Nossas noites: a pequena última pérola de Kent Haruf
Por Vinícius de Silva e Souza
Bem aqui do seu lado, onde ela sempre está.”
“E então um dia Addie Moore fez uma visita a
Louis Walters”. Com tamanha simplicidade Kent Haruf inicia aquele que viria a
ser seu último romance: apenas uma senhora indo visitar seu vizinho. Mas o que se
desencadeia a partir daí, não possui nenhum vestígio de superficial ou banal — muito
pelo contrário: em suas cento e cinquenta e sete páginas, na edição brasileira,
Nossas noites vai fundo na solidão da terceira idade e nas conexões
humanas.
O enredo: Addie decide começar a
passar as noites com seu vizinho de longa data Louis. Ela, viúva, ele, também.
Assim que faz a proposta, de que ele vá à casa dela todas as noites apenas para
conversarem e dormirem juntos, logo deixa claro: não é sobre sexo; e sim, sobre
solidão: “Estou falando de ter uma companhia para atravessar a noite, para
esquentar a cama. De nós nos deitarmos na cama juntos e você ficar para passar
a noite. As noites são a pior parte. Você não acha?”.
Para Addie, “as noites são a pior
parte” e isso sintetiza bem o romance: ao fim da luz solar, ao nos recolhermos
às nossas casas e aposentos, é o momento em que os solitários se afligem, onde
o silêncio de vozes que não sejam as da televisão dói. Para esta senhora, aos
setenta e tantos anos, em uma casa grande, o som do silêncio é ainda mais alto.
Por isso, então, a proposta que Louis aceita: “Resolvi que não vou mais ficar
me preocupando com o que as pessoas pensam. Já fiz isso tempo demais — a minha
vida inteira. Não vou mais viver desse jeito.”
A chegada do neto de Addie muda a
dinâmica recém-estabelecida, ao passo que, simultaneamente, aprofunda o tom
afetuoso do romance. Mas são os episódios em que contam um para o outro as suas
vidas que o romance ganha força. A intimidade desses acontecimentos transborda
a medida em que vamos conhecendo mais Louis e Addie e o passado dos dois.
O caminho inverso, de avançar a
história indo para trás, narrando eventos que já se encerraram, funciona
perfeitamente. E, como leitores, atuamos como espectadores quase voyeuristas
assistindo, de tão perto, no escuro do quarto, a intimidade de Addie e Louis.
O mesmo se passa com o episódio da
viagem: ao nadarem despidos em um lago, o calor emana das páginas ao acompanharmos
esse momento de plenitude entre os protagonistas, recém-descobertos de uma
espécie de prazer e alegria na vida, mesmo que tardiamente — e isso ocorre
justamente antes da virada da dinâmica.
“Quem no mundo consegue o que
quer? Isso não parece acontecer com muita gente, se é que acontece com alguém.
São sempre duas pessoas esbarrando uma na outra cegamente, agindo de acordo com
velhas ideias, sonhos e interpretações equivocadas. Só que eu continuo dizendo
que isso não se aplica a nós dois. Não neste momento, não hoje.”
A recusa de Gene, filho de Addie,
em aceitar ou entender a dinâmica do convívio entre a mãe e Louis reflete as
amarras sociais — e principalmente à solidão que impomos aos idosos. Ele se
preocupa mais com o que a cidade diz do que com o que sua própria mãe lhe diz
(que está mais feliz, que está melhor convivendo com Louis, que não é nada
demais).
A decisão de Addie em se afastar
de Louis para se aproximar do neto parte seu coração — e o nossos também, mas
não é nada além de plausível. É preciso se aproximar do único pedaço de família
que ainda tem, enquanto há tempo. E cabe apenas às crianças o papel de se
conectar aos idosos, seus avós. Porque os adultos ou não têm tempo ou não têm
paciência para isso. A vida é como um arco: infância e terceira idade são os
polos e os polos sempre se encontram e entendem.
Apesar da tradução emanar
exatamente a intimidade que é tão núcleo do romance, o título original, Our Souls
At Night também não fica muito atrás: este romance trata do brilho das
almas e espíritos de Louis e Addie; o sopro de vida que um traz ao outro, no
momento da vida em que o amor se faz tão necessário e no qual ele está tão
ausente.
Em seu final agridoce, depois de
mudanças e mudanças, a conversa dos dois ao telefone deixa isso muito claro: o brilho
não se apagou. E irá permanecer radiante por quanto tempo puder.
“São só dois velhos conversando no
escuro, disse Addie.”
Ligações a esta post:
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Nossas noites
Kent Haruf
Sonia Moreira (Trad.)
Companhia das Letras, 2017
Companhia das Letras, 2017
160p.
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