Boletim Letras 360º #603
Armando Freitas Filho |
Todas as crianças do mundo,
romance de estreia da aclamada poeta israelense Tal Nitzan, narra a história
delicada de quatro protagonistas humanos e uma gata, em meio à violência
arbitrária da vida urbana.
Eli é uma mãe solteira e
jornalista cultural cujo único consolo é seu angelical filho Noam, de quatro
anos. Alex, um professor de filosofia constantemente acompanhado por uma
timidez petrificante, prefere a companhia de uma impetuosa gata de rua, que parece
ter escolhido sua casa como lar. Sivan é uma adolescente frágil, atormentada
pela solidão e pela cruel indiferença de seus colegas. As estações mudam do
verão para o outono, depois para a guerra, para o inverno e para o início da
primavera, enquanto os destinos de Eli, Alex e Sivan convergem lentamente em
meio à urbanidade selvagem da Tel Aviv contemporânea, uma fera que, no entanto,
produzirá o bem mais precioso de todos: a ternura. Tal Nitzán reúne com uma
prosa lúcida e afiada três vidas cuja quietude apenas esconde a tempestade de
emoções interiores. As múltiplas narrativas que atravessam o livro trazem à
flor das páginas uma cidade e suas almas perdidas. Cada frase cuidadosamente
tecida, permeada pelo universo poético visceral de Tal Nitzán, acrescenta
profundidade à questão central do primeiro romance da autora israelense: como
podemos superar nossas solidões fundamentais? Contemplativo, mas vibrante como
uma pintura de Cézanne, Todas as crianças do mundo encapsula nossa
condição moderna: a selvageria da vida urbana, a guerra, distante e próxima, e
a nobreza do coração humano. Publicação da Ars Et Vita; tradução de Eliana
Langer. Você pode comprar o livro aqui.
Os contos de Izumi Suzuki
revelam uma realidade talhada pela distorção e o espetáculo.
As convenções de gênero
escancaradas, os métodos para anestesiar ou esquecer, o vício em telas e a
distorção entre realidade e espetáculo: a obra de Izumi Suzuki, escrita durante
os anos 1970 e 1980, parece estar mais próxima do atual Black Mirror do
que de muitos clássicos da ficção científica. É o caso das viagens de
consciência de “You may dream” e de “Lembranças do Seaside Club”, da distopia
queer “Um mundo de mulheres com mulheres” e da violência televisionada de
“Tédio terminal”, conto que dá título ao livro. Ainda que, é verdade, não
faltem a estas histórias boas doses de fantasia e absurdo, como poltronas
falantes, pretendentes amorosos alienígenas e tensões diplomáticas
interplanetárias. Izumi Suzuki empresta a seus narradores e protagonistas uma
voz emocionalmente desapegada que torna este conjunto tão singular quanto
perturbador. Somando as inúmeras referências à música e ao cinema, as
complicações dos relacionamentos familiares e amorosos, e um inconformismo não
histérico, que aponta os arranjos sociais e vira o espelho para nós, a
coletânea de contos Tédio terminal permanece como quem a escreveu:
única, radical e eternamente jovem. Publicação da editora DBA. Tradução de
Andrei Cunha, Rita Kohl e Eunice Suenaga. Você pode comprar o livro aqui.
Primeiro romance escrito pela
premiada escritora franco-camaronesa Léonora Miano, Stardust nos envolve
na vida árida de Louise, uma jovem migrante, mãe de uma bebê, em seu esforço de
sobreviver na periferia de Paris.
Longe dos estereótipos da Cidade
Luz, o que vemos são a penumbra e a insalubridade dos abrigos para pessoas que
vivem à margem, nos centros de reinserção e acolhimento, com suas mazelas e
rudezas, imersas no racismo e no colonialismo. Neste romance, a solidão e a
busca pela dignidade andam juntas em dormitórios coletivos e pelas ruas que não
aparecem nos cartões-postais. Stardust foi publicado pela primeira vez
mais de vinte anos depois de escrito. Finalmente, é possível acompanhar o
estado de apreensão e esperança de uma exilada africana em uma das mais
importantes cidades do mundo. Publicação do selo Autêntica Contemporânea; tradução
de Dorothée de Bruchard. Você pode comprar o livro aqui.
Nos nove contos de Quando
chega nossa vez acaba, Rafael Simeão compõe um mosaico de personagens
cativantes, profundamente reais, de uma mesma vizinhança no Rio de Janeiro.
No conto que dá título à coletânea de Rafael Simeão, uma família que nunca pode tirar férias finalmente consegue alugar um pequeno cômodo em uma ilha turística. Dalva, a mãe, trabalha numa ótica, o dia todo de pé, e mal pode esperar pela aposentadoria. Jorge, o pai, é taxista e vê a classe sofrer com a ascensão dos aplicativos de mobilidade. Junin, o filho mais novo, é bom em matemática e totalmente sedentário. Amanda, a mais velha, entrou em uma universidade pública e está deslumbrada com o novo mundo à sua frente. Na viagem, ela quer fazer trilhas e aproveitar o feriado ao máximo, mas a família gostaria apenas de curtir a praia sem muitas cobranças. Só que nada, nunca, sai como eles esperam. Enquanto os acompanha ao longo de quatro dias inesquecíveis (ou frustrantes), o autor aos poucos introduz personagens e cenários que orbitam esse núcleo e fazem parte de um universo complexo e interconectado. Suas histórias se desdobram nos contos seguintes até culminar com “Areia”, uma narrativa impressionante sobre desejo, sobrevivência e ambição. Além do retrato perspicaz do dia a dia, o que está em jogo na obra de Simeão é o poder de uma narrativa densa e multifacetada, que reproduz o ritmo turbulento da vida urbana. Em uma prosa radicalmente coloquial, mesclando tragédia e humor, o autor constrói um mosaico de trabalhadores em suas batalhas inglórias e pequenas vitórias épicas. Publicação da Alfaguara Brasil. Você pode comprar o livro aqui.
Yazmina Reza, com sua maneira
implacável, mas divertida, joga a realidade na nossa frente como uma pintura
provavelmente branca, ou talvez não, perguntando-nos o que vemos.
Um quadro branco, aparentemente
branco, talvez não exatamente branco. Três bons e velhos amigos, aparentemente
bons, talvez não exatamente amigos. Se a especialidade de Yazmina Reza é
revelar a realidade a partir de uma pequena fresta, desta vez a fresta está
pendurada na parede: uma pintura branca, com listras brancas, pela qual Serge
pagou duzentos mil francos e que seu amigo Marc acha que é pura “m*rda”. Daí as
aspas no título: “é arte?” Duzentos mil francos? Será que ele
enlouqueceu? Quem é essa pessoa que eu pensava ser meu amigo? Em um turbilhão
de diálogos que lembram O deus da carnificina e nos quais um terceiro elemento,
dócil, também estará envolvido, a natureza de um triângulo de amizade é
gradualmente revelada em seu egoísmo, vaidade e hipocrisia. Quem é o outro e
quem sou eu? “Se eu sou eu porque sou eu, e você é você porque você é você, eu
sou eu e você é você, se, por outro lado, eu sou eu porque você é você, e você
é você porque eu sou eu, então eu não sou eu e você não é você”. “Arte” sai pela Âyiné com tradução de Pedro Fonseca. Você pode comprar o livro aqui.
No conto que dá título à coletânea de Rafael Simeão, uma família que nunca pode tirar férias finalmente consegue alugar um pequeno cômodo em uma ilha turística. Dalva, a mãe, trabalha numa ótica, o dia todo de pé, e mal pode esperar pela aposentadoria. Jorge, o pai, é taxista e vê a classe sofrer com a ascensão dos aplicativos de mobilidade. Junin, o filho mais novo, é bom em matemática e totalmente sedentário. Amanda, a mais velha, entrou em uma universidade pública e está deslumbrada com o novo mundo à sua frente. Na viagem, ela quer fazer trilhas e aproveitar o feriado ao máximo, mas a família gostaria apenas de curtir a praia sem muitas cobranças. Só que nada, nunca, sai como eles esperam. Enquanto os acompanha ao longo de quatro dias inesquecíveis (ou frustrantes), o autor aos poucos introduz personagens e cenários que orbitam esse núcleo e fazem parte de um universo complexo e interconectado. Suas histórias se desdobram nos contos seguintes até culminar com “Areia”, uma narrativa impressionante sobre desejo, sobrevivência e ambição. Além do retrato perspicaz do dia a dia, o que está em jogo na obra de Simeão é o poder de uma narrativa densa e multifacetada, que reproduz o ritmo turbulento da vida urbana. Em uma prosa radicalmente coloquial, mesclando tragédia e humor, o autor constrói um mosaico de trabalhadores em suas batalhas inglórias e pequenas vitórias épicas. Publicação da Alfaguara Brasil. Você pode comprar o livro aqui.
Uma das biografias mais completas do escritor e filósofo francês Albert Camus.
Com base na correspondência pessoal de Albert Camus, em gravações inéditas e entrevistas com familiares, amigos e amantes do escritor, Olivier Todd revela em Albert Camus: uma vida toda a complexidade de um escritor charmoso e virulento, sincero e teatral, arrogante e inseguro. Em 4 de janeiro de 1960, voltando para Paris depois de um feriado, Albert Camus morre em um acidente de carro. “Uma morte imbecil”, como ele costumava dizer a respeito de fatalidades em acidentes automobilísticos. Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1957, aos 43 anos, Camus foi um herói da Resistência, um defensor dos árabes muçulmanos de sua Argélia natal, um comunista que lutava contra o stalinismo e um dos principais líderes de sua geração de escritores, com uma obra construída em torno do absurdo e da revolta. Nascido no ano de 1913 em uma fazenda perto de Mondovi, na Argélia, Camus não poderia ter uma origem mais proletária. Durante a juventude, filiou-se ao Partido Comunista. Encontrando no jornalismo a “profissão superior”, Camus começou a escrever para o periódico liberal Alger Républicain, ao mesmo tempo que produzia peças para o centro de cultura da Argélia. Foram essas campanhas políticas para denunciar a miséria dos muçulmanos que o obrigaram a abandonar seu país natal, onde não conseguia mais trabalho, e a se exilar em 1940 em Paris, onde produziu suas principais obras. Na França, além da publicação de seus aclamados romances O mito de Sísifo e O estrangeiro, Camus aproximou-se de Sartre, e os dois, com Simone de Beauvoir, tornaram-se inseparáveis. Colaborador e incentivador do jornal clandestino Combat, um marco da história da imprensa francesa, Camus se estabeleceu como uma celebridade em Paris ao fim da Segunda Guerra Mundial: romancista com boas vendas, filósofo, editor de um importante jornal e personagem polêmico que recusa a Legião de Honra e um convite para ingressar na Académie Française. Em 1951, afastado do Partido Comunista e brigado com Sartre e com os intelectuais franceses de esquerda, publicou O homem revoltado, e, cinco anos depois, A queda, com o qual deu sinais de desilusão, isolamento e solidão. Com base na correspondência pessoal de Camus, em gravações inéditas e entrevistas com familiares, amigos e amantes do escritor, Olivier Todd revela toda a complexidade de um escritor charmoso e virulento, sincero e teatral, arrogante e inseguro. O biógrafo contrapõe a vida de Camus a momentos históricos, como a ocupação francesa do norte da África, e ao ambiente da Paris literária do pós-guerra. Ele avalia o sucesso de Camus e sua vida privada conturbada, com uma atração compulsiva por mulheres, a luta contra uma tuberculose debilitante e as polêmicas intelectuais em defesa de suas posições políticas. Publicação da editora Record; tradução de Monica Stahel. Você pode comprar o livro aqui.
RAPIDINHAS
Coleção Errar Melhor 1. Coordenada por Joca Reiners Terron para a Martins Fontes, a coleção reunirá ensaios e reflexões críticas em torno do ofício da escrita.
Coleção Errar Melhor 2. Em outubro saem os dois primeiros títulos: Os mortos indóceis. Neoescritas e desapropriação, de Cristina Rivera Garza e As aulas de Hebe Uhart, de Liliana Villanueva.
Flor Canosa. É outra das escritoras argentinas a aportar entre os leitores brasileiros. A Pontoedita prepara, com tradução de Mauricio Tamboni, a publicação de Os acidentes geográficos.
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