Boletim Letras 360º #598

Hermann Broch. Arquivo: Leo Baeck Institute


 
 
LANÇAMENTOS
 
Os leitores brasileiros têm ao alcance uma nova edição e tradução de três livros centrais na obra de Hermann Broch.
 
“Os sonâmbulos” foi título dado por Hermann Broch aos três livros que retratam três fases cruciais na vida da Alemanha: a prussiana, a imperialista e a da Primeira Guerra Mundial. Cada romance narra a história de indivíduos que, tal como os sonâmbulos, vivem entre o sono e a realidade, buscando encontrar um sentido para a própria vida: Pasenow ou o romantismo (1888), Esch ou a anarquia (1903) e Huguenau ou orealismo (1918). Pasenow, Esch e Huguenau tentam libertar-se dos valores do passado, nos quais já não acreditam, mas dos quais ainda fazem parte. Em cada romance, Broch retrata a decadência dos antigos valores europeus, a libertação da razão acompanhada pelo surgimento da irracionalidade, e a autodestruição do mundo em sangue e miséria. Ao mergulhar nas reviravoltas de seus personagens, Broch oferece um retrato profético de um mundo atormentado pela perda da fé, da moral e da razão, e cria um tipo de romance, um dos pilares da prosa moderna. Reunidos num só volume, os livros saem pela editora Sétimo Selo; tradução de Wagner Schadeck. Você pode comprar o livro aqui.

Pier Paolo Pasolini transmite a experiência indiana a partir de um quadro visual singularmente heterogêneo.

O cheiro da Índia reflete sobre o universo caótico indiano enquanto tenta esboçar os gestos das pessoas que vê pelas ruas perambulando, ou imóveis, buscando compreender os complexos e ordinários comportamentos que os indianos têm entre si, assim como suas atitudes com os turistas que ali se encontram. O poeta tem sentimentos ambíguos em relação à vida na Índia. Fica extremamente impressionado e tocado com a precária condição de vida de grande parte da população indiana, mas jamais deixa de ressaltar a afetividade, a doçura e a não violência que há entre eles: “A vida, na Índia, possui as características da insuportabilidade: não se sabe como eles podem resistir tanto tempo comendo um punhado de arroz sujo, bebendo água imunda, sob a ameaça contínua do cólera, do tifo, da varíola, até mesmo da peste, dormindo no chão, ou em habitações atrozes”. Em outras palavras, Pasolini tenta vislumbrar em suas caminhadas alguma coisa que ainda sobrevive aos processos brutais de aburguesamento das formas de vida, isto é, forças acionadas pelas estratégias desenvolvimentistas da industrialização que se tornava cada vez mais global. O livro é publicado pela editora Cultura e Barbárie; tradução de Davi Pessoa. Você pode comprar o livro aqui.
 
Livro reúne quatro contos sobrenaturais do romeno Ion Minulescu, narrados com humor e fina ironia.
 
Desde o célebre tópico do pacto com o diabo até o fantasmagórico caso de uma gravata comprada na cidade romena de Braîla, as narrativas de Para serem lidas a noite (1930) são pautadas por binômios como “real-irreal”, “lógico-ilógico”, “sagrado-profano”. A partir de uma estrutura que se multiplica em jogo de espelhos, os enigmas narrativos são sempre apresentados um dentro do outro, em spin off, como uma caixa de Pandora. Essa estratégia também permite o intercâmbio entre as vozes dos personagens e as notícias do mundo. Publicação da editora Hedra com tradução de Fernando Klabin. Você pode comprar o livro aqui.
 
O principal livro de Rachilde ganha tradução brasileira.
 
Senhor Vênus, de Rachilde (1860-1953), é um romance francês provocativo, da segunda metade do século XIX, que explora um emaranhado de desejos sexuais e identidades de gênero. A protagonista, Raoule de Vénérande, é uma nobre da alta sociedade parisiense que desafia as normas com seus costumes transgressores e seu notável empoderamento. Órfã desde os cinco anos, Raoule foi criada por uma tia viúva e conservadora. Ela vestia roupas masculinas, praticava esgrima e cavalgava numa época em que as mulheres só podiam usar calças compridas mediante um requerimento oficial — o infame permis de travestissement — uma autorização que a própria autora, Rachilde, teve de obter durante sua vida. Apesar dos temas ousados para a época, o enredo parte de uma premissa simples: Raoule entra na floricultura de dois irmãos pobres, Marie e Jacques Silvert. A aristocrata fica imediatamente fascinada com a androginia e a graciosidade do delicado Jacques, rapaz sensível e aspirante a pintor. Com a ideia de tê-lo para si, ela propõe então uma espécie de mecenato a Jacques, que, nas mãos de Raoule e da irmã alcoviteira, prostituta e alcoólatra, passará por um processo de “embonecamento”. Raoule, a marido, decide tomá-lo como esposa, ditando as regras da relação a seu bel prazer, até mesmo de maneira cruel. Ainda, além dessas relações de desejo e poder em Senhor Vênus, surge um quarto personagem fundamental intervindo nesse bizarro quiprocó erótico: a figura viril do barão de Raittolbe, amigo e antigo amante de Raoule. Assim como Raoule, Raittolbe trava uma relação sádica com o próprio Jacques, a quem certa vez espanca e deixa gravemente ferido. Muitos devaneios e manipulações se desdobram até a antológica cena final do romance, que encarna fielmente a estética decadentista do mórbido e do artificial cantado por Baudelaire n’As Flores do Mal. Além disso, Senhor Vênus faz alusão ao mito de Pigmaleão, antecedendo, porém, em trinta anos à primeira publicação da peça homônima de Bernard Shaw. Com tradução de Flávia Lago e notas explicativas, a edição agora publicada pela editora Ercolano inclui uma apresentação de Helena Vieira e um prefácio de Maurice Barrès, publicado em 1884, na primeira edição. Este romance se destaca como uma obra literária que questiona e desafia as convenções de gênero e sexualidade de seu tempo, oferecendo uma visão audaciosa e inovadora. Você pode comprar o livro aqui.
 
Livro que deu o Man Booker Prize 2022 a Claire Keegan é publicado pela Relicário com tradução de Adriana Lisboa.
 
Ambientado na Irlanda, em 1985, a história de Pequenas coisas como estas gira em torno de Bill Furlong, um respeitável comerciante de carvão e madeira, filho de uma mãe solteira, que leva uma vida simples com a família. Durante o período de Natal, ele faz uma descoberta perturbadora sobre um convento local e as jovens mulheres que ali vivem. A revelação obriga Bill a enfrentar as consequências morais e sociais de suas ações em uma comunidade profundamente marcada pela influência da Igreja Católica e seus silêncios. Você pode comprar o livro aqui.

Um volume com crônicas inéditas em livro de João do Rio.
 
Considerado por alguns o criador da crônica social moderna, Paulo Barreto escreveu milhares de textos, publicados ao longo de pouco mais de duas décadas em diversos periódicos. Entre os pseudônimos que usava, um deles se tornou mais conhecido: João do Rio, cuja identidade se confundia com a da cidade que retratou. Do fim do século XIX até as primeiras décadas do século XX, o Rio de Janeiro passava por uma série de transformações associadas à implantação da modernidade e à consolidação do capitalismo no Brasil. Políticas que visavam ao saneamento e ao embelezamento urbano pretendiam romper com características da cidade colonial, aproximando-a das grandes capitais europeias. Ao mesmo tempo, tentava-se impor novos hábitos e costumes à população, com o objetivo de substituir antigas tradições e manifestações da cultura popular, vistas como marcas de primitivismo e barbárie. Essas mudanças modificaram significativamente aspectos físicos e simbólicos da cidade. Atento ao cotidiano e aos personagens da metrópole, Barreto foi observador sagaz desse processo excludente e pleno de contradições. Também ele contraditório e multifacetado, o cronista assumiu posturas que oscilavam entre a adesão e a rejeição a esse projeto modernizador. O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto reúne 31 crônicas inéditas em livro, escritas entre 1903 e 1918. Assinados por João do Rio, x., Joe, José Antonio José e Paulo José, os textos foram selecionados pela historiadora Juliana Bulgarelli e oferecem, em conjunto, uma rica interpretação da dinâmica e das características da vida moderna que se consolidava e de diferentes representações da modernidade. Publicação da Chão Editora. Você pode comprar o livro aqui.
 
Depois do enorme sucesso de seu primeiro romance, A consulta, Katharina Volckmer retorna aos temas de sua obsessão com o mesmo humor ácido e escandaloso que lhe rendeu comparações a Philip Roth.
 
Narrado em um único dia, este livro pormenoriza a vida de Jimmie para dar conta da complexa relação entre corpo, nacionalidade, linguagens, afeto e mundo corporativo. Num call center em Londres, nosso herói é um jovem gordo, gay e de origem siciliana, responsável por atender clientes insatisfeitos com suas viagens. Sejam problemas no quarto do hotel, incompatibilidade de expectativas ou desejos eróticos não atendidos, as reclamações são respondidas a um só tempo com humor e insolência. As conversas evoluem rápido para obscenidades, divertindo e espantando os colegas da central telefônica, que tentam em vão alertar o protagonista de um possível “desligamento”. Wolf, o alemão que divide mesa com ele, sofre com a imaginação fértil do vizinho de baia. Elin é a amiga sueca e sisuda que cuida de Jimmie, guardando seu almoço e pedindo que ele se concentre em seu trabalho, atenção essa retribuída com apelidos de teor sexual. Helena, por sua vez, é catalã e rebelde: abriu mão da herança da fazenda de porcos do pai para viver o próprio desejo num ambiente de trabalho insalubre. Daniel, judeu israelense afável, é colega de Jimmie desde quando se vestiam de palhaço em festas infantis, mas passa a ser visto com outros olhos quando é promovido por Simon, superior do escritório. Nesta Torre de Babel do século XXI, acompanhamos a montanha-russa de sentimentos de Jimmie: a raiva da mãe por tê-lo feito perder o último trabalho, a insegurança com o próprio corpo, o trauma de infância que reverbera nas relações físicas e até a memória agridoce do gato Henry, que morreu em circunstâncias suspeitas. Insubordinado e hilário, A ligação concatena reflexões sobre corpos dissidentes, imigração, identidade nacional, condições trabalhistas, maternidade e muito mais, implodindo os clichês culturais com inteligência desarmante. Além disso, é um retrato cômico do desejo humano de pertencer — e, Jimmie diria, de ser pertencido. Publicação da editora Fósforo; tradução de Érika Nogueira Vieira. Você pode comprar o livro aqui.
 
O novo livro de Veronica Stigger.
 
Neste livro vertiginoso e irresistível em sua mistura de fabulação, invenção, observação pessoal e mito, Veronica Stigger se impõe como uma das vozes mais originais da ficção em língua portuguesa. Krakatoa é uma obra atravessada por personagens telúricos e cósmicos, elementares: a terra e o sol, o fogo e a água, o vento e a tempestade, o carvão e o petróleo, o pântano, o tsunami. A autora confirma seu lugar como mestra em produzir a “inquietante estranheza” por meio de uma orquestração sutil do discurso originário do mito com o cotidiano mais contemporâneo. Publicação da Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Julia Dantas revisita as implicações entre o trabalho com a criação artística e o com a criação de um filho.
 
Uma mulher se aproxima dos quarenta anos e se depara com questões que definirão o seu futuro. Entre elas, um dilema fundamental: haverá espaço numa só vida para se dedicar de verdade à criação de um filho e à criação artística? Neste romance híbrido, Julia Dantas constrói um jogo duplo, no qual a ideia de ter um filho interfere nas ambições artísticas de uma escritora ao mesmo tempo em que o desejo de viver da arte afeta suas possíveis ambições maternas. Entre dilemas existenciais e conflitos da vida prática, adentramos o espaço mental de uma narradora que é às vezes marcado pelo delírio e às vezes resultado de afiada lucidez. A mulher de dois esqueletos sai pela editora Dublinense. Você pode comprar o livro aqui.
 
Um híbrido feito de poesia e conto de Afonso Borges
 
Afonso Borges vive na literatura. Coleciona escritores e livros e transforma, ambos, em amigos íntimos. Era apenas natural que ele escrevesse e que, na escrita, fosse breve como suas frases, mas com a densidade de sua vivência literária. Tem linguagem própria, autêntica, inclusive nas referências a outros autores. Os contos começam cotidianos, mas não terminam cotidianamente. Como em todo bom conto, irrompe ora o inesperado, ora o apenas insinuado, um toque de mistério ou uma pitada de absurdo. Não raro o puro absurdo do cotidiano de nossos tempos. Afonso Borges é da linhagem dos contistas econômicos nas palavras. Autor de contos curtos e densos, que começam pequenos e terminam metafísicos. (Sérgio Abranches. Tardes brancas reúne 26 contos e 5 poemas; publicação do selo Contemporânea/ Grupo Autêntica. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES

A edição especial de 30 anos de um dos principais livros de Zeunir Ventura.
 
A “cidade partida” do título deste livro é o Rio de Janeiro, cenário de uma verdadeira guerra: a da sociedade contra os bandidos. Durante dez meses, Zuenir Ventura, autor de 1968: o ano que não terminou, frequentou a favela de Vigário Geral (tristemente famosa pela chacina de 21 pessoas em agosto de 1993), convivendo com o outro lado da cidade, onde a vida não vale nada e a violência é a linguagem do cotidiano. Ao mesmo tempo, acompanhava ativamente a mobilização da sociedade civil contra a violência, que resultou no movimento Viva Rio. Este livro é o impressionante relato, muitas vezes emocionado, deste correspondente de uma guerra de lances surpreendentes e heróis inusitados, cuja solução não consiste meramente em destruir um suposto inimigo, mas em incorporar a massa de excluídos à sociedade. Ganhador do Prêmio Jabuti 1995 de Melhor Reportagem, a edição especial de A cidade partida sai com prefácio de Mauro Ventura. Publicação também da Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
RAPIDINHAS
 
O livro por vir 1. A Pinard anunciou nas suas redes que publicará uma nova edição do principal romance de Osman Lins e marco na literatura brasileira. Avalovara integrará a Coleção Prosa Latino-Americana, que já publicou importantes nomes da narrativa ficcional de língua espanhola.
 
O livro por vir 2. O anúncio do selo é, sem dúvidas, o marco mais importante no cinzento centenário do escritor pernambucano. O livro está há muito esgotado. Mas, como as demais publicações da Pinard, Avalovara só será viável se alcançar o financiamento coletivo. Saiba aqui.

Antonio Candido inédito. A Ouro sobre Azul publica dezessete textos, entre prefácios, críticas, rememorações e uma carta para Mário de Andrade, dedicados ao teatro. Trabalho apresentado por João Roberto Faria.

DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Ópera dos mortos, de Autran Dourado (HarperCollins Brasil, 240p.) Acompanhada apenas de uma empregada surda e de relógios parados uma moça vive enclausurada num antigo sobrado colonial de uma pequena cidade do interior mineiro. Até que chega à propriedade José Feliciano, ou Juca Passarinho. Você pode comprar o livro aqui
 
2. A gota de sangue, de Emilia Pardo Bazán (Trad. de Iara Tizzot, Arte & Letra, 76p.) Depois de descobrir perto da sua casa o corpo de um jovem, Selva tem a vida entediante e apática transformada numa pequena aventura que cobrará dela uma complexa decisão moral. Você pode comprar o livro aqui
 
3. A ordem do dia, de Éric Vuillard (Trad. de Sandra Stroparo, Tusquets Editores, 144p.) A iminente anexação da Áustria ao Reich e os rumos dos investimentos do alto capital alemão na campanha de Adolf Hitler são alguns dos bastidores revisitados neste romance vencedor do Goncourt em 2017. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
Neste 24 de agosto celebramos os 80 anos do nascimento de Paulo Leminski. Ervilha da Fantasia é o título de um documentário produzido, escrito e dirigido por Werner Schumann relatando fatos da vida e obra de Paulo Leminski. Foi exibido pela primeira vez na TV em 1985. Aqui, um excerto.

Preparamos para os leitores um pequeno reel disponível em nosso Instagram com apresentação do novo livro de Chico Buarque. Bambino a Roma é a segunda investida do escritor, pelo plano da ficção, no tratamento da matéria de ordem biográfica — o caminho é por aqui. Alguém já leu e o que acharam? Deixa os seus comentários por lá.
 
BAÚ DE LETRAS
 
Ainda Paulo Leminski. Sublinhamos a efeméride com destaque para algumas das publicações do Letras dedicadas à obra e biografia do poeta curitibano.
 
a) Leia aqui um breve perfil de Paulo Leminski e conheça alguns de seus poemas.

b) Leia aqui, um comentário de Pedro Fernandes para o livro Toda poesia; e para a reunião das quatro biografias escritas por Leminski no livro Vida aqui.

c) Nesta entrada, Wagner Silva Gomes comenta o poema “Jogo do senhor e do servo”. E aqui o ensaio de Leminski “Poesia: a paixão da linguagem”.

DUAS PALAVRINHAS
 
Todo artista verdadeiro é, sob a coação de criar sua própria imagem de mundo, em certo sentido um rebelde, pronto a esfacelar o sistema fechado dentro do qual nasceu, ainda que ao mesmo tempo seja obrigado a reconhecer que tal ação revolucionária isolada não basta, e que ele próprio deve providenciar ao mesmo tempo o novo fornecimento da estrutura essencial dessa totalidade do mundo.
 
— Hermann Broch, Espírito e espírito de época

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