Boletim Letras 360º #588

Chico Buarque em Roma, 1969. Arquivo Carlos Jobim.




LANÇAMENTOS

Novo livro de Chico Buarque tem nas memórias a matéria-prima para sua ficção.

Via San Marino, 12. No primeiro andar do prédio baixo e amarelo, o menino traça rotas no mapa-múndi que cobre a parede do quarto. A náusea sentida durante a navegação do Brasil à Itália ficara para trás e as viagens cartográficas vão sendo deslocadas, em escala menor, para os percursos pelas ruas de uma cidade a ser descoberta. Reminiscências diversas compõem esse trajeto: as primeiras manifestações do desejo; as partidas no gol a gol com Amadeo, o filho do quitandeiro; a escola e suas fugas; cartas, bilhetes e romance, toda uma escrita endereçada a Sandy L., sua paixão juvenil; a dor da apendicite.
Em sua bicicleta niquelada com pneus brancos, Chico Buarque faz o zigue-zague por Roma, solta às vezes a mão do guidom e ensaia um equilíbrio fino entre lembrança e imaginação. Nesse passeio delicado, vislumbres da relação com o pai, a mãe e os irmãos somam-se às experiências formativas projetadas por um narrador às voltas com o passado. Você pode comprar o livro aqui.

Chega ao Brasil o único romance da contista vencedora do prêmio Nobel Alice Munro.
 
Vidas de meninas e mulheres é, como Alice Munro costumava dizer, “autobiográfico na forma, mas não nos fatos narrados”. A obra retrata o processo de amadurecimento de Del Jordan, uma menina que vive em uma pequena cidade na zona rural do Canadá, na década de 1940. Del passou sua infância na fazenda de raposas do pai, onde suas companhias mais frequentes eram um excêntrico solteirão, amigo de longa data da família, e seu rude irmão mais novo. Porém, à medida que cresce, ela passa a conviver mais de perto com diferentes mulheres que marcarão para sempre sua vida. Entre elas estão sua mãe, uma vendedora de enciclopédias cuja opinião forte e ideias agnósticas chocam os vizinhos; a voluptuosa Fern Dougherty, que aluga um quarto na casa da mãe de Del; e sua melhor amiga e também adolescente, Naomi. Del divide com essas mulheres suas angústias, descobertas e seus primeiros encontros com o sexo, o nascimento e a morte. Com esse delicado e profundo romance, o único de sua carreira literária, Munro — que é considerada mestre da narrativa breve contemporânea — narra de forma magistral as dores e as dádivas do amadurecimento e retrata como ninguém o lado belo e sombrio de se tornar mulher. Com tradução de Pedro Sette-Câmara, o livro sai pelo selo Biblioteca Azul. Você pode comprar o livro aqui.
 
Pedro Almodóvar por ele mesmo. Em doze contos, o cineasta compõe um autorretrato único, inventivo e original — assim como sua pessoa.
 
“Este livro é o mais próximo que escrevi de uma autobiografia, ainda que fragmentada. [...] O leitor conseguirá obter o máximo de informações sobre mim como cineasta e como fabulador (escritor), e sobre a maneira como essas coisas acabam se misturando em minha vida”, escreve Pedro Almodóvar sobre O último sonho. Os doze textos aqui reunidos abrangem vários períodos da vida do diretor de filmes como Tudo sobre minha mãe e Má educação, desde finais dos anos 1960 até a atualidade, e refletem sobre suas obsessões e sua evolução como artista. Estão presentes os sombrios anos escolares em colégios religiosos, a influência da ficção em sua vida, os efeitos inesperados do acaso, os inconvenientes da fama, o fascínio pelos livros, a experimentação com gêneros narrativos e a relação com as mulheres de sua família, em registros que revelam a força criativa de um dos mais aclamados cineastas de nosso tempo. A tradução de Miguel Del Castillo sai pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
A estreia de Andrey Pereira de Oliveira na poesia.
 
Autor de significativa obra na crítica e nos estudos literários, como o indispensável Utopia e agonia: o indianismo de Gonçalves Dias e A razão embotada: ensaios de crítica literária, Andrey Pereira de Oliveira estreia na poesia com Coruja de trapo. A noção de trapo que aparece no título deste livro serve de pista a respeito do tom da obra. Desde suas epígrafes, que trazem a imagem do apodrecimento e da queda, percebemos que estamos diante de poemas que estabelecem forte diálogo com a tradição reflexiva da poesia modernista brasileira — mas não só. Suas referências também são clássicas e do além-mar. O tempo enquanto artista da deterioração e do desgaste é interesse deste Coruja de trapo — um tempo vislumbrado, por exemplo, em velas rasgadas e dias cariados. Assim, os versos, mais que nunca, seguem sendo o esforço precário da captura impossível. O livro é publicado pela Cepe Editora. Você pode comprar o livro aqui.
 
Antologia apresenta aos leitores brasileiros uma abertura para a obra do escritor alemão Marcel Beyer.
 
“CAN U HEAR ME” diz um dos versos do primeiro livro de poemas de Marcel Beyer, instaurando assim uma poética feita de vozes próprias e alheias, ruídos, scratchs e sobreposições de rastros, fragmentos e relíquias sonoras. Diante destes textos somos relembrados de que o primeiro órgão sensorial de um poeta é, na verdade, o ouvido. A forma como o autor integra nos seus poemas citações, frases e aforismos deve-se frequentemente às sugestões e aos efeitos estimulantes presentes em sua sonoridade. São os sons de aparelhos sonoros, bem cômodas memórias da fala, ecos da música pop combinados com os da poesia medieva, clássica e moderna que fazem desses textos uma sobreposição de canções de todas as épocas.  Douglas Pompeu, autor dessa sinopse, organizou e traduziu os poemas reunidos na antologia Minha voz de tinta publicada pelas Edições Jabuticaba. Você pode comprar o livro aqui.
 
Ibrahima Balde fundamenta Meu irmãozinho a partir de sua história de vida, quando foi resgatado no mar e encontrou abrigo provisório no País Basco, na Espanha.
 
Ibrahima Balde é ainda menino quando seu pai subitamente morre. Como filho mais velho, ele é obrigado a deixar sua aldeia no interior da Guiné para encontrar trabalho e sustentar a família. Longe de casa, e sempre sozinho, Ibrahima passa a exercer diversos ofícios. Quando enfim consegue um emprego como aprendiz de caminhoneiro, ele descobre que Alhassane, seu irmão mais novo, abandonou a escola e fugiu para a Líbia, perseguindo o sonho de ganhar dinheiro na Europa e ajudar a família. Deixando tudo para trás, Balde segue os passos do irmão com o objetivo de convencê-lo a voltar para casa e concluir os estudos. A longa viagem, cheia de dificuldades, e por vezes realizada a pé, leva-o a Mali, Argélia, Líbia, Marrocos, passando pelo deserto do Saara e pelos campos de refugiados do Norte da África. No deserto, ele é mantido em uma prisão que funciona como mercado de escravizados. Na Líbia, novamente preso, é vendido a um criador de galinhas, mas foge pela segunda vez. Só então, ao chegar a um acampamento na Argélia, descobre que seu irmão pode ter desaparecido ao tentar atravessar o Mediterrâneo. Angustiado, oprimido pela culpa e incapaz de voltar para casa, Ibrahima decide embarcar em um bote inflável em direção à Europa. Contada ao bardo Amets Arzallus Antia, Meu irmãozinho é uma obra arrebatadora. Com tradução de Estebe Ormazabal, o livro sai pela editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Com uma escrita de economia requintada, Salomé Esper nos surpreende pelo domínio da arte da narração, pelo humor e pela doçura com que trata seus personagens.
 
Hilda Bustamante tem 79 anos e, como todas as pessoas, um dia chega sua hora de morrer. O inusitado é que, algum tempo depois, Hilda revive em sua tumba, consegue quebrar o caixão e, sem entender bem o que está acontecendo, retorna para casa, para a comoção de Álvaro, o amor de sua vida, de Amélia, sua adorada neta adotiva, e das “meninas” da igreja, que sempre a consideraram uma pessoa discretamente extraordinária. Vidros se estilhaçam, sinos tocam, gafanhotos invadem a cidade e muita gente se espanta com essa ressurreição. Com tudo isso, esta não é uma história de zumbis, nem apenas sobre a morte; esta é uma história de profundo amor e doçura, de imensa gratidão, compreensão e de respeito às diferenças. Rediviva, Hilda provocará o passado e o presente, transformando a cidade e as pessoas ao seu redor para sempre, além de, é claro, deixar muitas saudades. A segunda vinda de Hilda Bustamante é o admirável primeiro romance de uma autora que veio para ficar. Com tradução de Sérgio Karam, o livro sai pelo selo Autêntica Contemporânea. Você pode comprar o livro aqui.

Chico Buarque em leitura. Livro reúne análise de oitenta canções do compositor brasileiro.
 
Em junho de 2024, Chico Buarque chega aos 80 anos com uma obra que é um verdadeiro monumento da cultura brasileira. Embora tenha atuado em diversos gêneros — literatura, teatro, cinema —, foi como cancionista que primeiramente se destacou e produziu de maneira mais prolífica, sendo suas canções seu maior legado para as artes nacionais. Celebrando as oito décadas de vida de Chico, o jornalista André Simões analisa 80 canções do compositor, traçando um painel representativo de toda a sua carreira. De “Pedro pedreiro” (1965) a “Que tal um samba?” (2022), cada um dos breves capítulos mantém a ideia central de que uma canção não pode ser satisfatoriamente entendida e avaliada quando se trata isoladamente de música ou letra. As análises consideram não apenas a interação lírico-musical, mas também elementos como arranjo, interpretação, contexto histórico e recepção, entre outros. Repassando a carreira de Chico, também se mostra parte relevante da história do Brasil nos últimos 60 anos. O autor trata as canções com o respeito que merecem, produzindo um estudo com rigor e profundidade, sem abrir mão de uma linguagem acessível, com sabor de crônica. Não se precisa de muita reflexão para perceber as canções de Chico como belas; ao entender-se por que há tanta beleza nelas, porém, a experiência de audição se torna mais rica e prazerosa: é como se velhos conhecidos de repente pudessem ser vistos sob nova luz. Chico Buarque em 80 canções é publicado pela Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
 
A nova edição das Três vidas, de uma das autoras mais importantes do modernismo estadunidense.
 
Gertrude Stein ficou conhecida por questionar os fundamentos básicos da narrativa realista e experimentar com os limites da linguagem, e as sementes de seu estilo radical se encontram no seu livro de estreia a respeito de diferentes mulheres. Publicado originalmente em 1909, o livro acompanha as agruras de três mulheres trabalhadoras enquanto lidam com questões de classe, matrimônio, hierarquia e raça — “A boa Anna” e “A gentil Lena” tratam de imigrantes generosas e ingênuas, enquanto “Melanctha” aborda as nuances da vivência de uma mulher birracial no começo do século XX. Organizado como um tríptico, à moda de Três contos, de Flaubert, o livro de Stein é marcado pela sua prosa hipnótica, que utiliza a repetição de forma criativa e irônica, e abre as portas para uma das vozes mais inovadoras da literatura mundial. A tradução de Vanessa Barbara sai pelo selo Penguin/ Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
RAPIDINHAS
 
99 com 100 anos no horizonte 1. A última empreitada de Dalton Trevisan tem sido, mais uma vez, revisar a obra e, agora, organizar o vasto acervo, incluindo a seção de correspondências. O contista travou diálogos constantes através de missivas com Antonio Candido, Rubem Braga, Ivan Lessa, entre outros.
 
99 com 100 anos no horizonte 2. Uma parte dessa organização resultou na doação para o Instituto Moreira Salles de mais de 600 cartas trocadas com Otto Lara Resende e esse material, com cartas também para Fernando Sabino, Hélio Pelegrino e Paulo Mendes Campos deve sair em livro, preparado por Elvia Bezerra, pela Companhia das Letras.
 
Gertrude Stein, a poeta. A Editora Machado publicará uma obra que marcou o modernismo estadunidense. Estrofes de meditação sairá integralmente pela primeira vez no Brasil com tradução de Júlia Manacorda e textos de John Ashbery e Ismar Tirelli Neto.
 
João do Rio em Paraty. A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) homenageia em 2024 a obra do autor de, entre outros títulos, As religiões no Rio e A alma encantadora das ruas.

Algo mais de Franz Kafka. A Editora Estação Liberdade publicará a coletânea bilíngue Contos curtos do fim da vida com textos do escritor tcheco. O trabalho de tradução é de Izabela Maria Drozdowska-Broering, Daniel Martineschen e Markus Johannes Weininger.

DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. O falecido Mattia Pascal, de Luigi Pirandello (Trad. Silvia Massimini Felix, Editora Unesp, 262p.)  A história de um homem que, cansado da sua vida de arquivista e do casamento, decide viajar até Monte Carlo, onde a sorte lhe permite obter no cassino uma enorme fortuna, e ao regressar para casa toma conhecimento de que fora dado como morto. Você pode comprar o livro aqui
 
2. As minas de ouro do Brasil (Brasilienses Aurifodinae), de Basílio da Gama (Trad. Alexandra de Brito Mariano, Edusp, 392p.) O até agora poema inédito do mais importante nome da literatura árcade no Brasil. escrito em Latim entre 1762 e 1764, trata-se de um raro texto cujo tema versa acerca da mineração do ouro em Minas Gerais. Você pode comprar o livro aqui
 
3. Poesia, de Ezra Pound (Trad. Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grünewald e Mário Faustino, Cobalto,2024). Reedição da célebre antologia organizada por Augusto de Campos acrescentada do texto de “Extrapound”, coletânea que saiu no Brasil em 2020.  Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
No dia dos 99 anos de Dalton Trevisan, celebrados a 14 de junho, publicamos algumas notas acerca de Sonata ao luar, um dos seus primeiros livros. Este foi renegado até 2023, quando autorizou uma nova edição pela Arte & Letra. 
 
BAÚ DE LETRAS

Em junho de 2008, editamos um pequeno retrato de Dalton Trevisan no âmbito da longeva série de perfis literários disponibilizados nesta página.
 
A postagem mais recente dedicada ao escritor curitibano é a leitura oferecida por Marcelo Jungle para a Antologia pessoal — livro resultado do trabalho recente do escritor de ordenação da obra e do arquivo pessoal. Aqui

Chico Buarque, 80 anos. A obra do multiartista brasileiro que alcança nova data redonda no dia 19 de junho de 2024 já foi diversamente explorada aqui no Letras. Neste endereço, você poderá encontrar textos sobre a música, a literatura e a dramaturgia buarquiana. 
 
DUAS PALAVRINHAS
 
Para escrever o menor dos contos, a vida inteira é curta. Nunca termino uma história. Cada vez que a releio, eu a reescrevo. E segundo os críticos, para pior...
 
— Dalton Trevisan, entrevista para Araken Távora.

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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidade das referidas casas.
 

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