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Mostrando postagens de setembro, 2024

Truman Capote ou como acabar de uma vez por todos com seu talento

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Por Iker Zabala   “Ah, sim, penso muito no suicídio. E conheço algumas pessoas que tenho certeza de que ainda vão se suicidar. Truman Capote, por exemplo”. Yukio Mishima, citado por Truman Capote em Música para camaleões . Truman Capote. Foto: Irving Penn   Ao contrário de Yukio Mishima, Truman Capote não planejou o seu suicídio como uma cerimônia de profundo significado diante do olhar atônito do mundo; também não infligiu a si mesmo a morte de forma rápida e quase indolor, depois de uma vida infeliz de arrivismo, ambição, fracasso e culpa, como fez a sua própria mãe. O processo de autodestruição física (e literária) de Capote foi muito mais sutil, lento e implacável.   O escritor estadunidense se propôs desde criança a ser um autor de sucesso, rico e famoso, e com apenas vinte e três anos conseguiu colocar por escrito com um estilo prodigioso e precoce os segredos de sua alma dolorida: seu primeiro romance foi um colossal trabalho de juventude, delineado graças ao talento que as mu

Cinco poemas do romantismo inglês — pela pena dos seus mais celebrados artífices¹

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  Por Pedro Belo Clara     Joseph Arthur Palliser Severn. Landscape with Distant Mountains, 1899.   GEADA À MEIA-NOITE 2 (S. T. Coleridge, 1772 - 1834)   A Geada executa o seu secreto ministério, Sem auxílio de qualquer vento. O grito da corujinha Alto soa — e, escutem!, de novo, tão alto quanto antes. Os hóspedes da minha cottage , já em repouso, Deixaram-me à mercê dessa solidão que propicia Abstrusos devaneios: isto exceptuando, a meu lado Meu filho em seu berço tranquilo adormece. Tão sereno! De modo tal que perturba E vexa a meditação com o seu invulgar E completo silêncio. Mar, colina e madeira, Esta vila populosa! Mar, colina e madeira, Com todos os incontáveis eventos da existência, Inaudíveis como sonhos! A fina chama azul Do fogo ardendo lento permanece e não se agita; Apenas essa película, palpitando na grade,   Palpita ainda, o único elemento inquieto. Creio que os seus movimentos, nesta quietude natural, Concedem-lhe obscuras simpatias para comigo, que vivo, Tornando-a u

Boletim Letras 360º #603

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Armando Freitas Filho   LANÇAMENTOS   O último livro deixado por Armando Freitas Filho .   Com maestria e absoluta sensibilidade, o autor revisita os temas que lhe são caros — o ofício da poesia, o Rio de Janeiro, a passagem do tempo, o amor, o desejo e a finitude. Ver, escrever, ler, reler. À máquina, à mão, ou a lápis, no computador. De pé, com pressa, no tumulto do dia, com caneta emprestada. Ou então sentado, à noite, no silêncio da casa. Poema fresco, novíssimo, rasurado, que se escreve enquanto o pensamento caminha. Poema impresso, na folha amarelada, guardado na estante, lembrado de cor, ou quem sabe esquecido, sem nenhum resquício do que o motivou. O poema, como se percebe neste livro, serve para ver melhor. Para reconhecer a própria casa, seus ruídos, sua mobília e seus moradores. Para decodificar a paisagem, enxergar o mar batendo na pedra e também para observar a precariedade e a beleza dos dias, o envelhecimento, o esquecimento, a suspensão e a linha do horizonte. Com Resp

Armando Freitas Filho, poeta do seu tempo

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Por Pedro Fernandes   “Mas como não sou prosador de ofício e sim poeta do meu tempo, sem odes e odisseias, minhas linhas são magras almejando ser graciliânicas em um dia excepcional qualquer.” Armando Freitas Filho. Foto: Ricardo Borges As aspas são de Armando Freitas Filho e estão num texto em que o poeta nascido no Rio de Janeiro a 18 de fevereiro de 1940 responde, diante de uma mesa em constante expansão de acúmulos, à pergunta “Preciso ou não arrumar minha mesa?” — título que integra o livro Só prosa (2022). As linhas magras, graciliânicas, compôs uma obra extensa e singular para a poesia. Nos vários registros que deixou, encontramos como recorrente, uma expressão miúda, contornada por uma timidez, e que se enraíza numa poesia cujo tempo se abriu para a dúvida ante a constância do sujeito e das coisas.   Nos registros de imagem, que também a partir da sua geração, encontrou o mesmo campo de importância e divide significação com os materiais verbais, é singular uma fotografia de R

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

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Por Pedro Fernandes Ronaldo Correia de Brito. Foto: Hélia Scheppa   Uma vez próximo ao desfecho de Rio sangue irrompe mais um dos muitos regatos que constituem o todo complexo de uma história que ambiciona contar a formação do interior do Nordeste brasileiro, quando os portugueses amargam as primeiras crises econômicas com a colônia fundada em 1500 e iniciam o processo de avanço pelos sertões. Neste breve fio, situado mais próximo do nosso tempo, encontramos um interessado em contar a história que vimos lendo e entre os problemas levantados no e a partir do diálogo com a prima, uma professora primária, está a ausência de uma obra literária capaz de, perfazendo o poder da épica, contar das inúmeras batalhas assumidas entre colonizadores e indígenas até a posse dos territórios em nome da Coroa. Recuperamos essa passagem porque nela parece que encontramos o interesse do próprio Ronaldo Correia de Brito com este romance.   Embora a personagem referida não esteja totalmente ignorante, sua