LANÇAMENTOS
Um novo livro de Deborah Levi entre os leitores brasileiros.
No auge da sua carreira, a virtuosa do piano Elsa M. Anderson abandona o
palco em Viena, durante uma apresentação. Agora, ela está num mercado de pulgas
em Atenas, à deriva, com a autoimagem em ruínas, observando uma mulher
desconhecida, mas estranhamente familiar, comprar o último par de cavalos
mecânicos que dançam quando suas caudas são puxadas para cima. As duas usam o
mesmo casaco, um sobretudo verde com cinto bem apertado e, em pouco tempo, Elsa
é compelida pela sensação de que está olhando para si mesma, ela era eu e eu
era ela. Uma questão central emerge do encontro: quem é real e quem não é?
Com uma narrativa de qualidade musical
apropriada — avançando em surtos, repetindo refrões, explorando silêncios —
Deborah Levy navega por temas já muito consistentes em sua obra: identidade,
feminilidade, a dinâmica de poder contemporânea em processo de transformação. E
coloca “o duplo” a serviço do seu desejo de fazer travessuras e brincar com
símbolos e conexões. Em
Agosto azul, nenhum ouriço-do-mar representa
apenas a si mesmo. Têm seus duplos também os pianos, os biscoitos de amêndoa,
os cavalos mecânicos. Tudo são pistas para um outro evento, e isso nos impele a
acompanhar a história com atenção, e voltar a ela outras vezes para, no fim,
talvez, sermos capazes de responder: qual de nós é o instrumento, o piano ou o
pianista? Esta é uma publicação da editora Autêntica com tradução de Adriana
Lisboa.
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A correspondência que aproximou dois vultos da literatura de dois
continentes distantes: de Victoria Ocampo para Virginia Woolf.
“Eu olhei para ela com admiração. Ela olhou para mim com curiosidade.
Foi tanta curiosidade por um lado e tanta admiração por outro, que logo ela me
convidou para ir à sua casa.” É assim que Victoria Ocampo narra o seu primeiro
encontro com Virginia Woolf, ocorrido em 1934, na abertura de uma exposição do
fotógrafo Man Ray, em Londres. Esse momento daria início a uma intensa troca de
cartas entre as duas escritoras e editoras: Virginia, à época já consagrada;
Victoria, uma intelectual bastante influente em seu país, Argentina. A
correspondência entre as duas escritoras, que se mantém ativa no tumultuoso
período de 1934 a 1940, resultará em uma forte amizade literária e em eventos
significativos, como as primeiras publicações na América Latina dos livros de
Virginia Woolf, além da inspiração para que Victoria Ocampo fortalecesse, a
partir desse contato, o seu feminismo e a sua escrita. Publicado pela primeira
vez no Brasil, este conjunto de cartas vem amparado por uma série de notas
explicativas e pela apresentação da organizadora argentina Manuela Barral. A
edição conta ainda com o ensaio de Victoria Ocampo intitulado “Virginia Woolf e
seu diário” e com perfis biográficos das duas autoras, escritos por Emanuela
Siqueira e Karina de Castilhos Lucena. A tradução é de Emanuela Siqueira,
Nylcéa Pedra e Rosalia Pirolli; a publicação de
Victoria Ocampo &
Virginia Woolf: correspondência, da editora Bazar do Tempo.
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Um livro iconoclasta. Cristina Morales transforma a busca de quatro
mulheres com disfunção cognitiva por uma vida mais independente e autônoma em
um romance radical na forma, nas ideias e na linguagem.
Àngels, Patri, Marga e Nati vivem em um apartamento tutelado em
Barcelona, em meio a hordas de turistas, okupas, dança inclusiva, a nova
política e o machismo de sempre, cada uma com suas estratégias para enfrentar a
realidade e a opressão associadas à sua condição. Elas têm distintos graus de
disfunção cognitiva e manifestações diferentes: Àngels (40% de disfunção)
tartamudeia, tem sobrepeso e não larga o celular; Patri (52%) sofre de
logorreia e se esforça por se adequar ao que quer que seja, embora suas divagações,
às vezes, a façam cair em lúcidas contradições; Marga (66%) quer dar vazão a
seus impulsos sexuais, reprimidos por todos (há um processo para sua
esterilização forçada) e se deprime ao tomar consciência de suas limitações; e
Nati (70%), cuja disfunção não é inata e se caracteriza pela síndrome das
Comportas que, quando acionadas, a isolam do mundo exterior, tornando-a
incompreensível. Cada uma tem suas estratégias para enfrentar a realidade e
lutar contra a opressão associada à sua condição, não lhes faltam anseios,
personalidade e lampejos de lucidez cortante. A autora não dá às suas protagonistas apenas voz, mas também corpo; a
emancipação passa ainda pelo controle do próprio corpo e pela legitimidade dos
desejos. O reconhecimento do desejo é tão central quanto o direito à
manifestação. A emancipação passa também pelo controle do próprio corpo e pela
legitimidade dos desejos — parafraseando Patri, pessoas com diversidade
funcional têm direito a uma vida afetiva e sexual plena, saudável e
satisfatória. E Morales nos faz ver as personagens à luz de expectativas sociais
de adequação, conduta e produtividade, questionando as camisas de força
relacionadas às definições de funcionalidade e como a condescendência pode ser
uma forma de repressão e apagamento. Acabamos completamente envolvidos com as
personagens.
Leitura fácil é a tradução de Elisa Menezes que sai pela
editora Mundaréu.
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Em novo romance, Nara Vidal
conduz seus personagens por vilarejo de Minas Gerais no início dos anos 1930.
Até onde pode ir, no início dos
anos 1930 em um vilarejo de Minas Gerais, a crueldade que perpassa gerações? Em
Puro, Nara Vidal explora, com a maturidade de quem está acostumada a
tecer histórias em diversos gêneros, temas duros, sem ter medo de colocar no
papel as ações e os pensamentos mais desafiadores de seus personagens. Se, em
algum momento, acreditamos ter adivinhado o rumo que a história está tomando,
rapidamente a autora nos apresenta mais elementos e descortina um universo que
gostaríamos de acreditar que tem poucos paralelos com acontecimentos atuais.
Publicação da editora Todavia.
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Escrito logo após A
cor púrpura
, o aclamado romance de Alice Walker O templo dos meus
familiares
estreia na José Olympio com nova tradução depois de quase 30 anos
fora das prateleiras.
Neste livro Alice Walker nos apresenta povos cuja história é antiga e
cujo futuro ainda está por vir. Este romance contribuiu para consagrar Walker
como uma das escritoras mais importantes dos Estados Unidos. Aqui conhecemos
Lissie, uma mulher de muitas vidas; Zedé, uma professora latino-americana
condenada por apoiar a revolução de seu país, mas que foge para São Francisco
após dar à luz sua filha Carlotta; Arveyda, o grande músico com quem Carlotta
tem uma forte conexão, por ambos serem imigrantes; Suwelo, um historiador, e
sua ex-esposa Fanny, que se apaixona por espíritos e está em busca da própria
libertação. Orbitando essas histórias, estão as avós de Fanny: Celie e Shug, as
amadas personagens de
A cor púrpura. Definido pela própria autora como “um romance dos últimos 500 mil anos”,
O templo dos meus familiares entrelaça o passado e o presente numa
complexa tapeçaria de histórias, explorando, com traços do realismo mágico, os
temas do colonialismo, da opressão e da recuperação espiritual. Com tradução de
Nina Rizzi, o livro sai pela editora Record.
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Um itinerário pelo pensamento
de Margaret Atwood.
Esta brilhante seleção de ensaios —
engraçados, eruditos, infinitamente curiosos, estranhamente proféticos — busca
respostas para questões incendiárias como: Por que as pessoas em todos os
lugares, em todas as culturas, contam histórias? Quanto de si você pode doar
sem desaparecer? Como podemos continuar vivendo no nosso planeta? O que zumbis
têm a ver com autoritarismo? Em mais de cinquenta textos escritos no período
entre 2004 e 2021, Margaret Atwood apresenta seu intelecto prodigioso e humor
travesso para o mundo e nos relata o que encontra. O período de altos e baixos
abordado nesta coleção trouxe uma conclusão para o fim da História, uma crise
financeira, a ascensão de Donald Trump e uma pandemia. De dívidas à tecnologia,
da crise climática à liberdade, de quando dar conselhos aos jovens (resposta:
apenas quando forem solicitados) a como definir a granola, não existe melhor
autora para questionar os variados mistérios da existência humana.
Questões
incendiárias sai pela editora Rocco. A tradução é de Maira Parula.
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Inspirada na história da
família, Leïla Slimani vencedora do prêmio Goncourt, aborda em romance
temas como colonização, racismo, diversidade religiosa e as dificuldades
enfrentadas por mulheres.
Durante a Segunda Guerra Mundial,
Mathilde, uma jovem alsaciana espirituosa, se apaixona por Amine, um belo
soldado marroquino do exército francês. Após a guerra, o casal se instala no
Marrocos, em Meknés, uma cidade militarizada e com forte presença de colonos
franceses. Enquanto Amine se dedica à lavoura e tenta trabalhar as terras
rochosas e ingratas herdadas do pai, Mathilde rapidamente se sente sufocada
pelo clima e pela cultura do novo país, tão diferente da sua. Sozinha e isolada
na fazenda com os dois filhos que o casal vem a ter, ela sofre com a
desconfiança que inspira como estrangeira e com a falta de dinheiro. A vida
difícil, marcada por tensões sociais e religiosas e pouco lazer, torna os dias
penosos, mesmo no seio familiar. Até que, diante da incerteza sobre os
resultados do trabalho árduo do marido e cansada de se sentir oprimida,
Mathilde tenta encontrar meios de se envolver na nova comunidade.
O país dos
outros cobre dez anos dessa história turbulenta e sensível, um período que
coincide com a ascensão inevitável dos conflitos e da violência que levaram, em
1956, à independência do Marrocos. Ambientado nesse cenário fervilhante, os
personagens deste romance constantemente se debatem com o fato de todos se
encontrarem “no país dos outros”: franceses, marroquinos, soldados, camponeses
e exilados. Sobretudo as mulheres, que vivem na terra dos homens e precisam
lutar pela própria emancipação. A tradução é de Dorothée de Bruchard. A
publicação, da editora Intrínseca.
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Um romance de terror feminista,
duro, poético e visceral, carregado de rezas, maldições, anjos e santos.
Todas as casas guardam a história
daqueles que as habitaram. As paredes dessa construção perdida no meio do nada
falam de vozes que surgem sob as camas, de santas que aparecem no teto da
cozinha, de desaparecimentos que nunca se esclarecem. À luz do dia, os vizinhos
evitam suas duas moradoras, mas todos as procuram pedindo ajuda quando se veem
desamparados. A avó passa os dias conversando com as sombras que vivem atrás
das paredes e dentro dos armários, enquanto a neta, que não residia mais ali,
volta a viver na casa após um incidente com a família mais rica do povoado.
Agora, desenredando a história do lugar, as duas começam a perceber que as
sombras que vivem ali sempre estiveram ao seu lado.
Cupim, de Layla
Martínez é publicado pela Alfaguara; a tradução é de Joana Angélica d’Avila
Melo.
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Um levantamento histórico inusual:
as mulheres chefes no Islã.
Em busca de evidências históricas
sobre mulheres chefes de Estado no Islã, Fatima Mernissi nos convida a um
mergulho no coração do império muçulmano. Atravessando mais de quinze séculos
de história e diversos países com variadas culturas, ela descobre estranhos
casos de rainhas esquecidas (ou apagadas) pela história oficial. Um
levantamento histórico, uma análise sociológica e uma reflexão sobre o poder e
seus paradoxos,
Sultanas esquecidas: mulheres chefes de Estado no Islã
trata de uma questão sempre atual: o estatuto das mulheres e sua emancipação. Com tradução de Marília Scalzo, o livro é
publicado pela editora Tabla.
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REEDIÇÕES
A nova edição do livro de
estreia de Natércia Pontes traz de volta seu olhar a um só
tempo cômico e trágico, pop e lírico, amoroso e cruel, e pinta um retrato
apaixonante de uma cidade.
A quitinete onde este livro foi
escrito — cravada entre a rua Tonelero e a Barata Ribeiro, no coração de
Copacabana — serviu de pouso para uma jovem vinda de Fortaleza que desembarcou
no Rio de Janeiro com olhos e ouvidos ávidos em busca de boas histórias. Aos 24
anos, tudo ao seu redor era fascinante: as vitrines, os sebos, as locadoras de
vídeo, as lojas de peruca Lady, os bares, os inferninhos. As pochetes, a
maquiagem derretida no calor, os chapéus escandalosos, os vestidos de elastano,
o esmalte vermelho descascado, os frangos de padaria, os sanduíches gordurosos,
o chope na pressão. Entre a prosa e a poesia, o banal e o extraordinário, a
crônica e a fotografia instantânea,
Copacabana dreams, lançado
originalmente em 2012, recebeu altos elogios da crítica e foi finalista do
prêmio Jabuti na categoria contos. Publicação da Companhia das Letras.
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RAPIDINHAS
Julia Lopes de Almeida contista.
A editora Com-Arte, ligada ao curso de Editoração da Escola de Comunicação e
Artes da Usp prepara uma nova edição de
Ânsia eterna, coletânea de 30
contos que refletem a influência do escritor francês Maupassant.
Mais Irene Solà. No
catálogo da Mundaréu, editora que apresentou a escritora aos leitores
brasileiros com
Canto eu e a montanha dança. O novo romance com o título
provisório em português
Te dei olhos e olhaste para as trevas aborda a posição
da mulher e as tradições da região catalã.
DICAS DE LEITURA
Na aquisição de qualquer um dos
livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a
manter o Letras.
1.
O sangue dos outros, de Simone
de Beauvoir (Trad. Heloysa de Lima Dantas, Nova Fronteira, 224 p.) Um romance que
coloca em evidência aqueles temas que consagram a escritora francesa a partir
da relação amorosa entre Hélène, uma jovem sonhadora e individualista, e Jean,
um rapaz bem-sucedido que decide largar os privilégios da sua classe para
ingressar as colunas da frente operária e da causa antifascista. As idiossincrasias
do amor sob uma perspectiva feminista e existencialista são um marco nesta
narrativa situada na França da década de 1940.
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2.
Os rostos que tenho, de Nélida
Piñon (Record, 266 p.) O último livro da escritora é também um sensível testamento
de sua vida: a infância, o encantamento pela língua portuguesa, a lida com a
palavra, os convívios com os seus contemporâneos. Vida e literatura entrelaçadas,
à maneira única de uma das nossas mais notáveis escritoras.
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3.
Novas cartas portuguesas,
de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa (Todavia, 352
p.) Pelo menos um dos dois nomes das autoras desta obra deverá ser recordado
pelos leitores brasileiros, visto das demais não se publicou até agora nada de
sua obra. O fato é que neste livro saído em pleno Portugal fascista — o que valeu
censura e prisão das autoras — se operam três subversões ao menos: à ideologia
dominante, ao lugar da mulher na sociedade e à própria literatura quando
escrevem um livro inovador e inclassificável.
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VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
Com a chegada de nova edição das
Novas
cartas portuguesas aos leitores brasileiros
— o livro estava há muito
esgotado por aqui — fica o resgate
deste registro. Uma entrevista nos anos
de
publicação original e do grande estopim que foi na cena literária portuguesa ainda
dominada pelas forças ditatoriais. Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e
Maria Velho da Costa em entrevista ao jornalista Fialho Gouveia para a RTP.
E, ainda falando em entrevistas,
vale tirar o tempinho para assistir
essa conversa entre Simone de Beauvoir e o
jornalista Jean-Louis Servan-Schreiber para a televisão francesa no programa
Questionnaire,
em 1975.
BAÚ DE LETRAS
Destacamos as resenhas de obras
literárias escritas por mulheres já publicadas no ainda começo do ano de 2024:
em janeiro, Pedro Fernandes escreveu acerca do romance
Oração para
desaparecer, de Socorro Acioli,
aqui; em fevereiro, Gabriella Kelmer, resenhou
O
dia dos prodígios, de Lídia Jorge,
aqui; no mesmo mês, traduzimos
este texto sobre
Kallocaína, de Karin Boye e Sérgio Linard escreveu
aqui acerca de
Coelho
maldito, a estreia de Bora Chung no Brasil; iniciamos março com
um texto de
Gabriella Kelmer sobre
Menos que um, de Patrícia Melo e Guilherme de
Paula Domingos estreia no blog com
uma resenha de
Hibisco roxo, de Chimamanda
Ngozi Adichie.
DUAS PALAVRINHAS
Quem não é historiador poderá ir
além e dizer que as mulheres têm brilhado desde o princípio dos tempos […] De
fato, se a mulher não existisse a não ser ficção escrita por homens, era de se
imaginar que ela fosse uma pessoa da maior importância; muito variada; heroica
e cruel, esplêndida e sórdida; infinitamente bela e horrenda ao extremo; tão
grandiosa como um homem, para alguns até mais grandiosa.
— Virginia Woolf, em
Um teto do
seu.
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