Doze poemas de louvor ao vinho e suas virtudes (e uns quantos conselhos adicionais)
Por Pedro Belo Clara
Gerard Van Honthorst. Violinista feliz. |
(Li Bai, China, séc. VIII)
nada melhor do que ficar a beber
A noite convida-nos a conversar
A lua tão clara não nos deixa adormecer
Bebamos e cantemos entretanto
Quando cairmos de bêbados
A montanha será o nosso leito e o céu o nosso manto
(Li Bai, China, séc. VIII)
Não haveria no céu a estrela do vinho
nem o vinho brotaria de uma nascente
Amá-lo é pois digno dos deuses
Puro ou terno como os homens e o seu coração
Com três copos conquistamos a felicidade
Mais três copos: temos o universo na mão
(Du Fu, China, séc. VIII)
Mesmo que para isso tenha de empenhar
alguma peça de roupa
ou pedir dinheiro emprestado
Poucos homens lograram atingir a minha idade
Olho as borboletas amarelas
sorvendo o néctar mais íntimo das flores
e as libelinhas a rasarem a superfície das águas
E grito ao vento da primavera, à luz
e ao tempo: é tão curta a vida
Para quê desperdiçá-la com querelas fúteis
(Bai Juyi, China, séc. IX)
dois para afastar a tristeza de vez
Após três ou quatro copos sobrevem
a mais luminosa embriaguez
(Alceu, Grécia (Metilene) séc. VII a.C.)
Bebe comigo até ficarmos ébrios Melanipo. Pensarás por
acaso que uma vez transporto o caudaloso Aqueronte2
tornarás a ver a luz do sol? Sísifo rei dos eólios3 que a
todos superava em engenho julgou ludibriar a morte. Por
duas vezes transpôs o Aqueronte. A terrível castigo o
condenou mais tarde o filho de Cronos4 sob a negra terra
Não te iludas. Enquanto jovens gozemos tudo aquilo
que o dia nos pode oferecer.
(Teógnis, Grécia (Megara), séc. VI a.C.)
originário das vinhas de Taigeto5
plantou nas colinas
e regou com a água fresca de um ribeiro
Bebendo-o afugentarás as tristezas
e armado de uma couraça de vinho
sentir-te-ás mais leve
(Anónimo, Índia, séc. ? d.C)
esquecer a mãe e a mulher
confundir um palácio com o tugúrio
onde sempre viveu
Um dia um charco é um lago
No outro dia tentará caminhar sobre as águas do oceano
como se de terra firme se tratasse
inconsciente do perigo
Poderá mesmo fazer um homem pensar
que um rei pode ser um amigo
(Omar Khayam, Pérsia, séc. XI)
A eternidade só o vinho a pode oferecer
Jovem agora nunca mais o voltarás a ser
Procura vinho e amigos ébrios na estação das rosas
Goza-o como se fosse o último esse momento de prazer
Dizem-me: “Não bebas mais, Khayam!”
Eu respondo: “Ao beber
ouço o que me dizem as rosas as túlipas e os jasmins
escuto mesmo aquilo que a minha amada não me pode dizer”
(Hafiz, Pérsia, séc. XIV)
Esvaziados até à última gota os cálices das rosas
é agora a vez de nos narcisos se dessedentar
Feliz aquele que como uma leve borbulha
de vinho na taberna se sente flutuar
Senta-te na primavera e bebe
um copo de vinho. De tudo te olvida
Dez dias como dez rosas, eis
aquilo a que se resume a nossa vida
(Horácio, Roma, séc. I a.C)
Para que florestas para que grutas me empurra a minha inspiração?
Em que cavernas serei escutado enquanto tento gravar nas estrelas e
na assembleia de Júpiter6
a glória eterna de César?
Cantarei algo extraordinário
algo que não foi cantado por nenhuma outra boca
Da mesma forma que a insone Bacante7 contempla extasiada do cume do Hebro8
também eu longe de tudo contemplo extasiado
as margens deste rio e este solitário bosque
Oh senhor das Náiades11 e das Bacantes
capazes de arrancar com as suas mãos os freixos mais altos
Não cantarei nada insignificante e vulgar nada de mortal
É um doce perigo oh Leneu seguir um deus coroado de verde pâmpano
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