Por Alejandro Zambra
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Jacob Lawrence. The Businessman |
Quão solitário é o trabalho de um
escritor?
Pergunta-me um amável
desconhecido, por pura curiosidade, ao fim de uma sessão de leituras. Respondo
vacilante, não estou seguro. Penso no lugar-comum do escritor trancafiado por
muitas horas, lutando com suas convicções, com seus desejos. Lembro-me deste
fragmento tão dramático e de certa forma cômico em que Kafka confessa o desejo
de isolar-se em uma caverna, apenas com uma lâmpada e seus materiais de
escrita: “Haveriam de trazer-me a comida e a deixariam sempre longe de onde eu
estava instalado, atrás da porta mais externa da caverna. Ir buscá-la, em roupa
de dormir, passando por todas as abóbadas, seria meu único passeio.”
Ao escrever ficamos ausentes do
mundo e por vezes dias inteiros se passam em que saímos apenas para comprar
cigarros ou levar o cachorro para passear (e costuma ser o cachorro que nos
leva para passear). Mas não estou certo de que escrever seja um ofício
solitário. Ao menos para mim a escrita sempre teve um lado coletivo. Cresci
compartilhando textos e sinceramente não creio que haja melhor oficina
literária que as reuniões de amigos em torno de um manuscrito e algumas
cervejas. Amigos dispostos a escutar, sugerir, discordar, riscar; amigos cujas
opiniões por vezes modificam inesperada e decisivamente o que escrevemos.
Moldamos nossos primeiros livros
graças a essas sessões extensas, divertidas e também duras e inquietantes,
porque não era fácil aceitar que o poema escrito em movimentada solidão
começava a converter-se em um texto antes coletivo e um pouco alheio. Tampouco
era agradável comprovar que os demais passavam ao largo de uma frase ou de um
verso que julgávamos importante. Houve um tempo em que nos juntávamos quase
diariamente para ler e até me lembro de uma noite em que nos reunimos com o
propósito de traduzir uns textos de Joan Brossa, apesar de nenhum de nós saber
catalão. Não deve ser tão difícil, dizíamos, armados apenas com um dicionário
de cem páginas, quando não havia internet nem os atalhos do Google. O resultado
foi, naturalmente, desastroso e divertido. Mas eu estava falando dos
interlocutores, que segundo Natalia Ginzburg costumam ser três ou quatro
pessoas em quem confiamos cegamente e cuja opinião é importante para nós. No
caso dela as quatro pessoas eram duas amigas, um crítico e especialmente seu filho
mais velho, com quem sucedia uma cena inusitada, já que após escutar as
histórias da mãe o filho a cobria de insultos e injúrias. Escutar estes
insultos significava para a autora, curiosamente, que o texto estava bom.
A opinião de Natalia Ginzburg
coincide com este famoso poema de Ezra Pound: “Junto estas palavras para quatro
pessoas / Mais alguns outros podem ouvi-las / Ó mundo, sinto por ti / Tu não
conheces essas quatro pessoas.” No meu caso os interlocutores são seis ou sete
ou talvez mais. Pensando agora, quando apresentei em público meu novo romance,
quis redigir um texto agradecendo às pessoas que haviam lido o manuscrito, mas
a lista era tão longa que preferi fazer simplesmente uma saudação geral.
O mundo literário tem má fama e há
gente que crê que os escritores vivem brigando e dando cutucadas um nos outros.
Há algo disso sim. Muito, talvez. Mas é também um mundo solidário, um mundo de
partilha. Sempre me impressiona quão profundamente coletivo é o trabalho de um
diretor de teatro ou de um cineasta, e com frequência me alivia pensar que
nossa labuta consiste em nada mais que preencher algumas páginas em solidão.
Mas não me esqueço daqueles generosos interlocutores cujas opiniões por fim
permanecem silenciosamente incorporadas às páginas de um livro.
Setembro, 2011
* Tradução de Guilherme Mazzafera. O
texto “Cuatro personas” encontra-se compilado no volume No leer (Editorial
Anagrama, 2018).
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