briguento e megalomaníaco, que Ezra
Pound e T. S. Eliot encontraram em grande parte o seu caminho como poetas,
graças à peculiar glosa por ele realizada, tão contraditória, aliás, primeiro
de Nietzsche e depois de Bergson.
O decisivo, em Hulme, foi a “A
Lecture on Modern Poetry”, proferida em novembro de 1908, num salão de poetas
de Londres logo abandonado pelo inovador por um salão à parte, o de secessão,
que atraiu até mesmo o pintor, poeta e romancista Wyndham Lewis e o pintor e
escultor Henri Gaudier-Brzeska. Hulme, estranhamente, considerava a escultura
(e mais tarde a arquitetura) como as artes supremas, apaixonado como era,
conceitualmente, pela argila moldável.
T. E. Hulme opunha-se
veementemente ao que considerava o romantismo, “essa religião tresmalhada”,
como dizia, e um movimento obsoleto por ele associado ao sentimentalismo lírico
dos finais da era vitoriana, uma espécie de “liberalismo otimista” cujo combate
o converteu num entusiasta da catástrofe em que faleceu e admirador soreliano
da Action Française de Charles Maurras, cujo antirromantismo o seduziu.
E sim, trata-se de ler críticos
como Sir Arthur Quiller-Couch (
Adventures in Criticism, 1896), que
Hulme, um rebelde expulso de Cambridge, detestava, para corroborar a famosa
percepção de Virginia Woolf sobre a mutação ocorrida no caráter humano ocorrida
em algum dia de dezembro de 1910. Esse enobrecido crítico dividia os poetas
entre aqueles que se entusiasmavam pelo amor à bela expressão mais ou aqueles
que praticavam a lírica por acreditar-se dono de grandes pensamentos para
compartilhar com a humanidade.
Hulme trazia como antídoto para
essas convenções algo que chamava, não sem inocência binária, de classicismo,
que pouco ou nada tinha a ver com os antigos deuses e heróis míticos. Ele
acreditava, como descreve Juan Antonio Montiel, que “no clássico brilha a luz
dos dias comuns, não uma luz nunca vista antes em terra ou no mar; o clássico é
sempre perfeitamente humano e nunca exagerado: o homem é sempre um homem, não
um deus.”
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Dessa aparente humildade nasceu o
Imagismo. Sua morte precoce e despercebida pela imprensa dedicada a contar os
poetas caídos para a glória de Sua Majestade fez com que amigos e colegas
minassem o lugar de Hulme na história do movimento, permanecendo como uma
influência benéfica e passageira sobre Pound, Lewis e Eliot, embora este último
tivesse o cuidado de elogiá-lo de uma forma tão enfática quanto circunstancial,
enquanto o tio Ez restou ser irônico ao publicar uma “Obra poética completa de
T.E. Hulme” em
The New Age composta por apenas cinco poemas, que mais
tarde usou como apêndice de
Ripostes, sua própria obra, de 1912. O
joguete de Pound revelou-se profético. Com esses poemas e não muitos outros, os
poemas de Hulme entraram na “antologia grega” da vanguarda e quero citar um
deles na íntegra: na tradução de Montiel:
Above the Dock
Above the quiet dock in mid night,
Tangled in the tall mast’s corded height,
Hangs the moon. What seemed so far away
Is but a child’s balloon, forgotten after play.
Sobre o cais
Acima do cais silencioso em meio
da noite,
Enredada no alto do mastro,
Pende a lua. O que parecia tão
distante,
Não é mais que um balão de criança,
esquecido depois da brincadeira.
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“Já tinha ouvido ou visto isso”,
começa-se a dizer com certa idade, lia há poucos dias num artigo de Javier
Marías. É o que acontece com aqueles que, muitas vezes involuntários mentirosos,
tentam vender-nos vinho velho em odres novos. É o que acontece com Hulme e nem
sempre da melhor maneira: os seus escritos no Canadá, onde sofreu a mesma
vertigem pascaliana dos horizontes americanos apequenando o europeu, parecem
mais do que modernos, pós-modernos.
É capaz de algum leitor acreditar-se
lendo, às vezes, Deleuze com seus fragmentos, fractais e rizomas. Por isso é
melhor tomar esses aforismos sobre a pluralidade do mundo como poesia, pequenas
pedras incandescentes atiradas contra verdades absolutas. São mais uma estranha
mistura, desta vez, de Nietzsche e Wittgenstein (que Hulme, também matemático,
não leu), convencidos de que só a poesia poderia confrontar um mundo
irredutível diante do verbalismo de Deus ou da Verdade, “a enfermiça linguagem
simbólica”.
Pound tinha muita razão ao invejar
Hulme pela pioneira transparência da sua visão, a limpidez ausente nos imensos
Cantos
do poeta de Idaho, precisamente por causa da sua “mania de classificação”
condenada e prevista pelo poeta-filósofo do imagismo. O melhor Pound, poeta
puro, é o que não se distancia de Hulme, que também teve seu
romantismo.
Muitas de suas reflexões filosóficas são interrompidas pelo aparecimento de
imagens de mulheres com cabelos coloridos.
Para Hulme, a desejada “imaginação
plástica” aparecia com “duas prostitutas andando na ponta dos pés pela
Picadilly Street, voltando para casa com os chapéus inclinados para trás”.
Hulme não descansava até encontrar a analogia, em sua opinião, exata, dessa
visão, em que a dupla de mulheres na rua lhe disse: “Podemos ter saído
dolorosamente do barro e sermos as últimas da fila, mas agora estamos muito
longe de tudo isso: somos coisas em si, existimos fora do tempo”.
“Não há intelecto sem fantasmas”,
concluiu T.E. Hulme e os seus eram invariavelmente femininos.
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