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Mostrando postagens de outubro, 2024

É a Ales, de Jon Fosse

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Por Pedro Fernandes Jon Fosse. Foto: Ole Berg-Rusten   Depois de vários anos inteiramente dedicados à escrita para o palco, Jon Fosse regressa à prosa ficcional com É a Ales ; àquela altura, somava mais de sete dezenas de títulos, incluindo poesia, novela e livros para a literatura infantil e era reconhecido um dos dramaturgos mais importantes do seu tempo e entre os vivos um dos mais representados no mundo. O destaque no teatro parece constituir uma marca importante no restante do seu universo criativo e dizemos isso considerando este romance de 2004.   Uma das incursões de Fernando Pessoa pelo teatro, O marinheiro , se tornou exemplo para o que ele próprio designou como teatro estático, “cujo enredo dramático não constitui ação — isto é, onde as figuras não só não agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têm sentidos capazes de produzir uma ação; onde não conflito nem perfeito enredo.” 1 O designativo do poeta português cai bem para compreenderm

Morte por pós-produção

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Por Diego Cuevas Adrien Brody em Além da linha vermelha .   A anedota é bastante popular: em dezembro de 1998, Adrien Brody compareceu à exibição para a imprensa em Nova York de um filme chamado Além da linha vermelha , dirigido por Terrence Malick. O ator sentou-se pela primeira vez assistindo ao filme bastante animado, sem ter visto anteriormente nada do material filmado, mas feliz porque em teoria seu papel no filme era muito importante para a história. A participação nesse projeto significou frequentar um treinamento militar, onde passou sete noites dormindo no meio da selva em uma pequena barraca, muitas semanas de filmagens dando o melhor de si e vestindo todos os dias um uniforme que “nunca se se movimentaram para lavar." Depois de tanto trabalho, e depois de esperar alguns meses para que a pós-produção fizesse a sua parte, Brody finalmente estava prestes a assistir com os jornalistas um corte preliminar do filme, uma versão de duzentos e quinze minutos que Malick nem havi

Morte em pleno verão, de Yukio Mishima

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Por Eduardo Galeno Mishima por Kishin Shinoyama em A morte de um homem .   Mishima se forma dentro de mim como um autor que, quando leio, sinto um mecanismo sem limites de prazer textual. O seu repertório em descrever e narrar situações humanas é encontrado vastamente nas miúças. Minha introdução na prosa dele, me lembro, foi Vida à venda , algo de insultuoso em relação à vivência do cotidiano, praticado por um jovem, dormente, determinado a se matar por um preço. O livro é quase do fim da existência de Hiraoka — Kimitake Hiraoka é o nome verdadeiro — e excedeu, para mim, justamente nesse apanhado de histórias em que alguns tipos são desenvolvidos. Muitas espécies de jogo narrativo — rítmico, inclusive —, personagens e ideias estão remexendo no que ele escreveu. É um quadrado de exposições, possivelmente vindo através da fusão conceitual da totalidade poética de Mishima, que vai ganhando corpo durante a leitura.   Morte em pleno verão confere uma severidade tremenda, que assusta um

Na aurora do surrealismo

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Por Mauricio Montiel Figueiras André Breton, o papa do surrealismo. Foto: Man Ray. Duas figuras que tiveram uma influência definitiva para o surrealismo foram Henri Rousseau e Ferdinand Cheval. Atraídos pelas possibilidades libertadoras da arte naïf, os surrealistas tomaram como modelo inaugural Rousseau, que ficou conhecido pela alcunha de o aduaneiro devido ao primeiro posto que obteve no Gabinete de Arrecadação de Impostos de Paris. Embora tenha trabalhado por mais de duas décadas como cobrador de impostos, Rousseau sempre se interessou por arte, por isso aos quarenta anos decidiu começar a pintar. Quatro anos de experiência na infantaria francesa (1863-1867) permitiram-lhe inventar uma viagem ao México; o fruto dessa viagem, afirmava, eram as selvas reproduzidas em pinturas tão fascinantes como O sonho (1910). Contrariamente ao impulso fantástico que a sua obra transmite, Rousseau insistiu na representação de uma “realidade atestada”; para dar verossimilhança aos seus cenários ex

Oito poemas de “O Orvalho Numa Folha de Lótus”, de Ryokan

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)*     I.   quem disse que os meus poemas são poemas? os meus poemas não são poemas quando souberes que os meus poemas não são poemas então poderemos falar de poesia!       II.   quando era jovem passeava pela cidade, um rapaz alegre e charmoso ostentando um manto do mais suave que há montado num esplêndido cavalo castanho durante o dia, galopava pela cidade de noite, embriagava-me de pétalas de pessegueiro, junto do rio nunca pensava em voltar para casa quase sempre acabava os meus dias num pavilhão do prazer com um grande sorriso no rosto!         III. ao meu professor   uma velha campa, escondida no sopé duma colina deserta coberta de ervas daninhas, crescendo sem controlo ano após ano não há quem cuide da campa só de quando em vez um lenhador passa por aqui em tempos fui seu discípulo, um jovem de grande cabeleira absorvendo toda a sua sabedoria junto do Rio Estreito uma manhã iniciei a minha jornada solitária e em silêncio os anos passaram

Boletim Letras 360º #607

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LANÇAMENTOS   A primorosa biografia de uma das personalidades mais contraditórias da literatura brasileira .   Escrito no estilo cinematográfico de Lira Neto e amparado em farto acervo documental, este livro apresenta Oswald de Andrade em sua verve sarcástica, lírica e demolidora. Neste mergulho radical na trajetória do escritor, o biógrafo explora as muitas contradições da personalidade do polêmico biografado: blasfemo e temente a Deus, burguês e comunista, apaixonado e adúltero. O escritor genial, autor de romances experimentais e poemas revolucionários, exibia comportamento ao mesmo tempo febril e sentimental, amoroso e explosivo. Pensador vigoroso, usava a violência verbal e o sarcasmo como armas contra o conformismo intelectual. Era, acima de tudo, um personagem de si mesmo. Respaldada em vasta pesquisa em arquivos, incluindo cartas, diários e manuscritos, esta meticulosa biografia, narrada em ritmo eletrizante, revela que Oswald não se restringiu ao papel de ativista do modernis