Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie

Por Guilherme de Paula Domingos

Chimamanda Ngozi Adichie. Foto: Stephen Voss


 
Hibisco roxo é um livro sobre como o poder se exerce do mais forte sobre o mais fraco. Dispondo de estruturas como a Igreja, a colonização e as famílias patriarcais, brancos dominam negros, homens dominam mulheres, pais dominam filhos e governos dominam cidadãos.
 
Racismo
 
Os nigerianos sofreram um apagamento de sua cultura pelos colonizadores britânicos. Kambili, nossa protagonista, aprende com o pai — um fanático religioso — que a cultura dos brancos é superior. Culpa da obra missionária, que trouxe a religião católica como a correta. O pai de Kambili assimila para si os preconceitos trazidos pelos missionários e os reproduz sem ter a noção de que seu discurso se volta contra si mesmo.
 
Em casa é permitido falar o idioma igbo, mas em público, apenas o inglês, que “é mais civilizado”. Não se pode cantar nas Igrejas, porque “não é algo que um branco faria”. Os cantos na igreja também têm de ser em inglês (dessa vez, ordens do padre, um britânico branco). A coisa chega ao ponto de Kambili imaginar um deus pessoal e branco. Todas essas práticas acabam por resultar na perda da identidade de um povo. É o aniquilamento de uma cultura por outra cultura que se acha superior. É o etnocentrismo operando através da colonização.
 
Em uma passagem, a personagem Amaka, menina bastante esclarecida, indaga um padre negro que está indo em missão para a Alemanha:
 
“Os missionários brancos trouxeram seu deus para cá [...] Um deus da mesma cor que eles, adorado na língua deles, e empacotado nas caixas que eles fabricam. Agora que estamos levando esse deus de volta para eles, não devíamos pelo menos empacotá-lo em outra caixa?”
 
Não é difícil traçar paralelos com o Brasil, em que a mesma estratégia usada para repudiar a religião e a cultura originais. A estratégia é dizer que são obras do demônio e essas práticas são porta de entrada para o inferno. Temos exemplos de terreiros incendiados por membros de religiões neopentecostais e a ala das baianas que estava encontrando dificuldade para achar membros, pois as senhoras estão aderindo a essas religiões evangélicas e sendo proibidas de participar do carnaval.
 
Misoginia
 
O poder baseado na diferença de gênero também é mostrado. Ele é exercido contra as mulheres para sustentar a dominação masculina. A mãe de Kambili é submissa ao ponto de nos incomodar tanta passividade. Mas ao longo da obra suas razões são mostradas. Ela sofre de dependência financeira e emocional. Ela depende do marido para todas as decisões e apanha dele. Não fez uma faculdade e não possui nenhuma perspectiva de emprego.
 
Seus diálogos são sempre reveladores da sua condição. Grata pelo marido não ter arrumado outra esposa e grata por ele tirado de casa com os dois filhos atuais. Ele pode fazer isso porque ela não lhe deu mais filhos e vem sofrendo consequentes abortos (abortos que são em parte consequência das agressões sofridas).


 
Em um diálogo com a cunhada, ela reproduz todo o senso-comum aprendido pela esmagadora maioria da população: que a mulher se realiza no casamento. E em seguida tendo filhos. Trabalhar, fazer uma faculdade, não importa. No que a cunhada retruca:
 
“Não sei quem vai tomar conta de quem. Seis meninas da minha turma de primeiro ano estão casadas. Os maridos vêm visitá-las de Mercedes e Lexus todo fim de semana, compram estéreos, livros e geladeiras para elas e, quando elas se formarem, eles é que vão ser os donos delas e de seus diplomas. Não entende?”
 
Não, ela não entende. Também já assimilou um preconceito que se volta contra ela mesma.
 
Figuras de autoridade
 
Kambili tem muita dificuldade em questionar, em ter opinião, em grande parte porque apreende da relação com o pai que não se deve questionar figuras de autoridade. Todas as ordens são obedecidas à risca.
 
Talvez por estar um pouco mais abaixo que o irmão na escala de poder (mulher e jovem), ela não consegue transgredir nesse ponto. O irmão sim, começando a desafiar os costumes do pai, principalmente no quesito religioso. Vale ressaltar que os dois recebem praticamente a mesma educação.
 
A tática de dominação do pai é o medo. Se fizer algo fora do costume religioso, há o inferno. Se fizer algo que desagrade o pai, há os castigos, que nunca são brandos. Vão desde apanhar de vara do jardim até pisar em água fervente “para se purificar do pecado”. A religião se une à ignorância para criar punições que garantem a manutenção do controle sobre os corpos.
 
O oprimido como aliado do opressor
 
Simone de Beauvoir, em Por uma moral da ambiguidade diz que “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”. A máxima fica clara durante o livro de Chimamanda. O pai de Kambili, que sofre com o racismo trazido pelos missionários, perpetua esse mesmo preconceito pensando que a cultura dos brancos é superior. Assim é a mãe da moça, que sofre com o machismo do marido, mas reproduz esse sistema de dominação masculina pensando que a mulher deve se sujeitar a todo tipo de absurdos para ter um casamento e filhos.
 
Hibisco roxo é um livro de excelente leitura e, como a autora mesma diz, um livro para enxergarmos o perigo de se ter uma história única, uma única visão dos fatos.


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Hibisco roxo
Chimamanda Ngozi Adichie
Julia Romeu (Trad.)
Companhia das Letras, 2011
328 p.

Comentários

Camila Ferreira disse…
Ótima resenha! O livro é ótimo. Realmente, como o Guilherme pontuou, ele toca em racismo, em machismo e nos apresenta isso com uma escrita belíssima.
Denise Silva disse…
Hibisco roxo é um excelente romance. O teu texto, infelizmente, não faz jus ao livro. Descreve, mas não elabora o que está antevisto nos tópicos. Cada tópico é uma entrada para o romance. Isso se percebe. Mas bastava um com uma discussão elaborada.

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