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Arte: Sumuyya Khader |
Como falar dos livros que não
lemos é o título do ensaio de Pierre Bayard que por estes dias se lê ou ao
menos se vende em todo o mundo. Não posso dizer muito mais sobre o livro pois,
lamentavelmente, não o li, mas o tema me parece de imediato familiar.
Experimentei nos últimos anos a
felicidade de não ler alguns livros que, se tivesse continuado trabalhando como
crítico literário, deveria ter lido. Tiver de comentar certa vez, por exemplo,
um pobre romance de Jorge Edwards inspirado na figura de Joaquín Edwards Bello,
de modo que há alguns meses, ao saber que o novo alvo de Edwards para suas investigações
novelísticas era o poeta Enrique Lihn, respirei bastante aliviado por não ler
La
casa de Dostoiesvsky. Pessoas com menos sorte que eu leram o romance e
consideraram que ele prejudicava a memória de Lihn, motivo pelo qual Edwards —
incensado de forma quase unânime por sua obra anterior — desta vez foi atacado
injustamente, pois até onde sei seu livro não era uma biografia e sim um
romance.
Os ataques a Edwards foram tão
furiosos que até me davam vontade de defendê-lo, mas para isso eu precisaria
ter lido as trezentas e tantas páginas do livro. Certamente vários detratores
de Edwards nem mesmo leram
La casa de Dostoievsky, mas não há por que
culpá-los, pois o pai desta tradição de não leitores é justamente o próprio
Edwards, que há alguns anos apresentou
Epifanía de una sombra, a obra
póstuma de Mauricio Wacquez, dizendo que havia chegado somente à metade, mas que
sem dúvida se tratava de um romance esplêndido, já que Mauricio escrevia muito
bem. Edwards também apresentou
Os detetives selvagens confessando,
diante de um atônito Roberto Bolaño, que ainda não havia terminado de ler o
romance, e na última Feira do Livro de Madri a vítima foi novamente Bolaño: no
âmbito de uma homenagem, Edwards disse que havia tentado muitas vezes ler
2666
e que havia até mesmo comprado vários exemplares em momentos diversos, de modo
que pensava em organizar um rifa com todos aqueles livros não lidos.
Talvez naquela tarde Edwards
quisesse responder desta forma à imprudência que minutos antes eu havia
cometido na mesma mesa, já que diante da pergunta sobre a recepção chilena de
Bolaño não pude deixar de lembrar a polêmica entre Óscar Bustamante e Agustín
Squella, que a meu ver foi um capítulo-chave na história da não leitura
chilena. A exposição de Squella foi excelente, muito melhor, porém, enquanto
desafio estilístico, havia sido o protesto de Bustamante, que admitia não ter
lido
2666, mas afirmava que sem dúvida era um grande romance.
Somou-se recentemente a esta
tendência o narrador Marcelo Lillo, afirmando que a literatura chilena não lhe
interessa e declarando ao mesmo tempo que com seu livro de contos pretende
renovar a literatura chilena. É curioso querer renovar um panorama que se
desconhece, ainda que estes atrevimentos sejam, de alguma maneira, saudáveis.
Eu sim li o tão adequado livro de Marcelo Lillo, graças a Rafael Gamucio, que
me presenteou com ele depois de garantir que Lillo era um grande contista. Não
o li e não penso em lê-lo, disse-me Gamucio, mas é muito bom, não preciso lê-lo
para saber que é muito bom, melhor que Cheever, melhor que Carver, melhor que
todos.
Em meio a tudo isso, o recente Prêmio
Nobel de Jean-Marie Le Clézio nos pegou de surpresa. Do autor li apenas
O
africano, um livro brilhante, mas seria impróprio opinar, a partir de uma
base tão precária, se o prêmio é ou não merecido. “Quem é esse aí? Não conhecia
nem de nome”, escreveu em seu blog, acerca disso, um desconsolado Alberto
Faguet. Mais empenhada que seus colegas parece ser Carla Guelfenbein, que
declarou ter lido le Clézio nada menos do que por recomendação direta do também
Prêmio Nobel J. M. Coetzee, que conheceu em um encontro de escritores na
Islândia.
Há alguns anos escrevi uma resenha
pouco favorável sobre o primeiro livro de Carla Guelfenbein e, à luz dos
comentários atuais sobre
El resto es silencio, seu romance mais recente,
estava eu então equivocado.
Seja como
for, é muito tarde para comprová-lo, pois ninguém vai me tirar o prazer de não
ler alguns livros, e a verdade é que não voltaria a ler um romance de Carla
Guelfeinbein nem que ele fosse recomendado pelo mesmíssimo Coetzee.
Outubro, 2008
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