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Maestro di Jean Mansel. Gerbino embarca no navio da filha do rei de Túnis. Ente Nazionale Giovanni Boccaccio. |
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O exórdio é o pulo apresentador, demonstrativo, antecipando
o corpo de uma enunciação. E estou certo de que ele, se não fosse pela adesão
corriqueira das escritas modernistas pela dinamite-signo — que tem seu poder
armado naquela querela de negação —, passaria perto do que formulamos hoje como
‘normal’ nas poéticas (ao menos em vias originalmente comuns). É nítido, porém,
que o exórdio, em matéria aristotélica, é muito mais retórico, exibido no
para-além da literatura, que qualquer outro ponto. Apesar disso, nós — que
ficamos habituados à introdução — temos em mão vários e vários exemplos de
práticas letradas que usaram e abusaram desse ornamento. Desde a entrada de
Homero na boca de Ulisses à saída de Camus na loucura de Mersault, esses
movimentos se declararam na clareira do dia. Não seria diferente em Boccaccio.
Persistência, quase no fim do tempo medieval, que ele busca no
opus
Decameron: insistência da moralização. Melhor: invenção de uma prática
moral. O exórdio experimenta, nesse tipo, um lugar de estratégia linear: eu
mostro a ti o que vai acontecer, eu te dou pistas do que você vai ver. É o que
acontece nos contos boccaccianos, precisamente na quarta novela. Ela estrutura,
em três vezes, três momentos: um começo, um desenvolvimento e um fim. O meio
(ou
medium) e o fim estão em constante aproximação, é claro, com o
exórdio. Diria que eles refazem, antes, um percurso que já fora estabelecido
(afinal, dentro dos trâmites do exterior, essa guinada de um modo para o outro
não seria outra coisa que uma repetição). Essa ponte é um corte-clichê:
Boccaccio tira, não se sabe de onde e nem quando exatamente (porque, afinal, as
letras em si mesmas são lugares desterritorializados), informações-estereótipo.
O exórdio é uma delas. Ele informa o aspecto útil de vários enunciados, todos
eles bem arquitetados. Podemos dizer que ele constrói o tecido, (pode) faz(er)
um texto. Sua função é adestrada como inteira, embora muitas vezes seja
requerida às pressas, às vezes ocorrendo sequer no começo do enunciado. Pois
bem: é o exórdio da quarta novela da quarta jornada. Ele apresenta a história
de dois jovens, Gerbino (neto do rei Guilherme) e a filha do rei Túnis, que se
apaixonam um pelo outro no redemoinho de idealidades que os impregnam através
das famas da beleza e do valor, duas típicas do romance pré-moderno. “Amáveis
senhoras”, diz Elissa, a narradora do conto, “são muitos os que creem que o
Amor desfere suas setas somente quando inflamado pelo olhar e zombam dos que
defendem que é possível apaixonar-se só por ouvir falar da outra pessoa; que
estão enganados é coisa que ficará clara pela história que pretendo contar. Com
ela lhes será mostrado que a fama não só fez isso, sem que os enamorados jamais
se tivessem visto, como também que levou ambos a uma morte miserável.” O resto
da narração é imbricado diretamente a esses
subtecidos: Justiça,
Esperança, Honra. O que faz com que ele saia e convença no fim, juntamente aos
outros tópicos do eixo temático (
amores com fim infeliz), é muito porque
no exórdio há a assimilação teleológica, um tipo de expectativa pré-constituída
que o ouvinte já precisa ter em si. Isso restitui, então, por que a Retórica
clássica se repartia em duas ocasiões:
res e
verba. O material
discursivo preenche a questão do assunto e é moldado, enfim, pelo estilo:
teremos o entimema “o Amor é destruidor, logo é ruim”? Nada mais falso para uma
ficção medieval. Se pensarmos bem, há uma varredura, sim, na conceitualização
do Amor enquanto maneira de conceber o outro, mas ele é sugerido como
crueldade: “maldito seja o ponto onde o amor nasce de tal maneira que a vida
inteira Ele a domina à vontade” (
rima de Guido Cavalcanti, contemporâneo
das novelas). Referidas as questões, me parece que no gênero epidítico (loas ou
vitupérios a algo ou alguém) também se acopla o judiciário (sê justo ou
injusto). Caso: o amor que nasceu da junção entre dois filhos da soberania e
que termina em tragédia. Em outras linhas de posição, o plano do tema do conto
de Elissa, na pena de Boccaccio, é uma defesa discursivo-persuasiva de uma
premissa, locução servida por fora da razão textual, apesar de tê-la como base.
Isso significa que a escrita de Boccaccio sofre à maneira de dois ou mais elos
que ou querem fazer mudar a dinâmica que de quem as recebe ou, de modo
exageradamente aberto, deixar passar intencionalmente (a Retórica como norma)
uma fala, uma posição, uma certificação do
logos de determinada
comunidade (a sociedade cristã do medievo e quasi-renascentista). É por esse
motivo que produções como a do
Decameron apenas focam sua importância se
submetidas à heurística dos tempos perdidos: funções e perfis: tínhamos heróis
e donzelas na representação das altas patentes. Eles foram transferidos pela
aglutinação de ladrões e prostitutas no mesmo espaço (que já não é um
espaço,
na verdade, e sim
dilatação de lugares). O contexto que o exórdio
experimenta é multiplicado. Talvez nós nunca tivemos uma superação catastrófica
de práticas que parecem velhas; mudamos conforme a música foi trocando.
Pensemos em introduções com
motivos toda vez que lermos um conto de
quase mil anos. Vejamos a
logografia se espelhando na
psicagogia,
os efeitos do discurso se tornando os efeitos da alma e Boccaccio respeitando
tanto o céu como a terra.
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