Contra os poetas (I)

Por Alejandro Zambra

Giorgio De Chirico, O poeta e sua musa, 1925.


 
Aos vinte anos já acumulam experiências importantes: publicaram poemas em revistas e antologias, participaram de oficinas, escreveram artigos para anuários escolares e talvez tenham concedido uma ou duas entrevistas precoces. Já têm prontos seus primeiros livros, que estão a ponto de serem lançados por editoras emergentes. São livros muito ruins, mas por ora isso não importa. Seus poemas são longos e sentenciosos, abusam dos gerúndios, dos pontos de exclamação e das reticências. Leem Vicente Huidobro, Delmira Agustini e Oliverio Girondo, mas sobretudo leem-se uns aos outros, em intermináveis reuniões só por vezes amistosas.
 
Aos vinte e cinco já renegaram aqueles primeiros poemas, que consideram longínquos pecados de juventude. Esperam logo encontrar a maturidade como poetas, que a eles importa muito mais do que a maturidade como pessoas. O segundo livro largamente cumpre o objetivo: não é bom, mas sem dúvida é melhor do que o primeiro. Dizem ainda estar em busca de uma voz própria, e enquanto isso planejam antologias que incluem o grupo todo, mas ninguém quer escrever o prólogo, pois ninguém deseja correr o risco de se converter em crítico literário.
 
Aos trinta anos já sofreram várias desilusões. Foram incluídos em antologias nacionais e latino-americanas, mas foram excluídos de outras tantas publicações e lhes é muito custoso aceitar o fato. Às vezes escrevem apenas para demonstrar quão arbitrárias foram essas exclusões. Publicaram, a esta altura, três livros de poesia. Fundaram duas editoras e quatro revistas literárias. Em suas resenhas biográficas afirma-se que participaram de mais de treze — de quatorze — encontros de poetas e que seus livros foram parcialmente traduzidos para o italiano. Na verdade, apenas um poema foi traduzido, mas dá na mesma: foram traduzidos, e isso é mérito suficiente.
 
Apenas aos trinta e cinco começam a se incomodar quando são apresentados como poetas jovens. Agora ministram oficinas em que aconselham seus alunos a evitar os gerúndios, a cuidar dos adjetivos, a declarar guerra às reticências e aos pontos de exclamação. Infundem neles a suprema liberdade criadora, mas lhes proíbem o uso de uma lista bastante longa de palavras: vazio, angústia, desolação, desespero, crepúsculo, ocaso, alma, espírito, coração, vagina. Falam sobre melopeia, fanopeia e logopeia, mas se enrolam um pouco na explicação. Apaixonam-se por poetas de dezesseis anos e as comparam a Alejandra Pizarnik, mas jamais viram uma foto de Alejandra Pizarnik.
 
Aos quarenta anos ninguém pensa em apresentá-los como poetas jovens, pois seus rostos e barrigas mudaram de forma talvez irreversível. Os poetas experimentam de forma mais sofrida que as pessoas em geral a chamada crise dos quarenta. Não decidiram ser poetas para ter quarenta anos. De agora em diante tudo será decadência. Tornaram-se inofensivos. Muito mais fácil que combatê-los é pedir-lhes prefácios, convidá-los para recitais e aplaudi-los sem ênfase, respeitosamente. São, em outras palavras, verdadeiros fracassados.
 
Para que o fracasso se cumpra é necessário que recebam, vez por outra, sinais inequívocos. Aos cinquenta, aos sessenta, aos setenta anos os poetas ganharão dois ou três prêmios menores; tímidos estudantes universitários e quiçá alguma atraente doutora norte-americana analisarão seus livros, que talvez serão traduzidos para o francês, o alemão, o grego, ou ao menos para o argentino. Além disso, sempre haverá alguma editora emergente interessada em resgatá-los do esquecimento.
Dá pena vê-los junto ao telefone, esperando a notícia de um prêmio, de uma pensão do governo, de uma homenagem, de uma viagenzinha para o sul, o que for. Parecem crianças assustadas, adolescentes já velhos demais para suicidarem-se. Às vezes um repórter compassivo lhes pergunta para que serve a poesia neste mundo desumanizado e consumista. Eles suspiram e respondem o que sempre responderam: que só a poesia salvará o mundo, que é preciso buscar, no meio da confusão, palavras verdadeiras e a elas se aferrar. Dizem isso sem fé, rotineiramente, mas têm toda a razão.
 

Outubro, 2008
 
 
* Tradução de Guilherme Mazzafera. O texto “Contra los poetas (I)” encontra-se compilado no volume No leer (Editorial Anagrama, 2018).
 

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

16 + 2 romances de formação que devemos ler

Mortes de intelectual