Por Alejandro Zambra
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Giorgio De Chirico. Praça, 1913. |
Dois anos atrás, os editores da Etiqueta
Negra deram início a uma nova seção da revista que consistia em escrever
contra os colegas, ou, como então me explicou Marcos Avilés, “contra os males
do ofício, os vícios e enfermidades da ocupação”. Neste contexto Martín Caparrós
escreveu contra os cronistas; Alberto Fuguet, contra os cineastas; e Marcos me
pediu que escrevesse contra os poetas.
Aceitei, claro. Escrevi — a sério
e brincando — uma diatribe a partir de minhas próprias experiências. Pareceu-me
uma honra fazer uma versão incidental [de paso], modesta, do divertido ensaio
de Witold Gombrowicz.1 Lembro de logo ter recebido algumas reações
favoráveis, que em geral valorizavam a veia satírica do artigo. E em seguida
dele me esqueci, ou melhor, arquivei-o para sempre, ou pensava que para sempre.
Tempos depois, quando a publicação
completava quase um ano, Luis Martínez Solorza, o homem polivalente por trás de
letras.s5.com — o principal site para entender (ou não entender) os bastidores
da literatura chilena —, encontrou o artigo na página da Etiqueta Negra
e decidiu recuperá-lo. Martínez não julgou necessário indicar a data ou as
circunstâncias da publicação original e eu tampouco fiquei sabendo de que ele o
havia colocado em sua página até que um amigo entrou em contato para dar sua
opinião sobre — como disse, bastante alarmado — a polêmica.
Em pouco tempo compreendi a que
texto se referia e pude comprovar que de fato meu artigo havia provocado
tardiamente algumas reações furiosas. Por exemplo, o poeta Javier Campos
apontava: “É lastimável ler artiguinhos que zombam cruelmente dos poetas em sentido
geral ou talvez certo rancor da parte de quem escreve para talvez se vingar de
conhecidos poetas santiaguianos (porque há referências a poetas locais chilenos
que vivem na capital assim creio).” Ao ler estas linhas senti um enorme
assombro sintático, mas logo as li novamente e as compreendi.
Um ajuste de contas com meus
inimigos? Não era essa a minha intenção. Talvez fosse, sim, um ajuste de
contas, mas diante do espelho, porque cometi e certamente seguirei cometendo
muitos ou quase todos os delitos que meu texto denuncia: publicar livros de
poemas, dar entrevistas prematuras, organizar revistas literárias efêmeras,
aparecer em antologias ou delas desaparecer e — last but not least — adorar
Alejandra Pizarnik. Doeu um pouco mais em mim, contudo, uma nota assinada por
Javier del Cerro expressivamente intitulada “Contra Zambra”, na qual me acusava
de haver mudado de amigos e de renegar meu passado como poeta por ter me
transformado em narrador.
Redigi, resignado, uma resposta na
qual não tive outra opção a não ser explicar o gracejo, e também esclareci que
não havia mudado de amigos e que não havia passado da poesia para a prosa
porque de fato nunca deixei de escrever poesia. É claro que me arrependi sem
demora dessa elucidação na qual acabava me defendendo de forma penosa. A
polêmica continuou, e até mesmo — digo isso com certo orgulho — o escritor
Gonzalo León intercedeu por mim, ainda que — digo isso sem orgulho — eu fosse
até então mais propriamente seu inimigo (“todos sabem que não sou um devoto de
Zambra”, dizia neste artigo, surpreendentemente, León).
Releio o que escrevi e entendo o
possível desconcerto dos leitores. Que importância têm essas disputas mais ou
menos apaixonadas e rotineiras? Têm alguma, creio, neste caso. Não que eu
acredite: eu o sinto. Porque se trata de um texto fundamentalmente emotivo.
Penso agora que aqueles poetas tinham razão em ficar com raiva de mim. Eu me
retrato: nunca devia ter escrito aquela diatribe contra os poetas. Devia ter
escrito contra os narradores. Esses sim são terríveis, impiedosos. E nem é
preciso desenvolver o argumento. Todo mundo sabe disso. Os poetas são
estupendos; os narradores, atrozes. Estou definitivamente a favor dos poetas e
contra os narradores.
Julho, 2010
Nota da tradução: Para uma tradução do ensaio de
Gombrowicz, ver
aqui.
* Tradução de Guilherme Mazzafera. O
texto “Contra los poetas (II)” encontra-se compilado no volume No leer
(Editorial Anagrama, 2018).
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