Via Ápia: cinco visões de uma realidade

 Por Vinícius de Silva e Souza




Após o sucesso com O sol na cabeça, Geovani Martins foi ousado ao partir para o gênero romance e valendo-se de uma narrativa tão complexa: a vida de cinco jovens periféricos durante um específico e nada curto ou pacífico período de 2011 a 2013 —, antes, durante e depois da ocupação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas do Rio de Janeiro. 

Em Via Ápia Acompanhamos os irmãos Washington e Wesley e os três amigos Biel, Douglas e Murilo enquanto sonham, se apaixonam, transam, brigam e fumam. Enquanto vivem. “A sensação era de que a vida não dava tempo para pensar nem escolher nada”, esclarece a narrativa, “é sempre um dia depois do outro pra ver no que vai dar.”
 
Por esses cinco jovens, Geovani Martins faz um retrato nada isento da vida na favela da Rocinha. A maconha é recorrente, talvez até demais, se fazendo presente em todos os curtos capítulos, agora, muito mais do que o acessório da erva, o que mais transparece por toda a narrativa são as dificuldades e perrengues por que passam os jovens. A narrativa do romance se inicia justamente com os irmãos em um dos muitos trampos que terão ao longo de suas trajetórias, sempre em busca de algum mínimo trocado para sobreviver mais um tempo e ajudar a mãe em casa.
 
Essa realidade comum para muitos jovens brasileiros e completamente desconhecida de uma boa parcela da população, trabalhar ainda cedo para ajudar em casa, é, por muitas vezes, a morte ou o freio de mão na independência financeira dos que ainda querem começar a vida; e em muitos casos, a alavanca para manter funcionando o ciclo de pobreza. Geovani Martins em muito acerta ao colocar seus protagonistas nessa posição como quando a narrativa destaca num dos episódios em que Murilo chora para a mãe após se sentir fracassado por ter abandonado o exército.
 
Também ganha destaque o sonho de Douglas em ser tatuador. Ambicioso dentro de sua realidade, há sempre a perspectiva nos olhos do rapaz dos trabalhos virem — eles vão vir, ele sente que sim —, porque no fundo sabe que se não vierem, se nada acontecer como têm sonhado e planejado, ele não terá mais nada.
 
O romance brilha mesmo em seus momentos de descontração. Tão marcante é o capítulo em que os cinco juntos escalam a Pedra da Gávea que mesmo, em seus finalmentes, o dia também é lembrado — de maneira trágica. O episódio final, com todos reunidos para o primeiro baile funk em muito tempo, também aquece de esperança, assim como o coro cantando Racionais na festa de Ano-Novo e a disputada partida do Flamengo, logo no início da narrativa, que parou todo o morro.
 
Repleto de gírias retiradas diretamente da boca de seus parceiros, há também um deslocamento no discurso do narrador aqui, fazendo deste praticamente um sexto elemento narrativo, nada isento do mundo e da realidade em que está inserido, tal como podemos observar em:
 
“ainda falta uma hora para cantar parabéns. Washington sobe e desce o salão, olha pro relógio. É sempre aquela história; quando curte um lazer, o ponteiro não tem pena, em cinco minutos passa um mês. No trabalho que é foda, tudo se arrasta. Sem dar muita confiança pra ninguém, ele oferece os salgados integrais de mesa em mesa. Aqueles pasteis de ricota nunca foram tão atraentes.
 
Os convidados tavam em outra onda.”
 
Essas marcas de oralidade enfatizando um discurso direto servem ao estilo do autor e enriquecem a obra, que perde muito de suas possibilidades ao dar caráter, personalidade e pontos de vista tão iguais a seus protagonistas.
 
Mas os méritos de Via Ápia retornam na sutileza com que a narrativa desenvolve a presença do medo, que surge e aumenta com a presença e as constantes abordagens da polícia e no bem delimitado arco do personagem Wesley. Encanta seu reencontro com o irmão e as palavras do padre dizendo tudo que todos desejavam dizer.
 
Geovani Martins deixa claro que o seu romance é sobre a vida de quem vive na favela e nunca teve sua história contada da maneira que é contada aqui, principalmente nas belas palavras finais: “e era a vida — sempre ela e nunca a morte — o que fazia aquele chão tremer.”


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Via Ápia
Geovani Martins
Companhia das Letras, 2022
344 p.

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