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Mostrando postagens de outubro, 2024

Alfabeto das colisões, de Vladimir Safatle

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Por Herasmo Braga Vladimir Safatle Foto: Ana Paula Paiva   Observa-se hoje, sem grande esforço, o quanto diversas relações e instrumentos sociais têm ficado cada vez mais precarizados. Essa visão não é escatológica, e sim, pequena descrição de como as informações, ideias e manifestações opinativas têm resultado em sentidos distintos do que a trajetória da humanidade desenvolveu ao longo da sua história. Se antes a frase de Marx, contida na obra O 18 de Brumário , “Tudo que é sólido desmancha-se no ar”, hoje, a maior parte das informações e das opiniões não se sustentam à mínima observação crítica, ou mesmo possuem em seu interior alguma base constitutiva de argumentos. Na contramão dessa precarização hegemônica, há livros com ideias fundamentadas que fazem despertar a atenção não pelo apelo, e sim, pela proposição que faz mover os sentimentos críticos que outros materiais buscam aniquilar. Um desses grandes exemplos é a obra do filósofo Vladimir Safatle, lançada recentemente e intitula

Dostoiévski, Os irmãos Karamázov e o que está permitido

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Por Tomás Baviera   Fiódor Dostoiévski viveu na segunda metade do século XIX, numa Rússia czarista que começava a incorporar certas reformas sociais. As obras que escreveu tiveram forte impacto em sua época. Os leitores de hoje também recebem seus romances com interesse. Provavelmente, a razão que explica, em grande parte, a relevância da obra desse escritor é que ele soube formular as questões que o homem moderno carregava dentro de si e, além disso, conseguiu oferecer respostas coerentes e adequadas para essas questões.   O projeto literário de Dostoiévski se desenvolve em um momento de forte influência ideológica. Inicialmente, ele conviveu com reformadores utópicos, até ser preso e condenado à Sibéria por crimes políticos. A experiência de conviver e trabalhar com os mais depravados e miseráveis ​​ da sociedade marcou-o profunda e definitivamente.   A leitura dos Evangelhos durante os anos de prisão serviu para a grande virada nas suas convicções. Das utopias modernas que ofereci

A substância enfrenta ou repete a visão masculina?

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Por Alonso Díaz de la Vega   Em seu ensaio fundacional de 1973, “Women’s Cinema As Counter-Cinema”, a crítica feminista Claire Johnston denunciou a mitologia masculina que ainda subjuga as mulheres na tela. Graças ao fato de os homens as conceberem como estereótipos, os imaginários de diretores, roteiristas, produtores, até mesmo diretores de fotografia e editores, são transferidos para a tela na forma de ingênuas que seduzem os homens com sorrisos, ou feras sexuais que sufocam as suas vítimas como súcubos. As imagens, aliás, não param por aí, na abstração, pois reforçam os preconceitos dos espectadores. Nos últimos anos, as indústrias mais poderosas do mundo tentaram, sem entusiasmo, mudar estas representações, mas muitas vezes a solução não são mulheres complexas como as mulheres comuns, mas sim fantasias utópicas que, ao reduzirem a feminilidade ao estritamente heroico, são também opressivas e fomentam ideias como a de que as mulheres governantes consertariam o mundo. Margaret That

De como evitar o afogamento entre livros: Roberto Calasso e as bibliotecas

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Por Mary Carmen Sánchez Ambriz Roberto Calasso. Foto: Enrica Scalfari Nadar entre os livros   Acumular livros não é o mesmo que possuir uma biblioteca. Um conhecido retrato do fotógrafo Rogelio Cuéllar captura José Emilio Pacheco (1939-2014) em sua biblioteca pessoal. Os livros não estão apenas nas estantes e na escrivaninha; há também volumes empilhados ao seu redor que inclusive chegam a cobrir (ou emparedar) parcialmente uma janela. Parece um redemoinho livresco. Como quem está no seu interior, sem medo do naufrágio iminente entre papéis e letras, o escritor olha para a câmera com serenidade.   Essa paisagem descreve muito bem o ambiente de onde surgia a coluna “Inventário”. Num tempo posterior à Enciclopédia Britânica (que Borges tanto elogiou), mas anterior à Wikipédia, Pacheco nadava entre os livros durante dias ou semanas para configurar textos que pareciam concentrar tudo em torno dos temas escolhidos, geralmente questões sociais ou políticas atuais, ou, ainda, o que era mais c