Todos juntos, de Vilma Arêas
Por Eduardo Galeno
Isso faz retornar ao que Ricardo Piglia falou em algum lugar
de 1974 (ele estava fazendo leitura de Macedonio Fernández): há um ritmo de
condensação sintática na brevidade. Vejamos alguns riscos de “Rol”, de Trouxa
frouxa (2000):
MÃE
é como o boi
até os
chifres se aproveitam
OS MORTOS
que passem longe de minha porta
Não sei se ficou óbvio, mas a estratégia que aí reside é
igual à do haicai. Igual à do diário fica sendo “Ele”, também do
mesmo livro:
“Pensa no pai e chora. O pai que teria hoje cento e trinta e
três anos.”
São essas notas que Todos juntos sai carregando pelas
550 páginas, passando da lógica política à erótica, da íntima à impessoal,
talvez até contaminando uma na outra, uns nos outros.
E o que tiramos? A feição de uma escritora marginal, pouco
conhecida na história das letras brasileiras. Todos juntos é um perfil
que nos fala com afinco e razão através da forma, plano de expressão —
como alguém que lê esse texto já deve ter percebido —, mas principalmente pela
intuição que ela descarrega. Essa intuição permanece um mistério. Cortázar
chamou de “maravilha” a suspensão de sentido que, com certeza, Vilma traz para
a gente.
“Braço, abraço, ilharga, sal”, murmurou a velha na história “T
de teorema”. Ela pediu para que a outra mulher decifrasse o emblema antes da
morte. É a mesma configuração em que as histórias de Todos juntos estão
destinadas: a pulsação interna que elas irão receber como sintoma do delírio,
da literatura como delírio e fuga do real.
Precisamos perceber nosso contato com as páginas para que
elas sejam puxadas com o frescor e vivacidade que a literatura remete.
Ao ler os “curtas” — porque Vilma faz cinema, compõe imagens
aqui —, fui desafiado a pensar como o cultivo da letra (afastando a instituição
literatura) é ainda necessidade. Vilma faz um grande molde com as letras. É
pelo mínimo que ela se esconde na grandeza.
é como o boi
que passem longe de minha porta
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Todos juntos (1976-2023)
Vilma Arêas
Samuel Titan Jr. (Org.)
Editora Fósforo, 2023
560 p.
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