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Mostrando postagens de maio, 2024

Relicário de cuspes, de Leonardo Valente

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Por Herasmo Braga   No mundo contemporâneo, criar impactos, substituir informações por polêmicas, ter o maior número de likes , curtidas, compartilhamentos, seguidores, acaba sendo a razão última e, até mesmo, a única para muitos. Depararmo-nos com realizações, seja no campo das artes ou das ideias, exige paciência para não se deixar levar pelo camuflado, que acaba sendo exatamente o que se rejeita. Quando se volta para a literatura, em que se almejam novas produções literárias, distantes da abordagem temática de cunho social, do culto a si mesmo com traços biográficos idealizados, de construções tomadas como transgressoras na forma e no conteúdo, no entanto, apenas apresenta a imaturidade literária do seu autor, que possivelmente também é precário enquanto leitor, toda essa jornada desestimula produções literárias novas a agregarem na formação de um leitor estético crítico. Como não há nada absoluto nas elaborações humanas e, portanto, todas as regras acabam por gerir suas exceções, o

O vermelho e o negro, de Stendhal

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Por Pedro Fernandes Stendhal. Daguerreótipo de Félix Nadar.   Stendhal pertence à lista de uns poucos da literatura: a dos escritores que marcaram definitivamente sua história com uma breve obra. Para os padrões da sua época, também foi um escritor tardio. Seus únicos romances mais importantes — Le Rouge et le Noir (1830) e La Chartreuse de Parme (1839) — e quase tudo o escreveu nesse âmbito data de quando perdeu a vida modesta estabelecida nos limites da permanência de Napoleão no poder. Sua presença na literatura se fixou pelas contribuições no desenvolvimento de uma forma narrativa que desde os últimos séculos entrava em evidência e encontrara uma cultura que produzirá algumas das transformações mais relevantes na sua história. Muito do moderno realismo ou da compreensão que atribuímos ao romanesco se forjou com e partir de O vermelho e o negro , principalmente, o desenredamento do indivíduo da dinâmica social, padecendo os impasses psicológicos e existenciais devido as vicissitud

“Às vezes quero sumir”: uma representação onírica da solidão e da morte

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Por Lily Droeven Quando o tema da depressão é explorado no cinema, geralmente é representado de forma sombria e pessimista: muitas vezes são incluídas cenas sobre as recorrentes ideias de morte, o ato suicida ou sua tentativa, bem como as consequências que essa decisão causa nas pessoas próximas ao personagem. Enquanto isso, se questiona quais motivos o levaram a tal ponto e se fantasia como teria sido sua vida se tivesse encontrado ajuda a tempo. Nesses filmes raramente há um interesse técnico ou formal tecido na procura do simbolismo ou da intensidade figurativa da composição: não costumam se estabelecer pontes entre a narrativa e a linguagem cinematográfica.   Por isso, Sometimes I think about dying (2023) destaca-se entre os filmes dedicados a estes temas sombrios porque, ao aprofundar-se no tema da solidão, consegue encontrar um equilíbrio entre a história e a estética da sua imagem. Este segundo longa-metragem de Rachel Lambert constrói uma obra de ficção com a combinação de ele

Paul Auster: o mundo na sua cabeça e seu corpo no mundo

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Por Ivonne Saed Paul Auster no set de Lulu on the Bridge , 1997. Foto: Moviestore Collection Um jovem Paul Auster, de apenas dezenove anos, escreve em seu caderno de anotações: “O mundo está na minha cabeça. Meu corpo está no mundo.” Quase trinta anos depois, reencontra estas palavras e se dá conta de que, apesar de não recordar ao certo quando as escreveu ou em qual contexto, elas continuam a definir o conjunto da sua obra: uma urdidura que entrelaça a ficção que emana da sua imaginação com o traço de uma escrita autobiográfica que se alimenta daquilo que observa às margens de sua própria existência. Se o mundo participa das suas ideias e o seu corpo participa do mundo, então toda a sua pessoa e o mundo fluem sem distinção. As possibilidades de escrita abrem-se ao infinito.   Paul Auster, falecido em 30 de abril, deixa uma obra ficcional que rompe coma as próprias fronteiras e as do ensaio, da autobiografia e da invenção, e seduz seus leitores por meio dessa estratégia. As suas preocu

O barulho do fim do mundo, de Denise Emmer

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Por Renildo Rene Foto: Leo Martins/ Agência O Globo   Ela já tem uma trajetória bastante sólida na literatura — especialmente poesia, publicando cerca de 17 títulos — e na música, mas este é apenas o seu quarto romance publicado (em 2023, pela Bertrand Brasil). Denise Emmer, artista carioca, reimagina suas cifras literárias para montar O barulho do fim mundo , narrativa que realoca uma família transtornada na violência dentro de um testemunho lírico e volúvel produzido por uma residência secular.   Conhecemos, então, Amiudinha, uma garota com a infância ameaçada pelo desprovimento de afeto da mãe e os constantes abusos do seu padrasto. Diria assim que esse é o núcleo dos 15 capítulos curtinhos e o seu interesse maior, na verdade, salta para o modo como conhecemos essas personagens: aqui, a verdade é relatada por uma casa que, com um fundo de “vida própria”, se afeiçoa à garota e Lanterna, um cachorro comovido pela defesa de sua fiel companheira. Balançando entre o real-possível e o rea

Sete poemas de Dulce María Loynaz

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Por Pedro Belo Clara I.        Largo a minha palavra ao vento, sem chaves nem véus.      Porque ela não é um cofre de cobiças, nem uma mulher coquete que faz por parecer mais bela do que é.      Largo a minha palavra ao vento para que todos a vejam, a toquem, a espremam ou a esgotem.      Não há nela nada que não seja eu mesma: mas em cingi-la como cilício e não como manto pudesse estar toda a minha ciência.     II.        Só quem na sombra se crava, sugando gota a gota o suco vivo da sombra, logra erguer obra nobre e perdurável.      É aprazível o ar, aprazível a luz; mas não se pode ser todo flor…, e quem não render a alma à raiz, mirrará.     III.        Muitas coisas me deram no mundo: é só minha a pura solidão.     IV.        Ditoso tu, que não tens o amor disperso…, que não tens de correr atrás do coração tornado semente de todos os sulcos, corça de todos os vales, asa de todos os ventos.      Ditoso tu, que podes encerrar o teu amor num só nome, e dizer-lhe a cor dos olhos, e

Boletim Letras 360º #585

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DO EDITOR   Olá, leitores, como estão? Passo aqui para agradecer a cada um que usou o link de compras do Letras  ou os links distribuídos em nossas redes sociais   durante a Book Friday edição de 10 anos da Amazon. Sempre que precisar e quiser, o nosso link está à disposição. Você atende o seu desejo do livro (ou qualquer outro produto) e ajuda este projeto sem pagar nada mais por isso.   Tenham um excelente fim de semana! Louis-Ferdinand Céline. Foto: Collection Pierre Duverger   LANÇAMENTOS   Um inédito de Céline. Situado entre a autobiografia e a fabulação, livro examina a experiência central da sua existência: o trauma da guerra .   Escrito cerca de dois anos depois da publicação de Viagem ao fim da noite e inédito até 2022, Guerra narra a recuperação de Ferdinand, um combatente ferido durante a Primeira Guerra Mundial. Após ter o braço gravemente ferido no campo de batalha, o cabo retoma a consciência num cenário sanguinolento em que jazem os cadáveres de seus companheiros. Di