Boletim Letras 360º #604

Ágota Kristóf. Foto: John Foley


 
LANÇAMENTOS
 
Mais três livros de Ágota Kristóf acessíveis para o leitor brasileiro.
 
Na impressionante Trilogia dos gêmeos ― que inclui os livros O grande caderno, A prova e A terceira mentira ―, Ágota Kristóf ergue o monumento literário que fez dela um dos maiores nomes da literatura europeia do século 20 e referência de artistas, escritores e pensadores de todo o mundo. Aqui acompanhamos a história dos gêmeos Claus e Lucas, deixados na casa da avó numa pequena cidade para que tenham alguma chance de sobreviver à guerra. Os anos que transcorrem são duros, assim como os desafios em que os dois se colocam e que por eles cruzam ― mas nenhum é maior que a separação entre eles. Enquanto acompanhamos a trajetória dos irmãos, testemunhamos também outras transformações igualmente marcantes: da Europa como continente, da própria noção de moralidade, do que pode ou não ser verdade, e até mesmo da prosa da autora, que se transforma à medida que a história avança e se complexifica. Traduções de Diego Grando; publicação da editora Dublinense. Você pode comprar o livro aqui.
 
Silviano Santiago e o pensamento em curso.
 
O pensador e o crítico estão presentes e passam a perna no romancista. Em cadernetas, os dois elaboram e desenvolvem anotações sob a forma de folhetins que deixam à mostra o longo processo de criação do romance brasileiro. Silviano Santiago decide expor ousadias e riscos, manobras e estratégias que surpreendem a solidez de obras canônicas da literatura dita universal por viés nevrálgico. O grande relógio nietzschiano diz que a cultura brasileira, e nela a literatura, recomeça hoje. A Editora Nós entrega ao leitor o primeiro dos três “cadernos em andamento” em que um dos nossos mais importantes autores contemporâneos repensa, e suplementa, a maturidade alcançada nos trópicos pela literatura brasileira. Parte de projeto contrastivo entre as obras de Machado de Assis e de Marcel Proust, O grande relógio: a que hora o mundo recomeça visa a solicitar (“abalar o todo”, etimologicamente) os fundamentos da literatura comparada eurocêntrica — a saber, as noções de influência, cópia e originalidade. Se viver é perigoso, avisa o ensaio em forma de alerta, desconstruir é ainda mais perigoso. Acolhamos Silviano Santiago em folhetim, em série e em processo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Ricardo Terto e a continuidade na leitura acerca da indignidade de ser negro e pobre no Brasil.
 
“Eu sou muito bom em inventar brincadeiras sem futuro”, diz o narrador deste livro, na pele do menino que foi. Tirando a parte do “sem futuro”, ele estava certo. Pois aquele que inventava as “esculturas de poeira com feixe de luz que entra pelas telhas” e a “batalha estelar de tampas de refrigerante”, no beliche de baixo do quarto de pensão onde morava com a família, agora fabula estas páginas comoventes, ásperas e muito originais, trazendo à tona um tesouro às avessas: a indignidade de ser negro e pobre no Brasil, pano de fundo de quase todo o trabalho do autor. Brincadeira sem futuro, de Ricardo Terto é publicado pela editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma nova novela do palestino Ghassan Kanafani ganha tradução e edição brasileiras.
 
Publicada originalmente em árabe em 1966 — três anos depois de Homens ao solO que lhes restou é a segunda novela do autor palestino Ghassan Kanafani. Ambientada em Gaza, a narrativa apresenta cinco personagens: Mariam, Zakaria (marido de Mariam), Hamed (irmão de Mariam, mais novo que ela), o deserto e o relógio. A história dos dois irmãos é contada por meio de uma estrutura narrativa experimental, de idas e vindas temporais e espaciais, que adota tipografias distintas para criar simultaneidades, desvios e deslocamentos. O momento presente da novela acontece no período de um dia apenas, mas a brevidade do presente — e da própria novela — é inversamente proporcional à densidade dramática, à amplitude dos eventos e à multiplicidade das camadas de sentido. Trata-se de mais uma obra-prima de um dos autores mais importantes da literatura árabe. Com tradução de Ahmed Zoghbi e publicação da Editora Tabla. Você pode comprar o livro aqui.

Um romance de estreia surpreendente sobre injustiça, desigualdade, racismo e luta.
 
Aos dezessete anos, Kiara tem muito com que se preocupar. A mãe está numa casa de recuperação. O irmão mais velho não quer saber de trabalhar, e o aluguel do apartamento do conjunto habitacional onde eles vivem vai aumentar. Uma amiga e o vizinho, um menino de nove anos, são o único alívio para a realidade dura que a cerca. Uma noite, o que começa como um mal-entendido com um estranho torna-se, aos olhos de Kiara, uma solução. Sem conseguir emprego fixo e pulando de bico em bico, ela decide se prostituir. Em meio às caminhadas noturnas em busca de dinheiro e redenção, ela encontra um problema muito maior quando cai nas mãos de policiais corruptos. Com lirismo único, Leila Mottley constrói com Criaturas noturnas uma narrativa implacável sobre jovens navegando pelos cantos mais sombrios do universo adulto. Com tradução da poeta Bianca Gonçalves. Você pode comprar o livro aqui.
 
Um novo romance da colombiana Margarita García Robayo para se ter em conta.
 
A narradora deste romance inquietante é uma mulher mergulhada em incertezas, que vive a cinco mil quilômetros de seu país natal, trabalha para uma agência de publicidade, quer obter uma bolsa para ir escrever na Holanda e mantém videochamadas periódicas com sua irmã. Em cada ângulo de sua vida estão seus medos e sua solidão, suas lembranças, seus desejos de maternidade, e o tecido muitas vezes frágil das relações familiares. Uma série de acontecimentos em sua vida cotidiana vão revelando as fissuras que se abrem na rotina da protagonista: o recebimento de uma enorme caixa difícil de abrir, um gato que passeia pelo prédio em que vive, os vizinhos que se ausentam e os que batem à sua porta, o filho de uma vizinha, as idas e vindas de seu namorado, um morador de rua. A encomenda é, também, uma obra sobre o poder arrasador do imprevisto — e da nossa incapacidade de ter controle sobre tudo, da fragilidade daquilo a que chamamos de ‘rotina’, que pode se estilhaçar em segundos, por mais que a gente tente protegê-la. Com maestria e notável economia de recursos, a colombiana Margarita García Robayo guia o leitor pelo labirinto de sua protagonista, intensa e contida a um só tempo, em uma obra repleta de vislumbres mais do que de certezas, que reafirma a autora como uma das vozes mais impactantes da atual narrativa latino-americana. (Marco Severo) Publicação da editora Moinhos com tradução de Silvia Massimini Felix. Você pode comprar o livro aqui.
 
Romance histórico inédito de José Eduardo Agualusa, uma história de amor e guerra — e música — na África colonial.
 
Em Mestre dos batuques, o escritor angolano discute questões de identidade e de pertencimento, subvertendo estereótipos e ideias predefinidas, ao mesmo tempo em que expõe os crimes e contradições do processo colonial português no continente africano. Leila Pinto está em algum lugar num futuro próximo, escrevendo uma história que começa em 1902, no planalto central de Angola. É a história de amor entre os seus avós, Jan e Lucrécia. A história de como uma remota e obscura sociedade secreta de guerreiros ovimbundos poderá ser capaz de definir o destino da humanidade. Publicação do selo Tusquets. Você pode comprar o livro aqui.
 
Releituras da peste.
 
Marcado pela pandemia de covid-19 e a invasão russa à Ucrânia, o início da década de 2020 exacerbou as discussões sobre o valor da vida humana. Entre os extremos das correntes de solidariedade e da exibição de diferenças sociais, o mundo teve a chance de se olhar no espelho e perguntar: quais vidas importam? Foi a partir de questionamentos como esse, potencializados pelo acompanhamento diário da tragédia durante o lockdown, que a psicanalista e crítica inglesa Jacqueline Rose lançou-se neste poderoso ensaio sobre a morte em nossos tempos. Para tanto, ela buscou respostas nas obras de intelectuais que se propuseram questões semelhantes em seu tempo: Albert Camus, Sigmund Freud e Simone Weil. A autora começa seu percurso pelo romance homônimo de Camus, em que a população de uma cidade da Argélia, então colônia francesa, se vê às voltas com uma epidemia devastadora. Novamente best-seller em razão dos danos causados pelo coronavírus, o livro de Camus desnuda o modo como os homens lidam com o desastre: recorrendo à negação, ou defesa, parte intrínseca do mecanismo da mente. A fina trama do ensaio segue com o exame de escritos e cartas de Freud, que no fim dos anos 1910 recebera seu quinhão de desastres ao viver a Primeira Guerra Mundial e perder uma filha para a gripe espanhola ― fato que, especula a autora, teria contribuído enormemente para que ele chegasse ao conceito de “pulsão de morte”, central na teoria psicanalítica. Já a filósofa política Simone Weil, às vésperas da Segunda Guerra, dedica-se a pensar a justiça e a violência, vendo, por exemplo, na sinistra idolatria que acometia a Alemanha nazista nos anos 1930, um espelho revelador da face da própria Europa ― inclusive da França, com sua prepotência colonial. Qual a face do mundo atual? Rose chama a atenção para a desigualdade entre os mais atingidos nestes últimos tempos ― despossuídos, mulheres trancadas em casa com homens violentos, negros vítimas da polícia ― e os super-ricos, cada vez mais ricos à custa da exploração da mão de obra e dos recursos do planeta. Mas, ao mesmo tempo, enxerga na explicitação dessas diferenças uma semente que traz imensa oportunidade de transformação. Algo praticamente obrigatório se considerarmos a próxima peste a nos espreitar ― a das mudanças climáticas. A peste: viver a morte em nosso tempo sai pela editora Fósforo. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
 
Nova edição marca os 40 anos de um romance dos mais importantes da literatura brasileira recente.
 
A violência física e simbólica, os abismos sociais e os privilégios que os acentuam, a constituição de uma elite autoritária são encenados com maestria ao longo desta narrativa polifônica e lírica, muitas vezes irônica, que cobre quatrocentos anos de nossa história. Poucas obras atingiram esse mesmo nível de complexidade, e poucas alcançaram êxito semelhante. Lançado em 1984, o livro deu a João Ubaldo Ribeiro o prêmio Jabuti de Melhor Romance, seguindo a trajetória incomum de êxito na crítica e sucesso de público. Instaurando novo olhar ficcional sobre o nosso passado, relemos o Brasil do ponto de vista dos subalternos e conhecemos personagens antológicos, inventados ou não, por um autor essencial. Um livro que fascina e subverte. É uma joia literária, verdadeiro romance fundador de nossa educação cultural e sentimental. Com uma narrativa emblemática, Viva o povo brasileiro entrelaça vidas, mitos, sonhos e lutas, revelando as nuances e as contradições de uma nação em constante transformação. Da colonização portuguesa às revoltas populares, o livro oferece um olhar profundo sobre a identidade brasileira. Publicação da Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
RAPIDINHAS
 
De olho na Academia Sueca. A editora Fósforo publicará Histórias de amor no novo milênio, da chinesa Can Xue. A escritora aparece nas listas de apostas entre os leitores como uma possível premiada com o Nobel de Literatura neste ano. A tradução brasileira é de Verena Veludo.
 
De olho no catálogo da Aboio. A editora anunciou, por ocasião das celebrações do Dia Internacional do Tradutor, que prepara a tradução de quatro obras estrangeiras, algumas delas há muito fora de catálogo: Fome, de Knut Hamsun; Obras selecionadas, de Chika Sagawa; Agostino, de Alberto Moravia; e Papéis de Aspern, de Henry James.
 
E por falar em Alberto Moravia. A Carambaia publica uma nova edição e tradução de A coisa e outros contos. O livro integra a Coleção Sete Chaves, com obras de cunho erótico. O livro do escritor italiano listado no Index romano é traduzido por Maurício Santana Dias.
 
O Brasil entre os países do lançamento mundial do... Novo livro de Chimamanda Ngozi Adichie. O romance A contagem dos sonhos, que sairá aqui pela Companhia das Letras, chega simultaneamente aos Estados Unidos, Inglaterra e Canadá em março de 2025, uma década depois do seu último título.
 
DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Alamedas escuras, de Ivan Búnin (Trad. de Irineu Franco Perpetuo, Ars et Vita, 408p.) Coletânea com 38 contos do primeiro escritor russo a receber o Prêmio Nobel de Literatura que versam sobre amor e morte como matéria inerente da natureza catastrófica da existência. Você pode comprar o livro aqui
 
2. O sedutor do sertão, de Ariano Suassuna (Nova Fronteira, 248p.) As proezas de Malaquias Pavão e uma jornada hilariante pelos intrincados caminhos do contrabando de cachaça dão a tônica deste romance de Suassuna que ficou esquecido durante anos e só veio ao público depois da morte do escritor. Você pode comprar o livro aqui
 
3. Arder na água, afundar no fogo, de Charles Bukowski (Trad. Alexandre Bruno Tinelli, HarperCollins Brasil, 240p.) Os amantes da poesia do Velho Buk têm aqui a reunião de quatro dos livros que publicou entre 1955 e 1973: Meu coração em outras mãos, Crucifixo na mão de uma caveira, Rua do Terror esquina com Via da Agonia e o que dá título ao livro. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
Ainda Clarice Lispector. O Arquivo Nacional divulgou em sua conta no YouTube um raro vídeo com um depoimento da autora de A paixão segundo G. H. acerca da entrada de mulheres para a Academia Brasileira de Letras. A instituição aprovara em 1976 a alteração do regimento permitindo a candidatura e eleição de escritoras para compor o panteão. No ano seguinte, o debate sobre o tema ganhou novos contornos com a vaga na cadeira 5. Foi na ocasião que a TV Educativa do Rio de Janeiro realizou uma enquete e ouviu vários setores da sociedade. Reproduzimos o vídeo aqui, aqui e aqui. Rachel de Queiroz foi, naquele ano, a primeira mulher a ingressar na ABL.

BAÚ DE LETRAS
 
Celebramos neste 5 de outubro de 2024, o centenário de José Donoso. Sublinhamos a efeméride recontando de algumas entradas para o Letras em torno do escritor e sua obra. Era 2013, quando a obra de Donoso começa a ganhar projeção no Brasil, eis uma matéria; e aqui uma leitura do seu principal romance. E do fundo do baú, recuperamos este depoimento de Mario Vargas Llosa.

Na passagem dos 35 anos da eleição de Rachel de Queiroz para a Academia Brasileira de Letras, o Letras publicou esta matéria, que reúne outros materiais visuais, como vídeos e imagens. 
 
O romance de João Ubaldo Ribeiro Viva o povo brasileiro alcança bem vividas quatro décadas como destacamos acima. Em outubro de 2016, o livro foi comentado aqui no Letras por Rafael Kafka. 
 
DUAS PALAVRINHAS
 
O essencial é comprar muitos livros que não são lidos na hora. Em seguida, depois de um ano, ou de dois anos, ou de cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, poderá chegar o momento em que se pensará ter necessidade exatamente daquele livro — e quem sabe ele poderá ser encontrado numa prateleira pouco frequentada da própria biblioteca.

— Roberto Calasso, Como organizar uma biblioteca

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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidade das referidas casas.

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