O cheiro da Índia reflete sobre o universo caótico indiano enquanto
tenta esboçar os gestos das pessoas que vê pelas ruas perambulando, ou imóveis,
buscando compreender os complexos e ordinários comportamentos que os indianos
têm entre si, assim como suas atitudes com os turistas que ali se encontram. O
poeta tem sentimentos ambíguos em relação à vida na Índia. Fica extremamente
impressionado e tocado com a precária condição de vida de grande parte da
população indiana, mas jamais deixa de ressaltar a afetividade, a doçura e a
não violência que há entre eles: “A vida, na Índia, possui as características
da insuportabilidade: não se sabe como eles podem resistir tanto tempo comendo
um punhado de arroz sujo, bebendo água imunda, sob a ameaça contínua do cólera,
do tifo, da varíola, até mesmo da peste, dormindo no chão, ou em habitações
atrozes”. Em outras palavras, Pasolini tenta vislumbrar em suas caminhadas
alguma coisa que ainda sobrevive aos processos brutais de aburguesamento das
formas de vida, isto é, forças acionadas pelas estratégias desenvolvimentistas
da industrialização que se tornava cada vez mais global. O livro é publicado
pela editora Cultura e Barbárie; tradução de Davi Pessoa.
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Livro reúne quatro contos
sobrenaturais do romeno Ion Minulescu, narrados com humor e fina ironia.
Desde o célebre tópico do pacto
com o diabo até o fantasmagórico caso de uma gravata comprada na cidade romena
de Braîla, as narrativas de
Para serem lidas a noite (1930) são pautadas
por binômios como “real-irreal”, “lógico-ilógico”, “sagrado-profano”. A partir
de uma estrutura que se multiplica em jogo de espelhos, os enigmas narrativos
são sempre apresentados um dentro do outro, em
spin off, como uma caixa
de Pandora. Essa estratégia também permite o intercâmbio entre as vozes dos
personagens e as notícias do mundo. Publicação da editora Hedra com tradução de
Fernando Klabin.
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O principal livro de Rachilde
ganha tradução brasileira.
Senhor Vênus, de Rachilde
(1860-1953), é um romance francês provocativo, da segunda metade do século XIX,
que explora um emaranhado de desejos sexuais e identidades de gênero. A
protagonista, Raoule de Vénérande, é uma nobre da alta sociedade parisiense que
desafia as normas com seus costumes transgressores e seu notável empoderamento.
Órfã desde os cinco anos, Raoule foi criada por uma tia viúva e conservadora.
Ela vestia roupas masculinas, praticava esgrima e cavalgava numa época em que
as mulheres só podiam usar calças compridas mediante um requerimento oficial —
o infame
permis de travestissement — uma autorização que a própria
autora, Rachilde, teve de obter durante sua vida. Apesar dos temas ousados para
a época, o enredo parte de uma premissa simples: Raoule entra na floricultura
de dois irmãos pobres, Marie e Jacques Silvert. A aristocrata fica
imediatamente fascinada com a androginia e a graciosidade do delicado Jacques, rapaz
sensível e aspirante a pintor. Com a ideia de tê-lo para si, ela propõe então
uma espécie de mecenato a Jacques, que, nas mãos de Raoule e da irmã
alcoviteira, prostituta e alcoólatra, passará por um processo de
“embonecamento”. Raoule, a marido, decide tomá-lo como esposa, ditando as
regras da relação a seu bel prazer, até mesmo de maneira cruel. Ainda, além
dessas relações de desejo e poder em
Senhor Vênus, surge um quarto
personagem fundamental intervindo nesse bizarro quiprocó erótico: a figura
viril do barão de Raittolbe, amigo e antigo amante de Raoule. Assim como
Raoule, Raittolbe trava uma relação sádica com o próprio Jacques, a quem certa
vez espanca e deixa gravemente ferido. Muitos devaneios e manipulações se
desdobram até a antológica cena final do romance, que encarna fielmente a
estética decadentista do mórbido e do artificial cantado por Baudelaire n’
As
Flores do Mal. Além disso,
Senhor Vênus faz alusão ao mito de
Pigmaleão, antecedendo, porém, em trinta anos à primeira publicação da peça
homônima de Bernard Shaw. Com tradução de Flávia Lago e notas explicativas, a
edição agora publicada pela editora Ercolano inclui uma apresentação de Helena
Vieira e um prefácio de Maurice Barrès, publicado em 1884, na primeira edição.
Este romance se destaca como uma obra literária que questiona e desafia as
convenções de gênero e sexualidade de seu tempo, oferecendo uma visão audaciosa
e inovadora.
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Livro que deu o Man Booker
Prize 2022 a Claire Keegan é publicado pela Relicário com tradução de Adriana
Lisboa.
Ambientado na Irlanda, em 1985, a
história de
Pequenas coisas como estas gira em torno de Bill Furlong, um
respeitável comerciante de carvão e madeira, filho de uma mãe solteira, que
leva uma vida simples com a família. Durante o período de Natal, ele faz uma
descoberta perturbadora sobre um convento local e as jovens mulheres que ali
vivem. A revelação obriga Bill a enfrentar as consequências morais e sociais de
suas ações em uma comunidade profundamente marcada pela influência da Igreja
Católica e seus silêncios.
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Um volume com crônicas inéditas em livro de João do Rio.
Considerado por alguns o criador da crônica social moderna, Paulo
Barreto escreveu milhares de textos, publicados ao longo de pouco mais de duas
décadas em diversos periódicos. Entre os pseudônimos que usava, um deles se
tornou mais conhecido: João do Rio, cuja identidade se confundia com a da
cidade que retratou. Do fim do século XIX até as primeiras décadas do século
XX, o Rio de Janeiro passava por uma série de transformações associadas à
implantação da modernidade e à consolidação do capitalismo no Brasil. Políticas
que visavam ao saneamento e ao embelezamento urbano pretendiam romper com
características da cidade colonial, aproximando-a das grandes capitais
europeias. Ao mesmo tempo, tentava-se impor novos hábitos e costumes à
população, com o objetivo de substituir antigas tradições e manifestações da
cultura popular, vistas como marcas de primitivismo e barbárie. Essas mudanças
modificaram significativamente aspectos físicos e simbólicos da cidade. Atento ao cotidiano e aos personagens da
metrópole, Barreto foi observador sagaz desse processo excludente e pleno de
contradições. Também ele contraditório e multifacetado, o cronista assumiu
posturas que oscilavam entre a adesão e a rejeição a esse projeto modernizador.
O fim do maxixe: João do Rio e
outros pseudônimos de Paulo Barreto reúne 31 crônicas inéditas em livro, escritas entre 1903 e 1918.
Assinados por João do Rio, x., Joe, José Antonio José e Paulo José, os textos
foram selecionados pela historiadora Juliana Bulgarelli e oferecem, em
conjunto, uma rica interpretação da dinâmica e das características da vida
moderna que se consolidava e de diferentes representações da modernidade.
Publicação da Chão Editora. Você pode comprar o livro aqui.
Depois do enorme sucesso de seu
primeiro romance, A consulta,
Katharina Volckmer retorna aos temas de
sua obsessão com o mesmo humor ácido e escandaloso que lhe rendeu comparações a
Philip Roth.
Narrado em um único dia, este
livro pormenoriza a vida de Jimmie para dar conta da complexa relação entre
corpo, nacionalidade, linguagens, afeto e mundo corporativo. Num
call center
em Londres, nosso herói é um jovem gordo, gay e de origem siciliana,
responsável por atender clientes insatisfeitos com suas viagens. Sejam
problemas no quarto do hotel, incompatibilidade de expectativas ou desejos
eróticos não atendidos, as reclamações são respondidas a um só tempo com humor
e insolência. As conversas evoluem rápido para obscenidades, divertindo e
espantando os colegas da central telefônica, que tentam em vão alertar o
protagonista de um possível “desligamento”. Wolf, o alemão que divide mesa com
ele, sofre com a imaginação fértil do vizinho de baia. Elin é a amiga sueca e
sisuda que cuida de Jimmie, guardando seu almoço e pedindo que ele se concentre
em seu trabalho, atenção essa retribuída com apelidos de teor sexual. Helena,
por sua vez, é catalã e rebelde: abriu mão da herança da fazenda de porcos do
pai para viver o próprio desejo num ambiente de trabalho insalubre. Daniel,
judeu israelense afável, é colega de Jimmie desde quando se vestiam de palhaço
em festas infantis, mas passa a ser visto com outros olhos quando é promovido
por Simon, superior do escritório. Nesta Torre de Babel do século XXI,
acompanhamos a montanha-russa de sentimentos de Jimmie: a raiva da mãe por
tê-lo feito perder o último trabalho, a insegurança com o próprio corpo, o
trauma de infância que reverbera nas relações físicas e até a memória agridoce
do gato Henry, que morreu em circunstâncias suspeitas. Insubordinado e hilário,
A ligação concatena reflexões sobre corpos dissidentes, imigração,
identidade nacional, condições trabalhistas, maternidade e muito mais,
implodindo os clichês culturais com inteligência desarmante. Além disso, é um
retrato cômico do desejo humano de pertencer — e, Jimmie diria, de ser
pertencido. Publicação da editora Fósforo; tradução de Érika Nogueira Vieira.
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O novo livro de Veronica
Stigger.
Neste livro vertiginoso e
irresistível em sua mistura de fabulação, invenção, observação pessoal e mito,
Veronica Stigger se impõe como uma das vozes mais originais da ficção em língua
portuguesa.
Krakatoa é uma obra atravessada por personagens telúricos e
cósmicos, elementares: a terra e o sol, o fogo e a água, o vento e a
tempestade, o carvão e o petróleo, o pântano, o tsunami. A autora confirma seu
lugar como mestra em produzir a “inquietante estranheza” por meio de uma
orquestração sutil do discurso originário do mito com o cotidiano mais
contemporâneo. Publicação da Todavia.
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Julia Dantas revisita as implicações
entre o trabalho com a criação artística e o com a criação de um filho.
Uma mulher se aproxima dos
quarenta anos e se depara com questões que definirão o seu futuro. Entre elas,
um dilema fundamental: haverá espaço numa só vida para se dedicar de verdade à
criação de um filho e à criação artística? Neste romance híbrido, Julia Dantas
constrói um jogo duplo, no qual a ideia de ter um filho interfere nas ambições
artísticas de uma escritora ao mesmo tempo em que o desejo de viver da arte
afeta suas possíveis ambições maternas. Entre dilemas existenciais e conflitos
da vida prática, adentramos o espaço mental de uma narradora que é às vezes
marcado pelo delírio e às vezes resultado de afiada lucidez.
A mulher de
dois esqueletos sai pela editora Dublinense.
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Um híbrido feito de poesia e
conto de Afonso Borges
Afonso Borges vive na literatura.
Coleciona escritores e livros e transforma, ambos, em amigos íntimos. Era
apenas natural que ele escrevesse e que, na escrita, fosse breve como suas
frases, mas com a densidade de sua vivência literária. Tem linguagem própria,
autêntica, inclusive nas referências a outros autores. Os contos começam
cotidianos, mas não terminam cotidianamente. Como em todo bom conto, irrompe
ora o inesperado, ora o apenas insinuado, um toque de mistério ou uma pitada de
absurdo. Não raro o puro absurdo do cotidiano de nossos tempos. Afonso Borges é
da linhagem dos contistas econômicos nas palavras. Autor de contos curtos e
densos, que começam pequenos e terminam metafísicos. (Sérgio Abranches.
Tardes
brancas reúne 26 contos e 5 poemas; publicação do selo Contemporânea/ Grupo
Autêntica.
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REEDIÇÕES
A edição especial de 30 anos de
um dos principais livros de Zeunir Ventura.
A “cidade partida” do título deste
livro é o Rio de Janeiro, cenário de uma verdadeira guerra: a da sociedade
contra os bandidos. Durante dez meses, Zuenir Ventura, autor de
1968: o ano
que não terminou, frequentou a favela de Vigário Geral (tristemente famosa
pela chacina de 21 pessoas em agosto de 1993), convivendo com o outro lado da
cidade, onde a vida não vale nada e a violência é a linguagem do cotidiano. Ao
mesmo tempo, acompanhava ativamente a mobilização da sociedade civil contra a
violência, que resultou no movimento Viva Rio. Este livro é o impressionante
relato, muitas vezes emocionado, deste correspondente de uma guerra de lances
surpreendentes e heróis inusitados, cuja solução não consiste meramente em
destruir um suposto inimigo, mas em incorporar a massa de excluídos à
sociedade. Ganhador do Prêmio Jabuti 1995 de Melhor Reportagem, a edição
especial de
A cidade partida sai com prefácio de Mauro Ventura.
Publicação também da Companhia das Letras.
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RAPIDINHAS
O livro por vir 1. A Pinard
anunciou nas suas redes que publicará uma nova edição do principal romance de Osman Lins e
marco na literatura brasileira.
Avalovara integrará a Coleção Prosa
Latino-Americana, que já publicou importantes nomes da narrativa ficcional de língua
espanhola.
O livro por vir 2. O
anúncio do selo é, sem dúvidas, o marco mais importante no cinzento centenário
do escritor pernambucano. O livro está há muito esgotado. Mas, como as demais
publicações da Pinard,
Avalovara só será viável se alcançar o financiamento
coletivo. Saiba
aqui.
Antonio Candido inédito. A Ouro sobre Azul publica dezessete textos, entre prefácios, críticas, rememorações e uma carta para Mário de Andrade, dedicados ao teatro. Trabalho apresentado por João Roberto Faria.
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