Boletim Letras 360º #578

César Aira. Foto: Jaime Foto.


LANÇAMENTOS
 
A editora Fósforo publicará dezesseis títulos da obra de César Aira. Os quatro primeiros já estão disponíveis em dois formatos: numa caixa ou separadamente. A tradução a quatro mãos de Joca Wolff e Paloma Vidal.
 
1. A prova. Marcia tem dezesseis anos e é infeliz. Um dia, voltando da escola imersa nos torpores vespertinos do bairro de Flores, em Buenos Aires, ela é afrontada por uma pergunta-convite brusca: “Quer foder?”. Pega de surpresa, Marcia até tenta resistir, mas se vê rapidamente enredada por duas garotas punks, Lenin e Mao, que a seduzem com seu jeito transgressor e seu discurso sobre o amor. As duas, porém, não têm muito tempo para discussões filosóficas: elas precisam de provas. Com um final apoteótico e de alta voltagem sexual, esta novelita pode ser lida como uma metáfora do primeiro encontro com a literatura de César Aira. Em uma lufada de poucas páginas, ela arranca todas as certezas de quem a lê. Mas para aqueles que, como Marcia, têm coragem de se entregar, ela oferece em troca o êxtase do arrebatamento e o imenso prazer da liberdade. A edição brasileira sai com um posfácio inédito da pesquisadora argentina María Belén Riveiro. Você pode comprar o livro aqui.
 
2. O congresso de literatura. César é um tradutor que vive no aperto devido à crise econômica global. Ele também é escritor e um cientista maluco empenhado em dominar o mundo. Ao passear pela praia, este protagonista resolve intuitivamente o antigo enigma do Fio de Macuto, encontrando um tesouro pirata e se tornando um homem muito rico. Mesmo assim, sua tentativa de dominar o mundo vem em primeiro lugar e, por isso, ele segue para um congresso de literatura em Mérida, na Venezuela. Lá, ele pretende se aproximar do homem que, ao ser clonado milhares de vezes, formará o seu exército da vitória: o escritor mexicano de renome mundial, Carlos Fuentes. Uma fantasia cômica de ficção científica de primeira ordem, esta novelita é o veículo perfeito para César Aira assumir o controle da literatura no século XXI. A edição conta com um posfácio inédito da escritora e pesquisadora Ieda Magri. Você pode comprar o livro aqui.
 
3. Atos de caridade. Nesta parábola religiosa ironicamente desprovida de moral, um sacerdote designado para uma região muito pobre percebe que seu primeiro dever é fornecer ajuda material aos moradores mergulhados na miséria, destinando todo o dinheiro que administra para tais socorros. Mas, como a caridade é pão para hoje e fome para amanhã, é preciso renová-la todos os dias. E a melhor forma de fazer isso, pensa o sacerdote, é preparando o terreno para aquele que vier depois dele. Para assegurar o futuro de uma longa linhagem de párocos caridosos, ele se lança na construção de uma suntuosa mansão que consome todo o seu tempo e seus recursos. Mas engana-se quem vê nisso qualquer contradição. Privar-se da santidade própria em nome daquela de seu sucessor: eis o verdadeiro ato de caridade da endiabrada teologia airiana. A edição traz posfácio inédito do escritor argentino e especialista em Aira, Ricardo Strafacce. Você pode comprar o livro aqui.
 
4. O vestido rosa. Nos anos 1990, César Aira explicou a origem deste que é considerado por muitos um de seus melhores livros: “eu queria escrever um conto, coisa que nunca pude fazer. [...] O que fiz então foi tomar um conto de que gosto muito: ‘O recado do morro’, de Guimarães Rosa. O que há ali é uma mensagem que se vai transmitindo, eu a materializei no vestidinho, mas é apenas um exercício”. O resultado dessa mera experiência é uma magnífica narrativa de erros e travessias em que o bobo do povoado é o sábio e vice-versa. Com ela, o escritor argentino cria uma ponte entre os pampas de seu país e os gerais rosianos, abrindo caminho para o cruzamento de duas tradições fundantes da literatura latino-americana. Quatro décadas depois de sua primeira publicação, o recado dos pampas chega até nós com a primeira tradução de O vestido rosa, declaração de amor de Aira pela literatura brasileira. A edição conta com um posfácio do argentino Gonzalo Aguilar, especialista em literatura brasileira, em que ele analisa a relação do livro com o conto de Guimarães Rosa. Você pode comprar o livro aqui.

5. Você pode comprar aqui a caixa reunindo a Coleção César Aira I. 
 
O “quarto duelo” na coleção A Arte da Novela, publicada pela Grua Livros.
 
Ivan Andrêitch Laiévski, um jovem com seus 28 anos, apaixona-se por Nadiejda Fiódorovna, uma mulher casada, que abandona o marido por ele. O casal enamorado muda-se da cosmopolita e efervescente São Petersburgo para uma pequena cidade no Cáucaso, às margens do Mar Negro. Buscam a simplicidade, um futuro em que teriam um pedaço de terra, discutiriam seus filósofos favoritos, como Spencer, criariam uma pequena vinícola. A realidade, porém, mostra-se diferente. Laiévski passa a se desinteressar por Nadiejda e a entregar-se à bebida e ao jogo, que ele introduz na região. Sua vida desregrada é alvo da animosidade da forte figura do zoólogo Von Koren, que o detesta. Entre os dois, está o compreensivo e conciliador médico militar Samóilenko, mediador involuntário de duas maneiras de ver o mundo e que se equilibra nas amizades e nos pontos de vista, procurando distensionar a relação até onde lhe é possível. Laiévski sente-se encurralado pelo cotidiano que o enfastia e procura uma saída. Voltar a São Petersburgo. Deixar Nadiejda. Outra vez a realidade o confronta. O duelo, publicado em 1891, é das narrativas mais longas de Tchékhov. Um breve período de convivência, durante as férias de verão, com o zoólogo Vladimir Vagner, defensor do Darwinismo Social, foi a inspiração para o personagem Von Koren. Tradução de Cecília Rosas. Você pode comprar o livro aqui.
 
Poéticos, vivazes e intensos: assim são estes catorzes contos de Voando para casa e outras histórias, de Ralph Ellison, autor vencedor do Pulitzer por Homem invisível.
 
Em uma mala de couro esquecida debaixo de uma mesa, Ralph Ellison guardava uma série de manuscritos inéditos. Após a sua morte, a esposa, Fanny, presenteou John F. Callahan — editor e grande amigo do marido — com esses escritos. Assim, seis contos inéditos foram selecionados, junto a outros já publicados pela imprensa, para compor esta antologia. Aqui estão reunidos os primeiros contos de Ellison, escritos entre 1937 e 1954, nos quais o autor já aborda seu tema preferido: a formação de uma identidade negra nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, revela uma realidade particular que transcende a vida ordinária. Em catorze histórias curtas, os leitores encontrarão traços autobiográficos de um autor que soube transpassar sua vivência para a literatura. Herdeiro declarado do estilo cru e poético de Ernest Hemingway, Ellison nos emociona com a inocência infantil em “Garoto em um trem” e impressiona com a brutalidade dos linchamentos em “[Uma farra no parque]” — um retrato de um século XX que se faz atual ainda em tantos momentos. Publicados pela primeira vez no Brasil, os contos de Voando para casa e outras histórias são considerados pela crítica o esboço de Homem invisível, a obra-prima de Ralph Ellison. A presente edição conta com tradução de André Capilé, poeta, tradutor, pesquisador de produções literárias afrodiaspóricas e professor de literatura brasileira na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O livro sai pela José Olympio. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma mãe que vai parar no mundo do crime marca o romance da chegada de Hannelora Cayre no Brasil.
 
Patience Portefeux é uma especialista em língua árabe que presta serviço para a justiça francesa. Traduzindo conversas de traficantes grampeados em escutas telefônicas, ela trabalha o quanto pode para garantir sozinha o sustento das filhas e os custos da mãe numa clínica de idosos. Quando um incidente a torna a única pessoa a saber o paradeiro de uma grande carga de drogas, Patience percebe que sua posição a deixa sempre um passo à frente da polícia e dos criminosos. Com a perspectiva de resolver seus problemas imediatos e quem sabe resgatar uma vida de luxo perdida, ela entra para o mundo do crime e se torna, então, a Patroa. A patroa sai pela editora Dublinense. A tradução é de Diego Grando. Você pode comprar o livro aqui.
 
Adelaide Ivánova continua radicalizando na sua poesia.
 
Vashti Setebestas é uma personagem que anda pela Terra atravessando o tempo, transmutando-se em muitas entidades, muitos corpos e muitos povos. Pelo caminho, é perseguida pela opressão de uma narrativa histórica escrita pelos homens. Asma é um livro radical para tempos radicais, de Adelaide Ivánova, um dos grandes nomes da poesia brasileira contemporânea. Um projeto caleidoscópico, que vai de Homero a Virginia Woolf, de Chico Science a Ferreira Gullar. Publicação da editora Nós. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma seleta generosa das obras principais de Fritz Mauthner.
 
Fritz Mauthner (1849-1923) é hoje pouco mais que um ilustre desconhecido, lido por um punhado de estudiosos fiéis na academia. Mas nem sempre foi assim: jornalista e escritor de prestígio em fins do século XIX, Mauthner desfrutou de grande voga quando, nas primeiras décadas do XX, lançou-se a um projeto filosófico rebelde e radical. Cristalizada à perfeição nas Contribuições a uma crítica da linguagem (1901-1902) e no Dicionário de filosofia (1910-1924), sua escrita filosófica não dá quartel: é preciso exercer o ceticismo até o fim, atacando, com as armas do adversário, a suposta capacidade da linguagem e da filosofia de representar o mundo. Filosofia é crítica da linguagem — e definir conceitos não pode ser outra coisa senão esvaziá-los daquela substância que pretendiam conter até que se evidencie aquilo de que são feitos: uma rede verbal constituída pela metáfora, pela fabulação, pelo mito. Para levar a cabo a tarefa, entra em cena um estilo irônico que só encontra par nas mais refinadas florações literárias daquele Império Austro-Húngaro em que o autor viveu e escreveu. Com uma singularidade, porém. Mauthner amplia o domínio da ironia, a quem cabe agora o desmantelamento das ambições da linguagem e da filosofia — na contramão, logo se vê, de seu conterrâneo Wittgenstein, que confiava à lógica tarefa diametralmente oposta. Primeira tradução de Mauthner para o português, O avesso das palavras é uma seleta generosa de suas obras principais. Com este volume, organizado por Márcio Suzuki, o leitor brasileiro poderá travar contato com um elo decisivo da tradição filosófica que vem dos românticos alemães e passa por Schopenhauer, Nietzsche e Brandes. Ao mesmo tempo, poderá julgar em primeira pessoa (seja lá o que isso for...) o fôlego de um ensaísta que cativou alguns dos nomes centrais da literatura modernista, de Joyce e Beckett a Jorge Luis Borges. Publicação da Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.
 
Reinterpretar Maquiavel.
 
Esta interpretação de Maquiavel é profundamente inovadora. É uma interpretação das interpretações, do trabalho da obra. Ao mesmo tempo, Lefort nos apresenta sua própria leitura, avançando em uma direção pouco explorada: aquela que conduz ao conflito como um aspecto estruturante da vida política. E esse conflito não pode ser superado, a não ser sob o risco de aniquilar a própria política ou de sucumbir ao fascínio da ideologia. O trabalho da obra Maquiavel sai com chancela de duas casas editoriais, a Todavia e Editora da UFMG. A tradução é Gabriel Pancera, Helton Adverse, e José Luiz Ames. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
 
O sexto volume da Tragédia Burguesa, de Octavio de Faria.
 
“E, mais uma vez, me ponho a sofrer pelo mundo de loucura em que vivemos, mundo sem Deus e sem esperança, mundo de onde a Caridade foi banida. Mundo de homens — mundo onde realmente não é possível viver senão à sombra da Cruz —, mundo onde realmente só a ‘loucura da Cruz’ pode equilibrar e dar sentido à loucura do homem…” Em um mundo de paixões violentas, tudo é loucura. O vento mau que sopra de repente arrasa tudo. E tudo se passa, então, como em um bailado de fúrias soltas pelo espaço. Nesse ambiente de sombra, transcorre o drama da luta pelo amor de Lisa Maria entre Paulo Torres e Pedro Borges. Apesar das diferenças, são indivíduos da mesma espécie, sujeitos ao vento do desejo e do egoísmo, da paixão e da morte, revoltados contra a realidade, próximos por aqueles caminhos confusos e jamais ainda esclarecidos da loucura, do desespero, quem sabe mesmo do crime. Os loucos é o sexto volume da Tragédia Burguesa de Octavio de Faria reeditada pela editora Sétimo Selo. Você pode comprar o livro aqui.
 
RAPIDINHAS
 
Uma biografia de Lygia Fagundes Telles. Deverá sair em 2026 pela Companhia das Letras uma biografia da escritora realizada pela jornalista Raquel Cozer. A notícia foi adiantada na Folha de São Paulo.

E por falar em biografia... Lira Neto, um dos nossos importantes biógrafos, prepara a biografia de Oswald de Andrade. O livro está previsto para outubro de 2024, também pela Companhia.
 
Regresso de José Donoso ao Brasil. A editora Mundaréu celebra um acordo com a Agência Balcels de resgatar a obra do escritor chileno. Foram adquiridos os direitos de O lugar sem limites, O jardim ao lado, O obsceno pássaro da noite e dos Contos reunidos.

Luis Fernando Verissimo em documentário. Estreia no Festival É Tudo Verdade e a 2 de maio nos cinemas Verissimo, de Angelo Defanti. O filme é um mergulho na vida íntima do escritor gaúcho.

OBITUÁRIO
 
Morreu Maryse Condé.
 
Maryse Condé nasceu em Pointe-à-Pitre, Guadalupe, um departamento ultramarino da França nas Caraíbas, no Caribe. Era 11 de fevereiro de 1934. Desde cedo, passou a viver no continente, onde concluiu sua formação escolar, acadêmica e construiu a carreira profissional. Doutora em Literatura Comparada, Condé atuou em várias instituições de ensino na África e em universidades nos Estados Unidos e na França. Sua literatura voltou-se para as questões raciais e de gênero, evidenciando os impasses intra e interculturais, bem como as questões da diáspora caribenha. Destacou-se com Eu, Tituba: bruxa negra de Salem (1986). No Brasil, além desse romance, saíram, entre outros: Corações migrantes (1995), O fabuloso e triste destino de Ivan e Ivana (2017), O evangelho do novo mundo (2021) mais o livro de contos O coração que chora e quem (1999). Escreveu ainda ensaio e teatro. Uma obra que mereceu inúmeros reconhecimentos, como o Prêmio Marguerite Yourcenar e a Comenda das Artes e das Letras na França. Maryse Condé morreu no dia 2 de abril de 2024 em Apt, comunidade francesa de Vaucluse, região da Provence Alpes Côte d’Azur.
 
DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. O século das luzes, de Alejo Carpentier (Trad. Sérgio Molina, Companhia das Letras, 384 p.) Este é um dos principais romances da literatura latino-americana do século XX. Com a narrativa situada numa Havana barroca e tórrida do fim do século XVIII, acompanhamos a reviravolta na vida de três jovens aristocratas depois que chega à cidade uma misteriosa personagem interessada em disseminar o ideário da Revolução Francesa pelo Caribe. Você pode comprar o livro aqui
 
2. Augusto, de Christa Wolf (Trad. Fernando Miranda, Editora Jaguatirica, 48 p.) Esta é a última novela da escritora e ensaísta alemã. A narrativa se desenvolve em torno da personagem que intitula o livro — da perda de seus pais na guerra à vida no nordeste da Alemanha, nos primórdios da ocupação soviética. Um passado que não morreu, um passado latente e redivivo. Você pode comprar o livro aqui
 
3. Mudar: método, de Édouard Louis (Trad. Marília Scalzo, Todavia, 240 p.) O escritor francês continua seu projeto de investigar algumas circunstâncias biográficas de Eddy Belleguelle. No curso do itinerário aqui apresentado, encontramos o jovem agarrado aos estudos como sua única tábua de salvação da pobreza e das múltiplas violências que ferem um homossexual na periferia social. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
Ainda César Aira. Algumas recentes presenças do escritor argentino na mídia brasileira, no aquecimento para o projeto iniciado pela editora Fósforo. O jornal O Globo publicou a 19 de março, uma entrevista conduzida pelo jornalista Ruan de Sousa Gabriel. Depois, no dia 1.º deste mês, Schneider Carpeggiani compôs um breve perfil circulando pela obra de Aira para a revista Quatro cinco um. Mas, antes, ainda em fevereiro, ele aparece nas páginas da revista Piauí pela mão de Alejandro Chacoff.

BAÚ DE LETRAS
 
Abrimos o boletim e fechamos com César Aira. Cabe recordar alguns textos em torno do escritor argentino e sua obra que ocupam um lugarejo no arquivo deste blog. Dois, especificamente: uma resenha do nosso colunista Tiago D. Oliveira acerca de A trombeta de vime; e este de Juan Tallón que traduzimos há dois anos e que busca responder a seguinte pergunta, “O que se passou entre Roberto Bolaño e César Aira?”

DUAS PALAVRINHAS
 
As verdades nunca são absolutas, porque a mesma realidade se encarrega de desmenti-las e contradizê-las.
 
— Dario Fo

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