Por Matías Serra Bradford
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Yves Bonnefoy. Foto: Eric Garault. |
Algumas coincidências entre autor
e leitor contribuem para uma melhor aproximação, mas são sempre condições
insuficientes para garantir um encontro perfeito. O par formado por Charles
Baudelaire e seu leitor Yves Bonnefoy é ideal em suas afinidades e contrastes.
Ambos foram sujeitos de uma mesma língua, e foram poetas e prosadores, críticos
de arte e tradutores (também do mesmo idioma, o inglês). Mas, exceto por um
certo sentido do divino na presença de paisagens e pinturas, não poderia haver
mais diferenças de temperamento entre os dois.
Basta como exemplo a inclinação
disruptiva de Baudelaire e a predisposição conciliatória de Bonnefoy, com a sua
confessada aversão ao rompimento de amizades. De qualquer forma, ele é um poeta
notável e suas repetidas visitas à obra de Baudelaire remetem a um provérbio
turco: “Quando um machado apareceu pela primeira vez na floresta, as árvores
disseram: ‘Pelo menos o cabo é um dos nossos’”.
Ensaísta de tom filosófico, com o
qual o leitor às vezes tende a sonhar acordado — a abstração distrai —, muito
do que Bonnefoy propõe em
Le Siècle de Baudelaire é evidenciar a sua conexão
com esse andarilho de camadas reversíveis: “É provado que um jovem autor pode
manter com a palavra do outro uma relação que permanecerá essencial ao longo de
sua vida de poeta, lembrando-lhe a consanguinidade de ambas as buscas, mas,
sobretudo, ajudando-o a aprofundar a relação consigo mesmo.” Ou uma confissão
sorrateira de apropriações legítimas: “palavras retomadas que parecem tiradas
do mais íntimo do outro poeta, como se quisesse fazê-lo reviver”. Ou uma mera
expressão de desejo: “Quando existir um verdadeiro parentesco entre um novo
poeta e um anterior, o mais jovem saberá livrar-se das ambiguidades do mais
velho e redescobri-lo-á no que há de melhor, mediante um ato que lhe permite se
reunir consigo mesmo”.
Yves Bonnefoy chamou Baudelaire,
como Rimbaud, de amigos e, de igual maneira, pretendia que eles o guiassem
“mesmo que um pouco, para a seriedade de que alguém talvez seja capaz”. É no
território por eles delineado que o poeta de
Devoção busca descobrir o
que é a experiência poética — a força da poesia. E aqui, como nas suas
entrevistas, ante Baudelaire, mas também diante de Mallarmé e de Hofmannsthal,
o
gauche Bonnefoy finge que não conseguirá falar e depois — quase sempre
felizmente — não há ninguém que o detenha.
Pode-se pensar que Baudelaire, ao
discorrer sobre o pintor Constantin Guy, incentivou a tarefa de Bonnefoy: “A
curiosidade pode ser considerada o ponto de partida de sua genialidade”. E
antecipou seus modos: “Possui a arte tão difícil de ser sincero sem cair no
ridículo”. Se uma das funções da crítica é aproximar o que ficou distante, em
tese o ensaísta aqui em destaque teve menos trabalho com o sempre incandescente
Baudelaire, mas sua virtude demonstra que isso é outra miragem.
Um crítico age como um filme
sensível que se impressiona durante a abertura do diafragma (que ele mesmo
determina de acordo com a luz predominante). Geralmente é uma captura extensa,
de uma câmera do século XIX. Chega então o momento da revelação, do distanciamento,
e a prosa do autor de
Le Siècle de Baudelaire relembra a sobriedade — a
justeza, a imparcialidade — com que o poeta de
As flores do mal falava
de Edgar Allan Poe. (A propósito, Bonnefoy e Baudelaire são daqueles criadores
que se supõe teriam as mesmas ideias na sua língua ou noutra).
Yves Bonnefoy não deve ter
esquecido a frase de Baudelaire — “não conheço sentimento mais embaraçoso que a
admiração” — mas nem que quanto mais se defende um escritor, mais autorizado se
sente para criticá-lo.
Baudelaire soube escrever: “Há em
todas as reputações, mesmo nas mais merecidas, uma infinidade de pequenos
segredos”. Assim, ela desafiava a vasculharem avidamente suas gavetas. Um
século e meio depois, estas ainda não foram esvaziadas e é pouco provável que
isso lhes aconteça alguma vez.
Yves Bonnefoy fez isso com um tom
calmo, equidistante e um pouco desconfortável; o de quem por acaso recebeu como
herança o terreno de um parente distante e caminha por essas terras com a
generosa intenção de legar o ganho a um desconhecido.
* Este texto é tradução livre de “La amistad y la
admiración como guías para el camino”, publicado aqui, em Revista Ñ.
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