Por Alejandro Zambra
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Arte: Erika Lee Sears (Detalhe) |
Há alguns anos, organizei o
Primeiro Festival do Romance Longo, que não chegou a se realizar, mas segue me
parecendo uma boa ideia. Ainda conservo os e-mails que enviei a dezenas de
escritores e professores convidando-os a compartilhar suas experiências como
leitores de romanções, embora jamais tenha conseguido precisar um número mínimo
de páginas e me perdi um pouco em uma série de conversas graves e simultâneas
sobre quais romances eram realmente longos. Tempos depois publiquei um romance
muito curto e algumas pessoas me tomaram por defensor da brevidade. Nada disso.
Eu prefiro os romances longos, aqueles que reservamos para a primeira gripe do
ano, aqueles que nos obrigam a inventar a primeira gripe do ano para ficarmos
em casa lendo.
Em algum momento da adolescência
comecei a fingir doenças que me permitiam avançar à vontade nas leituras
importantes. Meus pais talvez suspeitassem de alguma coisa, pois me obrigavam a
ir ao médico, mas não era nem mesmo necessário enganar o doutor, que
invariavelmente me encontrava adoentado e me abençoava com antibióticos e dois
ou três dias de repouso absoluto. Talvez como forma de castigo, no segundo ano
de faculdade passei um mês inteiro aguentando uma espantosa — e demasiado real —
broncopneumonia que aproveitei para ler a duras penas, de pouco em pouco e com
certa desilusão, o
Ulisses de Joyce.
O desemprego também favorece os
leitores. Lembro daqueles dias, no inverno de 1999, em que me levantava cedo e
ia deixar artificiosos currículos nos cursinhos. Ia com pouca fé, mas aliviado
pela iminência de uma jornada de leitura. Caminhava de volta, até as 11 da
manhã, pela avenida Vicuña Mackenna, e às vezes apertava o passo para pular
logo na cama e retomar o romance. Nunca havia lido tanto como naqueles dias,
com uma única e breve pausa para preparar o eterno macarrão que comia de pouco
em pouco, de volta à cama, sempre com o livro aberto, avançando no romance como
através de uma promessa lenta e urgente. Por isso há marcas de molho no meu
exemplar d’
A montanha mágica. Não tinha febre, mas, solidário com a
ficção, e certamente também por hipocondria, a cada cinco páginas media a
temperatura e até desconfiava do termômetro, pois queria ficar tão doente como
os personagens do livro.
Pouco tempo depois um amigo me
ajudou a conseguir um emprego como telefonista noturno em uma empresa de
assistência de viagem, e essas noites junto ao telefone foram, também, bastante
favoráveis para a leitura. O chefe nos deixava dormir ou fazer qualquer coisa
desde que lá estivéssemos quando o telefone tocasse, mas durante horas nada
acontecia. Pensando agora, jamais voltei a ter um trabalho tão compatível com a
leitura livre, intocada pelos deveres de escrever uma resenha ou preparar uma
aula.
Anos depois, por exemplo, minha
leitura de
2666 foi uma verdadeira maratona: suspendi as aulas que
deveria ministrar e também interditei, por assim dizer, a vida, pois precisava
ler rápido para satisfazer a tirania jornalística de me adiantar à
concorrência. Gostei de ler assim, o romance me fascinou, e até a resenha que
escrevi não me desagradou, mas prefiro a releitura que comecei há alguns dias,
sem um motivo específico nem maiores obrigações.
Não sei muito bem por que o
projeto do Festival do Romance Longo não prosperou. Suponho que por negligência
minha na hora de organizar esse tipo desgastante de evento. Ou talvez foi
quando então comecei a ler
O manuscrito de Saragoça e a realidade ficou
em suspenso, que é o que sempre acontece quando nos refugiamos na perdurável intensidade
de um magnífico romance longo.
Outubro, 2009
* Tradução de Guilherme Mazzafera.
O texto “Festival de la novela larga” encontra-se compilado no volume No
leer (Editorial Anagrama, 2018).
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