Via Ápia: cinco visões de uma realidade
Por Vinícius de Silva e Souza
Em Via Ápia Acompanhamos os irmãos Washington e Wesley e os três amigos
Biel, Douglas e Murilo enquanto sonham, se apaixonam, transam, brigam e fumam.
Enquanto vivem. “A sensação era de que a vida não dava tempo para pensar nem
escolher nada”, esclarece a narrativa, “é sempre um dia depois do outro pra ver
no que vai dar.”
Por esses cinco jovens, Geovani Martins
faz um retrato nada isento da vida na favela da Rocinha. A maconha é
recorrente, talvez até demais, se fazendo presente em todos os curtos
capítulos, agora, muito mais do que o acessório da erva, o que mais transparece
por toda a narrativa são as dificuldades e perrengues por que passam os jovens.
A narrativa do romance se inicia justamente com os irmãos em um dos muitos trampos
que terão ao longo de suas trajetórias, sempre em busca de algum mínimo trocado
para sobreviver mais um tempo e ajudar a mãe em casa.
Essa realidade comum para muitos
jovens brasileiros e completamente desconhecida de uma boa parcela da
população, trabalhar ainda cedo para ajudar em casa, é, por muitas vezes, a
morte ou o freio de mão na independência financeira dos que ainda querem
começar a vida; e em muitos casos, a alavanca para manter funcionando o ciclo
de pobreza. Geovani Martins em muito acerta ao colocar seus protagonistas nessa
posição como quando a narrativa destaca num dos episódios em que Murilo chora
para a mãe após se sentir fracassado por ter abandonado o exército.
Também ganha destaque o sonho de
Douglas em ser tatuador. Ambicioso dentro de sua realidade, há sempre a
perspectiva nos olhos do rapaz dos trabalhos virem — eles vão vir, ele sente
que sim —, porque no fundo sabe que se não vierem, se nada acontecer como têm
sonhado e planejado, ele não terá mais nada.
O romance brilha mesmo em seus
momentos de descontração. Tão marcante é o capítulo em que os cinco juntos
escalam a Pedra da Gávea que mesmo, em seus finalmentes, o dia também é
lembrado — de maneira trágica. O episódio final, com todos reunidos para o
primeiro baile funk em muito tempo, também aquece de esperança, assim como o
coro cantando Racionais na festa de Ano-Novo e a disputada partida do Flamengo,
logo no início da narrativa, que parou todo o morro.
Repleto de gírias retiradas
diretamente da boca de seus parceiros, há também um deslocamento no discurso do
narrador aqui, fazendo deste praticamente um sexto elemento narrativo, nada
isento do mundo e da realidade em que está inserido, tal como podemos observar
em:
“ainda falta uma hora para cantar parabéns. Washington sobe e desce o salão, olha pro relógio. É sempre aquela história; quando curte um lazer, o ponteiro não tem pena, em cinco minutos passa um mês. No trabalho que é foda, tudo se arrasta. Sem dar muita confiança pra ninguém, ele oferece os salgados integrais de mesa em mesa. Aqueles pasteis de ricota nunca foram tão atraentes.
Os convidados tavam em outra
onda.”
Essas marcas de oralidade enfatizando um discurso direto servem ao estilo do autor e enriquecem a obra, que perde muito de suas possibilidades ao dar caráter, personalidade e pontos de vista tão iguais a seus protagonistas.
Mas os méritos de Via Ápia
retornam na sutileza com que a narrativa desenvolve a presença do medo, que surge
e aumenta com a presença e as constantes abordagens da polícia e no bem
delimitado arco do personagem Wesley. Encanta seu reencontro com o irmão e as
palavras do padre dizendo tudo que todos desejavam dizer.
Geovani Martins deixa claro que o
seu romance é sobre a vida de quem vive na favela e nunca teve sua história
contada da maneira que é contada aqui, principalmente nas belas palavras
finais: “e era a vida — sempre ela e nunca a morte — o que fazia aquele chão
tremer.”
“ainda falta uma hora para cantar parabéns. Washington sobe e desce o salão, olha pro relógio. É sempre aquela história; quando curte um lazer, o ponteiro não tem pena, em cinco minutos passa um mês. No trabalho que é foda, tudo se arrasta. Sem dar muita confiança pra ninguém, ele oferece os salgados integrais de mesa em mesa. Aqueles pasteis de ricota nunca foram tão atraentes.
Essas marcas de oralidade enfatizando um discurso direto servem ao estilo do autor e enriquecem a obra, que perde muito de suas possibilidades ao dar caráter, personalidade e pontos de vista tão iguais a seus protagonistas.
______
Via Ápia
Geovani Martins
Geovani Martins
Companhia das Letras, 2022
344 p.
Comentários