Qualquer consideração sobre James
Laughlin e New Directions deve começar com A Lista: uma lista cuja enunciação é
assombrosa, avassaladora em sua totalidade e surpreendente em seus detalhes. A
New Directions foi a editora — e quase sempre a primeira editora nos Estados
Unidos — de Apollinaire, Djuna Barnes, Bei Dao, Jorge Luis Borges, Paul Bowles,
E. R. Brathwaite, Bertolt Brecht, Albert Camus, Camilo José Cela, Céline, Blaise
Cendrars, René Char, Jean Cocteau, Edward Dahlberg, René Daumal , Lawrence Durrell,
Paul Éluard, Shūsaku Endō, García Lorca, John Hawkes, Hermann Hesse, Vicente
Huidobro, Christopher Isherwood, Alfred Jarry, James Joyce, Franz Kafka,
Lautréamont, Thomas Merton, Henri Michaux, Henry Miller, Yukio Mishima, Eugene Montale,
Vladimir Nabokov, Pablo Neruda, Nicanor Parra, Boris Pasternak, Octavio Paz, Raymond
Queneau, Raja Rao, Pierre Reverdy, Rainer Maria Rilke, Rimbaud, Jean-Paul Sartre, W. G. Sebald, Jules Supervielle, Italo Svevo, Antonio Tabucchi, Dylan Thomas, Giuseppe
Ungaretti, Paul Valéry, Elio Vittorini, Nathanael West e Tennessee Williams.
Numa época em que estiveram meio
esquecidos — hoje parece inusual — a New Directions manteve Henry James, F.
Scott Fitzgerald, Evelyn Waugh, E.M. Forster, William Faulkner. Durante
décadas, as únicas edições de Charles Baudelaire e Rimbaud foram suas. E a ND
foi e continua sendo a estação central da poesia americana de vanguarda: Ezra Pound,
William Carlos Williams, H.D., Kenneth Rexroth, Kenneth Patchen, George Oppen, Charles
Reznikoff, Charles Olson, Robert Duncan, Robert Creeley, Gary Snyder, Denise Levertov,
Lawrence Ferlinghetti, Gregory Corso, Michel McClure, Jerome Rothenberg, David Antin,
e para uma nova geração representada por Michael Palmer, Susan Howe, Forrest
Gander. Laughlin foi mais do que o maior editor estadunidense do século XX; sua
editora era do século XX.
Todo escritor tem uma história de
conversão — “o livro que me fez querer me tornar um escritor” — e para quase
todos os escritores que conheço, esse livro foi publicado pela ND:
Amerika,
A náusea,
No bosque da noite,
Um tempo no inferno, entre
outros, e até mesmo
Um parque de diversões da cabeça. Pertenço à última
geração que atingiu a maturidade antes da onda de superprodução de todas as
coisas. Na minha adolescência, as lombadas em preto e branco dos livros da New
Directions eram inconfundíveis nas prateleiras das livrarias e qualquer um
comprava sabendo que, se a ND havia publicado, precisaria ser lido.
O sucesso de Laughlin é
frequentemente atribuído à sua riqueza, mas as coisas não são tão simples. É
claro que ele era herdeiro da fortuna de uma siderúrgica: o enorme letreiro da
Jones & Laughlin dominava as colinas de Pittsburgh. Numa entrevista de há muito
tempo, Laughlin mencionou de passagem que no dia em que se formou em Harvard,
em 1936, seu pai lhe deu cem mil dólares para começar no mundo. (Meus pais, em
1936, tinham bons empregos, viviam modestamente uma vida de classe média e sua
renda combinada era de dois mil dólares por ano.) O jovem Laughlin, alto,
bonito, atlético e extremamente rico, poderia facilmente ter se tornado um
playboy.
Na verdade, ele se tornou um, mas um
playboy dedicado à literatura.
É preciso entender de que meio veio
Laughlin: os barões do aço de Pittsburgh; os Mellon, os Carnegie, os Frick.
Presbiterianos escoceses que contavam cada centavo enquanto gastavam milhões.
Andrew Carnegie articulou a sua filosofia num livro com o inestimável título:
O
Evangelho da riqueza, uma combinação de paternalismo e caridade. A riqueza
não era para desfrute pessoal, mas para ser mantida “em confiança” e
distribuída de acordo com a sabedoria do homem que fora inteligente o
suficiente para ganhá-la. Isto significava, por um lado, que os Mellon, os
Carnegie e os Frick foram generosos no financiamento de Universidades,
Fundações, Museus, Salas de Espetáculos e Hospitais que ainda levam os seus
nomes. Por outro lado, podiam ser implacáveis
quando
os seus metaf
óricos filhos se rebelavam, reprimindo
abertamente os grevistas e mandando assassinar os l
íderes das
fundi
ções de a
ço.
Laughlin nunca pagou para que
nenhum escritor fosse morto — nem mesmo um crítico — mas dedicou sua fortuna a
boas obras. Além dele, poucos ricos herdeiros estiveram envolvidos em
empreendimentos editoriais, e todos eles tiveram vida muito curta ou
rapidamente se transformaram em empreendimentos comerciais. O dinheiro
geralmente é desperdiçado com os ricos.
Laughlin não apenas dedicou sua
vida à modesta ocupação de fazer livros; além disso, e quase excepcionalmente,
não deu o seu nome à sua editora. Seu único sinal de própria monumentalização
era uma pequena linha que aparecia na página jurídica de cada livro, com uma
estranha preposição: “Os livros da New Directions são publicados para James
Laughlin”. Não
por:
para. Era uma homenagem ao legado de Andrew
Carnegie.
Sua riqueza poderia tê-lo levado a
uma longa lista de mediocridades. Se não o fez, foi devido não só à sua
evidente perspicácia literária, mas também ao seu compromisso com a modernidade
e o “novo”, ao seu conhecimento — hoje extinto entre os editores — de várias
línguas europeias, e à sua disponibilidade para ouvir os escritores (não os críticos,
resenhistas, agentes e fofoqueiros) na busca de novos nomes. A vida de Laughlin
é uma encruzilhada. Seu professor de clássicos do ensino médio, Dudley Fitts, o
colocou em contato com Pound, que o levou a William Carlos Williams, que o
levou a Nathaniel West. Pound levou a Henry Miller, que levou ao
Sidarta
de Hesse, o termômetro que sustentou dezenas de poetas obscuros. Williams o levou
a Rexroth que o levou a Snyder que o levou a Bei Dao; Dame Sitwell a Dylan
Thomas; Eliot a Djuna Barnes; Tennessee Williams a Paul Bowles.
Ele era, acima de tudo, um crente
fundamentalista na máxima de Pound de que um escritor leva pelo menos vinte
anos para ser reconhecido. (Hoje são alguns minutos ou quarenta anos). Enquanto
outras editoras tratam seus títulos como peixe fresco, a New Directions foi a
única a manter quase todos os seus livros em circulação durante décadas. Foi
outro legado esquecido do capitalismo do século XIX — a ideia de investimento a
longo prazo — e que no final valeu a pena. A estranha jerigonça de ontem está
no exame final de hoje.
Nem grande nem pequena, a New
Directions sobrevive como a última grande editora literária independente dos
Estados Unidos, e a única lucrativa que conheço que nunca publicou um livro
para ganhar dinheiro. Mas ganha dinheiro. ND é uma lição que ninguém aprendeu,
a tartaruga que atravessa as ruínas de contratos multimilionários e campanhas
publicitárias de livros que poucos querem hoje e ninguém vai querer amanhã.
Pound disse ao Laughlin de 20 anos
que ele nunca seria um poeta e que deveria fazer algo útil, como ser editor.
Pound — que normalmente tinha uma habilidade extraordinária para descobrir
jovens escritores — estava tão equivocado neste caso que pode ser suspeito de
agir em seu próprio interesse. Laughlin continuou a escrever, mas durante a
maior parte de sua vida o fez em segredo. Somente nos últimos anos ele começou
a publicar regularmente o que se tornaria uma pequena montanha de poemas,
ensaios, memórias e narrativas.
Em sua poesia ele desenvolveu uma
linguagem direta e sem adornos, aprendida com os gregos e os latinos, e com
Williams e Rexroth. Inventou a única nova forma prosódica na poesia americana
desde o verso de três partes de Williams: cada verso, composto em uma máquina
de escrever, não pode ter mais de uma letra mais ou menos curta que a anterior.
Uma ideia maluca, que funcionou. Juntamente com Rexroth, foi autor de longos
poemas narrativos e autobiográficos que permanecem pura poesia, ao mesmo tempo
que podem ser lidos como prosa. E escreveu, seguindo seus mestres gregos,
latinos e sânscritos, talvez a única poesia erótica americana engenhosa do seu
século. (É curioso que a melhor poesia erótica heterossexual dos Estados Unidos
tenha sido escrita principalmente por homens e mulheres mais velhos.)
Seu estilo de prosa é uma
combinação estranha e altamente divertida de um estudioso que fala um inglês
americano simples, um joyciano viciado em trocadilhos e o tipo de linguagem que
se ouve nas malucas comédias da década de 1930 — o jargão daqueles excêntricos
de smoking que falavam em máxima velocidade. Não há nada como seus escritos
críticos, especialmente agora que os críticos literários usam uma linguagem
mais próxima dos astrofísicos.
Laughlin foi o último veterano
americano da revolução da palavra, o último com memórias pessoais de todos os
mestres do movimento moderno. Ele trocou o pneu do carro de Gertrude Stein,
identificou o cadáver de Dylan Thomas no necrotério, enviou sapatilhas de balé
para a esposa de Céline depois da guerra, foi salvo de cair de um penhasco pela
rede de borboletas de Nabokov, pagou o psiquiatra de Schwartz e os advogados de
defesa de Pound, resgatou Merton a contrabando do mosteiro para ir beber.
Viveu desde a Primeira Guerra
Mundial até a primeira web global, aqueles monstruosos oitenta anos do planeta
em que os jovens escritores gostariam de ter vivido. Ele tinha a “aversão a si
mesmo” dos que são demasiado altos; podia desaparecer por meses para esquiar em
Alta, o resort que fundou; embora fosse obcecado por sósias, embora poucos
mortais fossem do seu tamanho; lembrava estranhamente George Bush; sua
biblioteca pessoal era incomparável e ele havia lido tudo; jogava golfe com
James J. Angleton; apaixonado pela Índia; era um atleta e um hipocondríaco;
enviou a Clinton — que chamava “Risonho” — uma cópia do
ABC da Literatura de
Pound como presente inaugural; era egocêntrico e generoso, hedonista e
depressivo, obstinado e extremamente receptivo. Aqueles que ele publicou e
aqueles para que não publicou nunca deixaram de reclamar dele; as ovelhas
pastavam em seus campos de Connecticut.
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