Boletim Letras 360º #587

DO EDITOR
 
Olá, leitores! Foi em alguma edição passada que comentei acerca do andamento de uma longa reforma começada desde a travessia para o aniversário de dezessete anos do Letras. Parte dela já é visível: o visual repaginado e a reorganização de parte do conteúdo.
 
Um exemplo da reorganização é a presença de uma seção dedicada ao ensaio. Publicamos este gênero desde sempre, mas os textos ficavam escondidos sob rótulo de outra coluna, a intitulada Intervalo e que há muito serve para abrigar conteúdos distintos daqueles que constituem o carro-chefe da página: as resenhas.
 
Outro exemplo: a seção cinema, com entradas semanais sempre às quartas-feiras, agora se chama Cinema e tv, por razões e motivos precisos, uma vez acompanharmos a viragem dos modos de acesso à sétima arte ou ainda o aparecimento de outros produtos visuais de interesse aos olhos da arte, como a série.
 
A outra parte da longa reforma ainda durará um bom tempo. Trata-se de passar em revista postagem a postagem desde aquela que colocou o Letras online em 27 de novembro de 2007. É sonho que isso esteja concluído no próximo aniversário. Mas, por enquanto, apenas sonho. São pouco mais de cinco mil publicações e sequer alcançamos um terço dessa quantidade.
 
Vale explorar a casa com nova vista. Obrigado pela companhia de sempre. Todo esse esforço é parte de um só motivo: a atenção com vocês.


Gonzalo Unamuno. Foto: Maxi Falla


LANÇAMENTOS
 
A chegada da obra de Gonzalo Unamuno ao Brasil. A PontoEdita publica dois romances do escritor argentino e reúne os livros numa caixa exclusiva. Obras têm tradução de Mauricio Tamboni.
 
1. Lila tem 40 anos quando é vítima de um crime hediondo cometido por seu companheiro, Germán Baraja, logo depois de noticiar que está grávida. Psicopata perverso, repulsivo e covarde, Germán narra fragmentos da relação a partir do desfecho fatal e revela sua própria impossibilidade de adaptação e empatia com o meio ambiente. A trama se confunde com a história de vida de Lila: sua infância como filha de um diplomata, sua antiga fama como atriz de televisão, sua saúde delicada e as aventuras de um ambiente familiar muito particular. Longe de se arrepender do crime, Germán encarna as reações mais violentas e doentias dos resquícios de uma misoginia que insiste em reaparecer. Dono de uma prosa tão bela quanto contundente, Unamuno confirma-se com Lila como uma das vozes mais singulares da literatura argentina atual, ao mesmo tempo em que revela os estilhaços de uma sociedade doente de patriarcado. Você pode comprar o livro aqui.
 
2. Um homem que vive num apartamento decadente e sujo em Buenos Aires expõe sua visão de mundo num discurso explosivo, melancólico e violento enquanto tenta lidar com a morte iminente da mãe, a recaída às drogas e o trabalho medíocre de jornalista freelance. Escrito em reverso, como uma espécie de Irreversível, de Gaspar Noé, o livro de Gonzalo Unamuno expõe sem concessões as dores metafísicas e espirituais, os abismos e paradoxos do homem no início do século 21. Sua ironia ácida e labiríntica, que em vários momentos reverbera (ou quase reprisa) trechos dos monólogos de Travis Bickle em Taxi Driver, investe contra as pretensões do individualismo que forjou a geração que foi jovem no início dos anos 2000. O protagonista de Para acabar com tudo, uma espécie de “homem do subsolo”, experimenta uma aversão ao que enxerga como decadência urbana e política. Ele também se sente profundamente humilhado em relação à sua própria posição, e suas relações sociais vão escalando até culminar em um colapso que se reflete na linguagem torrencial e nas reações violentas cujo único propósito parece ser a pulsão de morte, a vontade de acabar com tudo. Você pode comprar o livro aqui.

3. Para aquisição da caixa, vá aqui.
 
Uma obra-prima da literatura em língua alemã do século XX.
 
Juventude sem Deus, publicado em 1938 na Holanda após ser proibido na Alemanha, acompanha a crise de consciência de um professor em meio ao ambiente sufocante do regime racista e colonialista imposto pelo governo de Hitler. Adaptado para o cinema e para o teatro, foi recebido com entusiasmo por Hermann Hesse, Thomas Mann e Joseph Roth, e admirado por Natalia Ginzburg e Peter Handke. Ainda pouco conhecido no Brasil, este é um clássico da literatura em língua alemã. Com tradução de Sergio Tellaroli, o livro é publicado pela editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Neste magistral romance de filiação, Anthony Passeron mescla pesquisa sociológica e história íntima para retraçar o passado recente e trágico de sua família e reconstituir o momento histórico da descoberta do vírus HIV no início dos anos 1980.
 
Entre segredos guardados, lampejos de memória e emoções obscurecidas pelo tempo e pela vergonha, o escritor francês mergulha no mistério que circunda a morte de seu tio Désiré, que era dependente de heroína, e emerge com um drama coletivo cujas feridas permanecem abertas até hoje. Profundamente inspirado por Annie Ernaux, Passeron retrata a ascensão social de seus avós, originários de famílias camponesas que, ao longo de suas vidas, ascenderam a comerciantes em um vilarejo próximo a Nice, na França. Entrelaçando as duas narrativas, ele também reconstrói de forma eletrizante os primeiros casos de sintomas do HIV e reconta a batalha travada por médicos franceses e estadunidenses contra uma doença desconhecida e letal, impregnada de estigma e preconceito. O medo da morte iminente e da desonra, somado ao rastro de destruição deixado pelo vírus e pela heroína, são temas centrais. Com sua narrativa incisiva, Passeron revisita o trauma, expondo o terror e os danos causados pela desinformação. “Uma mãe que garante que seu filho não sofre de uma doença de homossexual e drogado. Um filho que diz não se drogar mais. A cada um seu território: aos médicos, a ciência; à minha família, a mentira.” Os meninos adormecidos é um romance comovente, que evoca a solidão das famílias em uma época marcada pela completa ignorância sobre o vírus, a negação avassaladora e a marginalização dos infectados. Publicação da editora Fósforo, com tradução de Camila Boldrini. Você pode comprar o livro aqui.
 
O romance que continua o aclamado A idiota, de Elif Batuman.
 
Nesta sequência Selin não é a mesma caloura inocente em Harvard. Mais madura, mas ainda influenciada pela literatura e pela filosofia, ela retoma sua busca por autoconhecimento e observa atentamente suas relações — com amigos, com a família e com Ivan — para, assim, tentar finalmente encontrar seu caminho na vida adulta. Em Ou-ou, Elif Batuman dá continuação ao relato minucioso dos dias de Selin na faculdade, iniciado em A idiota — livro finalista do prêmio Pulitzer e que revelou a autora como uma das vozes mais originais e representativas da nova geração. Depois de dois semestres de pouca ação, resumidos a pensar demais em tudo e obsessivamente trocar e-mails com Ivan — um estudante húngaro por quem se apaixona —, a estudante de literatura Selin Karadağ enfim percebe que precisa começar a agir. Guiada pelos livros e influenciada por seus amigos, ela finalmente reconhece a importância incontornável das festas, do álcool e do sexo, e resolve aproveitá-las ao máximo. Com o título inspirado no livro do filósofo Søren Kierkegaard sobre ética e estética — conceitos basilares para Selin compreender a vida e como vivê-la —, Ou-ou é mais um romance impressionante de Elif Batuman, que se vale de símbolos imprescindíveis da geração millennial para tratar da universalidade da juventude. A tradução de Odorico Leal é publicada pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
O novo romance de Tatiana Salem Levy.
 
Melhor não contar abre com uma cena iniciática: aos dez anos, a protagonista relaxa numa piscina, na companhia da mãe e do padrasto. Sem ter chegado ainda à puberdade, se desfaz da parte de cima do biquíni e desfruta da inocência sob o sol e o vento. O sossego é interrompido quando o padrasto, um aclamado cineasta, apresenta o esboço do desenho de observação que fizera há pouco ― ali está a menina, retratada naquele momento, com um detalhe que foi impossível passar desapercebido: “Seus mamilos, apontando um para cada extremidade do papel, chamam a atenção. Há mais tinta neles, foram desenhados com força. Estão eretos, reparo”. Esse acontecimento marcaria o fim da infância daquela menina, filha de uma intelectual e jornalista pioneira, uma mulher de espírito e vitalidade incomuns. E, a despeito disso ― como repara a narradora, já adulta —, até mesmo essa mãe poderosa e aparentemente imbatível teve que se haver com os flutuantes desejos masculinos e as desigualdades gritantes entre os gêneros. Na vida e na arte. Fazendo do título do livro um paradoxo brilhante, a narradora resolve então contar tudo (ou quase): da doença galopante que vai tirar a mãe do seu convívio ainda na juventude à reação de um companheiro a um aborto da protagonista já madura e morando no exterior. E faz ainda mais: reflete sobre a diferença entre mulheres e homens na hora de narrar uma história. Publicação da editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
 
Publicado originalmente em 1923, quando Cecília Meireles tinha 20 anos, Nunca mais... e poema dos poemas é um testemunho precoce do talento e da sensibilidade da escritora que viria a se tornar uma das maiores vozes da poesia brasileira.
 
Segundo Luciano Rosa, responsável pela apresentação desta edição, a obra já delineia a alta qualidade que o trabalho da poetisa alcançaria. Apesar da atmosfera de penumbra que envolve muitos dos escritos, um constante fluxo vital percorre os textos, marcados por uma forte tensão existencial que tanto fascina os leitores da autora. Com uma capa inédita e cuidadosa revisão, esta nova edição de Nunca mais... e poema dos poemas resgata a essência e a beleza dos 42 poemas que compõem o livro.  Dividido em duas partes, o volume revela os estados de alma da jovem Cecília, permeados por tristeza e desencanto, mas também iluminados por sua musicalidade e lírica encantada. Os versos aqui reunidos refletem o profundo interesse de Cecília pela música, um legado de sua adolescência no Conservatório de Música do Rio de Janeiro. Poemas como “Canção desilusória”, “Intermezzo”, “Cantiga outonal”, “Agitato” e “Canção triste” revelam a influência do aprendizado musical em sua obra poética. Expõem ainda como a literatura sempre esteve presente na vida da escritora. Desde a escola primária, ela já fazia versos, tal como registrou em depoimento. Assim, é fácil perceber aspectos que lhe são marcantes, como o sentimento de exílio e uma incessante busca do sentido da existência. Com este lançamento, a Global Editora celebra o dom de Cecília Meireles, mas também proporciona ao leitor uma oportunidade única de se conectar com a magia e a profundidade dos poemas de uma das grandes poetisas da língua portuguesa. Publicação da editora Global. Você pode comprar o livro aqui.
 
Reedição da destacada obra queer de João Silvério Trevisan com ilustrações de Francisco Hurtz e prefácio de Alexandre Rabello.
 
Intenso e impactante, mas sem perder a sensibilidade e a delicadeza, Em nome do desejo, de João Silvério Trevisan, foi lançado originalmente em 1983. Há décadas esgotado, o romance retorna em nova edição, com design assinado pelo premiado artista gráfico Gustavo Piqueira. Para contar a história de amor e ódio entre os seminaristas Abel e Tiquinho — jovens divididos entre a mortificação da carne e a exaltação da alma, presos entre as glórias do divino e a ebulição da adolescência —, Trevisan contrapõe a beleza sensual à rigidez católica. Com um enredo envolvente, o autor guia o leitor entre labirintos de desejo proibido e mortificação. Como Italo Moriconi assinala na orelha do livro: “João Silvério Trevisan mostra que proibições alimentam aquilo que proíbem, são, na verdade, produtivas […]. Além de boa ficção, Em nome do desejo nos traz uma reflexão densa sobre os desígnios (mistérios) do corpo.” Os trabalhos de Francisco Hurtz, que articulam masculinidade e homoerotismo, ilustram a belíssima edição. O prefácio do escritor e curador Alexandre Rabello reforça a atualidade da obra. Publicação da editora Record. Você pode comprar o livro aqui.

RAPIDINHAS
 
Dalton & Poty 1. A editora Arte & Letra reúne numa caixa o livro de Fabricio Vaz Nunes que examina a parceria de mais de quatro décadas entre o escritor e o ilustrador.
 
Dalton & Poty 2. Com tiragem limitada o pequeno arquivo reúne cartões postais, fanzine, cartazes, ilustrações, álbum de figurinhas e fotografias inéditas.
 
Tropas e boiadas. A editora Ercolano se prepara para publicar uma nova edição do livro de Hugo de Carvalho Ramos, acrescida de textos esparsos do escritor.
 
OBITUÁRIO
 
Morreu Edgardo Cozarinsky
 
Edgardo Cozarinsky nasceu em Buenos Aires no dia 13 de janeiro de 1939. Desde a juventude constituiu uma carreira de amplo reconhecimento em várias áreas da criação; foi escritor, dramaturgo, cineasta e ator. Estudou literatura na Universidade de Buenos Aires e é nessa época quando conhece e se liga a nomes da cena literária portenha como Silvina Ocampo, Adolfo Bioy Casares e Jorge Luis Borges, e quando inicia sua atividade como escritor. Em 1974, depois de renegar o ensaio El laberinto de la aparencia, dedicado ao estudo de Henry James, publica outro livro do gênero, Borges em /e/ sobre cinema. De então, atravessa longo intervalo de silêncio — é o tempo de turbulência política na Argentina e Cozarinsky busca exílio em Paris, onde inicia sua trajetória pelo cinema. É em 1985 publica o livro de contos que o projeta dentro e fora do seu país, Vodu urbano. É no conto, inclusive, que o escritor obtém os mais relevantes destaques no meio literário, como demonstra o recebimento do Prêmio Hispano-americano de Conto Gabriel García Márquez, em 2015. Os diversos livros nessa forma da prosa foram agrupados em Cuentos reunidos (2019). Publicou também romances como “El rufián moldavo” (2004), Maniobras nocturnas (2007), Lejos de donde (2009, Prêmio Melhor Romance pela Academia Argentina de Letras), Dinero para fantasmas (2012), En ausencia de guerra (2014) e Cielo sucio (2021), livros crônicas, memórias e ensaios. Edgardo Cozarinsky morreu dia 2 de junho de 2024, em Buenos Aires.
 
DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. O pacto da água, de Abraham Verghese (Trad. Odorico Leal, Companhia das Letras, 632p.) Um testemunho do progresso da medicina, da própria passagem do tempo e dos sacrifícios feitos por aqueles que vieram antes de nós. Você pode comprar o livro aqui
 
2. Cantos à beira-mar e outros poemas, de Maria Firmina dos Reis (Fósforo; Luna Parque Edições, 280p.) É conhecido de grande parte dos leitores a prosa mas não a poesia da maranhense. Este foi o único livro de poemas que editou em vida. Aos poemas do original, a edição acrescenta outros 34 inéditos em livro, saídos da imprensa e do seu diário. Você pode comprar o livro aqui
 
3. Virginia Woolf & Vita Sackville West: cartas de amor (Trad. Camila von Holdefer, Editora Morro Branco, 320p.) A primeira vez que o envolvente e exuberante convívio de uma aristocrata com a escritora inglesa é colocado aos olhos do leitor brasileiro através das suas correspondências. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
Neste mês celebramos os 99 anos de Dalton Trevisan. Entre as várias eventos marcados está a realização de um encontro na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). No evento acontece a exposição do livro Dalton Trevisan: uma literatura nada exemplar. Organizado pelos professores Fernando Paixão e Hélio de Seixas Guimarães e publicado pela Tinta-da-China e IEB, o livro está disponível aqui
 
Resquícios dos 150 anos do nascimento de Macedonio Fernández — escritor indispensável da literatura argentina. Saiu em nosso Instagram uma postagem com um recorte de depoimento de Ricardo Piglia sobre Macedonio e seu principal romance, Museu do romance da eterna.
 
BAÚ DE LETRAS
 
Ainda na superfície do baú. Saiu na terça-feira, a tradução deste breve perfil do escritor argentino Macedonio Fernández.

DUAS PALAVRINHAS
 
Nada é para sempre, dizemos, mas há momentos que parecem ficar suspenso, pairando sobre o fluir inexorável do tempo.
 
— José Saramago, Cadernos de Lanzarote I

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