Conhecemos nossa Literatura? Uma leitura de Antonio Candido

Por Guilherme França

Antonio Candido em aula na Faculdade de Filosofia de Assis, início da década de 1950.


 
Recentemente publiquei um texto com singelas reflexões a respeito da crítica literária e dos perfis que se comprometem a dialogar sobre literatura no contexto digital. Naquele escrito, dentre outros aspectos, busquei diferenciar a crítica literária e sua aparente austeridade ou rigor daquelas análises pessoais de uma obra, período ou autor, que hoje certamente constituem a grande parte do conteúdo que é produzido sobre literatura.
 
Alguns dias depois da publicação do texto citado comecei a leitura de Iniciação à literatura brasileira, do sociólogo, crítico literário e professor universitário Antonio Candido. Durante a leitura e sobretudo após a sua conclusão, percebi que a minha intuição havia se confirmado: seja pelo motivo que for, o fato é que hoje podemos citar raríssimos críticos literários no Brasil que transcendam o academicismo — e estão menos ainda no ambiente digital. Não sou um acadêmico ou profissional das Letras. Sou advogado. E para nós (profissionais de outra área) que não lidamos necessariamente com textos normativos ou de crítica literária todos os dias, parece ser cômodo fazer uma leitura e a partir daí compartilhar as nossas experiências ou interpretações. E isso é bom. Faz com que possamos conhecer diferentes percepções sobre as mesmas narrativas. Contudo, acredito que essa facilidade — no sentido de acessibilidade — para falar sobre os livros pode trazer consigo alguns problemas.
 
O primeiro problema é a subjetividade excessiva das análises ou impressões pessoais. Embora um texto literário possa ser interpretado de diferentes formas, não me parece correto adotarmos essa espécie de culto ecumênico da literatura, no qual todas as opiniões são aceitas sem distinções, como se estivessem, de fato, adequadas à obra.
 
Com essa postura estaremos apenas banalizando a importância imensurável da literatura na vida humana. Pode até ser que alguns autores não tenham deixado uma possibilidade única de interpretação para algumas de suas obras, mas isso não significa, de maneira alguma, que todo e qualquer texto pode ser lido da toda e qualquer forma, como bem entende o leitor, apenas por se tratar de literatura. Lamento dizer que as interpretações equivocadas existem e poderia citar mais de um exemplo que já ouvi por aí. Mas não é este o foco.
 
Ao lado do problema atinente à interpretação dos textos aparece o desconhecimento geral sobre autores, estilos, movimentos literários, contextos históricos, personagens etc. Há quem vá dizer que para compreender uma obra literária não é necessário um conhecimento “técnico” prévio à leitura. O problema desse argumento reside no fato de compreender como “técnicos” certos conhecimentos que, na verdade, são básicos ou essenciais para uma boa leitura. E aqui retorno ao livro de Antonio Candido.
 
Ao escrever a “Nota Prévia” no início da obra, o autor destaca: “o que segue é um resumo da literatura brasileira escrito para leitores estrangeiros”. Um resumo. Eis a sua pretensão. Conhecendo de antemão o objetivo do escritor, o leitor avança nas páginas buscando, então, o tal resumo ou panorama geral da literatura. Espanta-se, pois o que encontra é uma prodigalidade de autores, datas, livros, cidades, pensamentos, explicações, conexões, refutações etc., todas apontando para os complexos e belos movimentos pelos quais a literatura brasileira passou, mesmo com a sua juventude, pois Candido considera que o “sistema literário consolidado” brasileiro passou a existir apenas no final do século XIX.
 
Enquanto lia, apenas conseguia pensar: como um livro que deveria ser um simples resumo da nossa literatura (e para estrangeiros) contém tanta informação desconhecida por nós, brasileiros? E assim foi que, sem dúvidas, passei a me colocar neste grupo que precisa urgentemente retomar o estudo da literatura, e não apenas a leitura de obras esparsas. E essa percepção surgiu não sem o auxílio de um grande... crítico literário.
 
E assim retomo o ponto que tratei acima, quando disse que a facilidade que hoje temos para falar sobre os livros pode trazer problemas. O maior deles é a tendência ao menor esforço. E se limitarmos às redes sociais a nossa busca por conhecimentos literários ou comentários às obras de literatura produzidas no Brasil e no mundo, ficaremos à deriva. O que a internet oferece, embora possa nos auxiliar, está incomparavelmente abaixo do que críticos literários como Antonio Candido, Silvio Romero, José Verissimo, Araripe Júnior ou Álvaro Lins, dentre outros grandes nomes, puderam e ainda podem nos oferecer.
 
Mas o que escrevo não é para gerar um pessimismo e muito menos para criticar quem se dispõe a falar sobre literatura no espaço digital. Longe disso. Trata-se mais de puro saudosismo de uma época sequer vivida e também um pedido àqueles que se dedicam profissionalmente à literatura: sejam ou formem bons críticos literários. Os brasileiros precisam de informações acessíveis sobre literatura, é verdade, mas também necessitam de estudiosos capazes de contribuir com textos de crítica robustos, que tragam mais exigência ao leitor e menos simplificações, pois dessas nós já estamos bem servidos.


Ligações a esta post:
>>>  O texto referido no início da crônica pode ser lido aqui.  

 

Comentários

Boa provocação. Penso que o melhor da crítica no momento vem de alguma interseção entre o rigor acadêmico e a liberdade que certos espaços extra-acadêmicos possibilitam. Existe também uma lógica de mercado que infiltra certos nichos e que cria obstáculos ao cultivo da erudição: temos que falar do último lançamento, do que é novo, e temos que falar rápido.

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