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Carlos Estévez, La Rosa de Paracelso (2009) |
Como todos os homens, como todas as coisas vivas da Terra,
Borges é inesgotável. Em um de seus livros menos conhecidos,
A memória de
Shakespeare (1983), um pequeno conjunto de quatro contos, três deles
aparecidos anteriormente em outras publicações, mas em um novo, o que dá título
ao volume, o leitor pode encontrar e ler ou reler “A rosa de Paracelso”, um
texto muito simples, transparente, onde se narra a visita que recebe Paracelso
de um homem que deseja ser seu discípulo. Isso é tudo do conto.
Ele, nem é preciso dizer, é mostrado com um certo langor que
corresponde à época; a visita do desconhecido ocorre quando a tarde começa a
cair e Paracelso está cansado e a lareira queima um fogo minguado. Então cai a
noite e Paracelso, que está cochilando, ouve alguém batendo à sua porta. Entra
um estranho que deseja ser seu discípulo.
As primeiras linhas da história são estas: “Em sua oficina,
que abarcava os dois cômodos do porão, Paracelso pediu a seu Deus, a seu
indeterminado Deus, a qualquer Deus, que lhe enviasse um discípulo”. E o homem
desconhecido, já tarde da noite, finalmente chegou, e dá a Paracelso um saco
cheio de moedas de ouro e uma rosa.
Num primeiro instante, Paracelso crê que o que o homem quer
é se tornar um alquimista, mas ele não demora em esclarecer o mal-entendido. “O
ouro não me importa”, diz. No que está interessado, então? No caminho que
conduz à Pedra. “O caminho é a Pedra. O ponto de partida é a Pedra. Se não
entendes estas palavras, nada entendes ainda. Cada passo que deres é a meta”.
O estranho afirma estar disposto a passar todas as
dificuldades que forem necessárias ao lado de Paracelso, mas antes de dar o
passo definitivo ele precisaria de uma prova. Paracelso, preocupado, não
pergunta que prova ele exige, mas quando quer ver essa prova. O estranho
responde que imediatamente. “Haviam começado a conversa em latim; agora falavam
em alemão”, escreve Borges. “É verdade — falou — que podes queimar uma rosa e
fazê-la ressurgir das cinzas, por obra da tua Arte. Deixa-me ser testemunha
desse prodígio. Isso te peço, e te dedicarei, depois, a minha vida inteira”.
A partir deste momento o diálogo se coloca numa discussão
filosófica. Paracelso pergunta se ele acredita que existe alguém capaz de
destruir uma rosa. Ninguém é incapaz, diz o aspirante a discípulo. Paracelso
argumenta que nada do que existe pode ser destruído. Tudo é mortal, responde o
estranho. “Se atiras esta rosa às brasas”, disse Paracelso, “acreditarias que
tenha sido consumida e que a cinza é verdadeira. Digo-te que a rosa é eterna e
que só a sua aparência pode mudar. Me bastaria uma palavra para que a visse de
novo”.
O estranho fica surpreso com a resposta. Insiste que
Paracelso queime a rosa e a faça emergir das cinzas, seja com alambiques ou com
a Palavra. Paracelso resiste: fala de aparências que induzem, cedo ou tarde, ao
engano, fala de fé e credulidade, fala sobre a busca.
O homem estranho leva a rosa e a joga no fogo. Ela fica
reduzida em cinzas. O estranho, diz Borges, “durante um instante infinito,
esperou as palavras e o milagre”. Mas Paracelso não faz nada, ele fica parado,
triste, e se lembra que, segundo a opinião dos médicos e farmacêuticos da
Basileia, ele é um malandro enganador.
O estranho acredita compreender e tenta não humilhá-lo mais.
Ele não exige mais nada dele, recolhe suas moedas de ouro e sai educadamente.
Apesar do amor e admiração que sente por Paracelso, difamado por todos, entende
que por detrás dessa máscara não há nada. E pergunta a si próprio quem é ele
para julgar e expor Paracelso. Pouco depois eles se despedem. Paracelso o
acompanha até a porta, mas não antes de lhe dizer que será sempre bem-vindo em
sua casa.
O estranho promete voltar. Ambos sabem que nunca mais se
verão. Já só, e antes de apagar as luzes, Paracelso recolhe as cinzas e diz uma
única palavra em voz baixa. E em suas mãos a rosa ressurge.
* Tradução de E. Galeno. Borges y Paracelso foi publicado inicialmente no jornal Las Últimas Noticias, de Santiago, Chile, em 11 de abril de 2001, p.43. Existe uma reprodução do recorte aqui, no Archivo de Referencias Críticas da Biblioteca Nacional de Chile.
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