“Filho nativo”: o primeiro grande romance afro-americano

Por José Antonio Gurpegui




Toni Morrison afirmava que a arte não devia ser despojada de algum tipo de implicação política e dava como exemplo disso o romance de Richard Wright, Native Son (traduzido como Filho nativo). A publicação desse livro em 1940 abalou o panorama narrativo estadunidense e, segundo o renomado professor Irvin Howe, é o romance de maior influência social em toda a literatura dos Estados Unidos.
 
Nele, a degradante realidade social dos afro-americanos já delineada pela chamada “Renascença do Harlem” durante as décadas de 1920 e 1930 foi capturada artisticamente pela primeira vez. Depois vieram Black Boy (1945), também de Wright, Homem invisível (1952), de Ralph Ellison, ou Go Tell It on the Mountain (1953), de James Baldwin, que constituem um indiscutível cânone literário afro-americano ou os alicerces de uma literatura que culminaria com a atribuição, em 1993, do Prêmio Nobel de Literatura para a autora de Amada.
 
Bigger Thomas, o protagonista de Filho nativo, é um jovem afro-americano de uma família de recursos muito limitados na Chicago dos anos 1930. Ele tem a sorte de conseguir um bom emprego na casa da rica família Dalton. A amada filha única, Mary, revela-se uma rebelde contestadora fascinada pelos princípios comunistas e, em uma noite louca, Bigger a mata acidentalmente. Ele ainda consegue se livrar do corpo e finge um sequestro grosseiro, mas é descoberto e numa fuga imprudente também acaba com a vida de sua amiga Bessie e uma vez preso é condenado com a pena de morte.
 
A polêmica sempre esteve presente na história deste romance, a ponto de ser banido em um bom número de escolas públicas em seu país. Em alguns casos, entende-se que é demasiado explícito em termos sexuais, noutros, que fomenta o confronto social. Talvez seja por isso que o próprio autor escreveu mais tarde “How Bigger Was Born”, no qual podemos ler “… na medida das minhas possibilidades, limitei o romance ao que Bigger via e sentia, mesmo nos segmentos em que o que transmitiria ao leitor era mais do que isso”.
 
Mas além da controvérsia, Filho nativo mantém uma irrefutável dívida com o naturalismo determinista de Upton Sinclair ou Theodore Dreiser. Tal como Jurgis Rudkus em The Jungle (1906) ou Clyde Griffiths em Uma tragédia americana (1925), Bigger recria a ilusão de que é possível realizar o sonho americano, mas a realidade acabará por mostrá-lo que se trata de uma enteléquia inatingível. O enfrentamento, no seu caso, tem mais a ver com a luta racial do que com a luta de classes, embora a presença dos ideais comunistas permeie toda a obra.
 
A sua vida, tal como nas personagens citadas, é regida pelo determinismo, por um fatalismo do qual é impossível escapar. Bigger carregou Mary bêbada para seu quarto quando sua mãe cega entrou. Ele cobrirá o rosto da jovem com um travesseiro na tentativa de passar despercebido — ninguém acreditaria em sua história — chegando a sufocá-la.
 
Bigger acha o tempo inteiro que ainda pode controlar a situação, sem conseguir perceber que seu destino, marcado desde seu nascimento em uma família negra e pobre, não pode ser alterado. Somente na prisão enquanto aguarda a execução é que compreende a natureza das relações sociais entre brancos e negros, “a realidade de sua vida”.


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Filho nativo
Richard Wright
Fernanda Silva e Souza (Trad.)
Companhia das Letras, 2024
504p.


* Este texto é a tradução livre de “Hijo de esta tierra: la primera gran novela afroamericana”, publicado inicialmente aqui, em El Cultural.

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