Por Guilherme de Paula Domingos
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Haruki Murakami. Foto: Alvaro Barrientos |
Haruki Murakami é um escritor
japonês que atualmente mora nos Estados Unidos. Nascido em 1949, ele já ganhou
mais de 15 prêmios literários e publicou mais de 25 livros, transitando entre gêneros
como o romance, o conto e o ensaio. Até agora, a sua obra foi traduzida para 50
idiomas e várias de suas histórias possuem adaptação para o cinema, como o recente
Drive My Car (Ryüsuke Hamaguchi, 2021), filme ganhador do Oscar de Melhor
Filme Internacional em 2022, baseado em um conto de mesmo título da sua
autoria.
O incolor Tsukuru Tazaki e seus
anos de peregrinação é o décimo terceiro romance de Murakami e foi
publicado no Japão em 2013. Os romances do autor são comumente descritos pelo
uso do realismo mágico, mas esse em especial foge da característica porque
exibe poucos dos traços usuais de seu estilo; seus romances geralmente mostram
um vilão sem rosto, gatos que falam ou desaparecem, passagens secretas, mundos
paralelos e outras características concernentes ao aspecto maravilhoso.
A narrativa de O incolor
Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação conta sobre três momentos da
vida do protagonista revelado no título: o ensino médio, a faculdade e o tempo
presente. O narrador apresenta Tsukuru com trinta e seis anos, contando à sua
namorada, Sara, sobre os amigos que ele possuía na escola. Eram cinco ao todo.
Eles foram da mesma classe em uma escola pública do subúrbio da cidade de
Nagoia. Três meninos e duas meninas que se tornaram amigos depois de
participarem de uma atividade voluntária no verão do primeiro ano.
Apesar de uma amizade muito
próxima, as personalidades de cada um não poderiam ser mais diferentes entre
si, no entanto os cinco formavam um. Os outros quatro tinham um traço em comum:
o sobrenome continha o nome de uma cor e é por esse designativo que eles se
chamavam. Tsukuru, por sua vez, é apenas Tsukuru, o que traz uma série de
inseguranças quanto ao motivo de ser admitido no círculo de amizades. E quando
tudo aparenta ser apenas paranoia do protagonista, um telefonema muda a rotina
perfeita dos amigos.
Um dos amigos liga para Tsukuru e
pede que ele não procure mais nenhum dos quatro, e deixa claro que foi uma
decisão conjunta. Ele não sabe se por orgulho ou outro motivo, mas não
questiona e aceita ser abandonado por suas amizades. Essa cisão, juntamente com
a nova rotina de isolamento, o deixa em depressão, e desde então o suicídio é
tema recorrente ao longo da narrativa. Mais tarde, no presente da narrativa,
Tsukuru é incentivado pela namorada a voltar à cidade natal para encarar os
antigos amigos e descobrir o motivo do afastamento, já que um evento tão
longínquo ainda atrapalha sua vida e suas relações de várias formas. O
protagonista parte então em jornada para tentar desvelar o não-dito e talvez
conciliar passado e presente.
Murakami é aficionado por música,
em especial jazz. Ele foi dono de um bar de jazz por alguns anos. As músicas
reiteradamente ocupam função especial em suas histórias. Charlie Parker,
Prince, Schubert, Bob Dylan, The Rolling Stones e Beatles são algumas das
referências que já apareceram em seus textos. Geralmente há uma música que
norteia a narração. A de Tsukuru Tazaki é “Le mal du pays”, de Franz
Liszt. Esta é uma expressão em francês usada para descrever a saudade da terra
natal ou uma melancolia relacionada ao ambiente. É exatamente como Tsukuru se
sente, com sua questão mal resolvida com os amigos, misturada a saudades de
casa ou da vida que não tem mais.
Quanto à forma, a escrita de
Murakami é bastante simples e isso se deve principalmente por uma peculiaridade
de compor suas histórias: depois de escrever seu primeiro romance, Ouça a canção
do vento, publicado em 1979, ele não gostou do resultado. O texto estava
sem vida e não fazia ideia de como contornar o problema. Não conhecia nem
parâmetros na escrita japonesa contemporânea para se basear, já que ele lia
quase que em sua maioria romances russos do século XIX e livros em inglês.
Guardou então o rascunho do primeiro romance e somente tempos depois pegou a
máquina de escrever e recriou o primeiro capítulo em inglês, sua segunda
língua. Só então ele o traduziu para o japonês, sua língua materna.
Murakami conta que essa mudança de
postura foi essencial. Suas habilidades de escrever em inglês eram limitadas,
entretanto era exatamente disso que precisava, já que, como um falante de
japonês desde pequeno, sua mente estava repleta de palavras e expressões nessa
língua. Ao colocar as ideias no papel, essas palavras e expressões acabavam por
colidir umas com as outras. Na reescrita do primeiro capítulo ele descobriu um
estilo único, em que, de acordo com ele, não precisava de palavras difíceis nem
belas expressões para impressionar as pessoas, narrando o romance com sua
própria voz se afastando da “linguagem de romance”. O resultado foi um texto com
frases curtas e linguagem direta, com descrições precisas.
A passagem do texto em inglês para
o japonês não foi somente uma tradução ao pé da letra. Foi mais uma adaptação
livre do texto. Após aquele primeiro capítulo, Murakami entendeu como funciona
a fórmula e passou a escrever em japonês nesse estilo, sem a necessidade da
mediação do inglês. Mais tarde, descobre que uma escritora húngara escrevia
romances excelentes de um modo parecido. Ágota Kristóf sai da Hungria e vai
morar na Suíça em 1956, passando a escrever em francês, língua que ela foi
forçada a aprender depois de adulta. Murakami sentiu uma familiaridade
agradável ao ler um romance da escritora.
Seu ritual de escrita é sempre o
mesmo. Ele se isola para escrever um novo livro. Depois, faz uma revisão e
reescreve o livro, corrigindo incoerências na história, apagando parágrafos
inteiros ou acrescentando outros. Após o descanso de uma semana, parte para
outra revisão, reescrevendo o livro novamente desde o início, desta vez
substituindo uma palavra ou outra que porventura esteja deslocada no texto.
Então, deixa o texto em uma gaveta por quinze dias, às vezes por um mês. Dado
esse distanciamento, ele se vale de uma opinião externa. Sua esposa lê o que
foi escrito e faz comentários e sugestões. Por mais que não goste de alguma
sugestão, sempre faz alterações nos trechos em que ela sugere alguma mudança,
já que considera que um texto nunca está perfeito. Só então envia para o
editor.
Com tanto cuidado em relação ao
seu próprio texto, Murakami é sempre apontado como o autor vivo mais importante
em língua japonesa. Seus livros sempre vendem muito bem provavelmente por conta
de sua escrita convidativa. O incolor Tsukuru Tazaki é uma história que
flui muito fácil e trata de temas que tocam a todos nós. Muitos leitores de sua
obra apontam esse livro como seu preferido. Certamente é uma ótima oportunidade
para quem quer começar a ler o autor.
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