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Mostrando postagens de março, 2024

Doze poemas de louvor ao vinho e suas virtudes (e uns quantos conselhos adicionais)

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Por Pedro Belo Clara Gerard Van Honthorst. Violinista feliz.    UMA NOITE ENTRE AMIGOS (Li Bai, China, séc. VIII)   Para esquecer a eterna tristeza do mundo nada melhor do que ficar a beber A noite convida-nos a conversar A lua tão clara não nos deixa adormecer Bebamos e cantemos entretanto Quando cairmos de bêbados A montanha será o nosso leito e o céu o nosso manto     A ESTRELA DO VINHO 1 (Li Bai, China, séc. VIII)   Se ao céu e à terra fosse indiferente Não haveria no céu a estrela do vinho nem o vinho brotaria de uma nascente Amá-lo é pois digno dos deuses   Incomparáveis as virtudes do vinho Puro ou terno como os homens e o seu coração Com três copos conquistamos a felicidade Mais três copos: temos o universo na mão     NAS MARGENS DO RIO (Du Fu, China, séc. VIII)   Todos os dias chego a casa bêbado Mesmo que para isso tenha de empenhar alguma peça de roupa ou pedir dinheiro emprestado Poucos homens lograram atingir a minha idade Olho as borboletas amarelas sorvendo o néctar ma

Boletim Letras 360º #577

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Dario Fo. Foto: Giovanni Giovannetti   LANÇAMENTOS   De forma excepcional, o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura Dario Fo rompe com reconstruções escandalosas ou puramente históricas e revela toda a humanidade de Lucrécia .   Filha de um papa, três vezes esposa (um marido assassinado), um filho ilegítimo... Tudo isso em apenas 39 anos, em pleno Renascimento. Uma vida incrível, digna de ser contada. Escritores, filósofos e historiadores tentaram; séries de televisão de sucesso foram dedicadas a Lucrécia. De forma excepcional, o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura Dario Fo rompe com reconstruções escandalosas ou puramente históricas e revela toda a humanidade de Lucrécia, libertando-a do clichê de mulher perversa e incestuosa e enfatizando diversos aspectos de seu caráter, sua inteligência, sua cultura e sua generosidade. Neste livro está o fascínio das cortes renascentistas com o Papa Alexandre VI, o mais corrupto entre os pontífices, seu diabólico irmão César, assim como os marid

A internet admite um crítico literário?

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Por Guilherme França Ilustração: Nate Kitch   A afirmação de que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis , feita por Umberto Eco alguns anos atrás, repercutiu de diferentes formas, como não poderia deixar de ser. De um lado, aqueles que enxergavam um exagero ou mesmo um conteúdo “antidemocrático” na fala do intelectual, ressaltando as benesses do universo digital, em que vozes antes ignoradas podiam se manifestar; em sentido contrário, houve os que concordaram expressamente com a frase, destacando o prejuízo advindo dessa “democracia digital”, em que qualquer pessoa pode comentar até mesmo sobre aquele tema que jamais realizou sequer um estudo mínimo.   O debate se mostra cada vez mais atual e interessante, ainda mais com o avanço das ferramentas virtuais disponíveis, e pode ser aplicado à crítica literária — numa investigação sobre a forma pela qual essa é exercida atualmente. Se décadas atrás os comentários a respeito da literatura ficavam restritos às colunas dos jornais

Você ama, Você aprende, SR. LOVERMAN!

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Por Renildo Rene   Bernardine Evaristo. Foto: Tom Jamieson Barry Walker está prestes a encarar um grande dilema: precisa ter coragem e pedir divórcio do seu atual casamento, para conseguir viver deliberadamente com o seu real amor. Eis aí o protagonista de Sr. Loverman , sexto romance da britânica Bernardine Evaristo e segundo a ser recém-publicado no Brasil. E ainda que a alcunha do título já demonstre a destreza com que esse homem tem para gozar do sentimento amoroso, o “sr.” também é a própria exteriorização do que encontramos aqui: um senhor de mais de um século de vida ainda aprendendo as consequências de (não) viver suas paixões.   Ao seu lado está Carmel, esposa que conheceu na juventude quando moravam em Antígua, no Caribe, com quem teve duas filhas e um neto, herdeiros de um casamento convencional esperado para aquela sociedade. Contudo, ao seu lado também está, ou melhor, sempre esteve, Morris, que sobreviveu da juventude até o ano de 2010 como fiel amante e confidente, na ca

“Cassandro”: arrancar a máscara da masculinidade

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Por Elisa de Gortari Saúl é um jovem lutador que se apresenta com um nome gris: El Topo — muito antes de se tornar Cassandro. Na tentativa de derrotar um lutador de Juárez que não suporta, ele se junta a uma treinadora chamada Lady Anarquía. Além de prepará-lo fisicamente, ela o aconselha a abandonar a máscara e se jogar no ringue como parte dos exóticos , personagens da luta livre que o público rejeita como afeminados e que funcionam como trupes.   Saúl sabe muito bem: o problema é que os exóticos nunca vencem. Eles são vilões numa cultura machista. Não é fácil ser um jovem homossexual nos anos noventa e na fronteira, mas Saúl quer abrir caminho no mundo como se este fosse uma metáfora do ringue.   Cresceu assistindo luta livre com o pai e telenovelas com a mãe. Precisamente, uma telenovela venezuelana chamada Kassandra lhe dá inspiração para um nome artístico. Só então Saúl concebe o personagem com o qual conquistará um lugar na luta livre. Numa das próximas apresentações, quando o

Sidarta, Hesse, não-objetos

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Por Eduardo Galeno   On the hill we viewed the silence of the valley (Yes, 1972)   Roger Dean. Close to the edge , 1972 .    A grande imagem em Sidarta (1922) é sem forma. O romance de Hesse é uma demonstração de não-objetos.   Mas vejamos: de Hesse, veio a nuance peculiar de estar num lugar repleto de buracos escavados por outros. Por Joyce, por Proust, por Kafka, pelos mais diferentes discursos (mas falantes do mesmo ) imbricados na esteira do pensamento literário. Ali, onde nutria certa ordem num plano de desordem enunciativa, também elevou seus passos nas brenhas do século. Como observação, talvez possamos caracterizar o autor de Demian (1919) e O lobo da estepe (1927) não em contramão ao aspecto prometeico, já bastante falado nas propriedades da escritura pós-iluminista, mas em decisão contínua-descontínua.   É, aliás, em relação à descontinuidade continuada que incito a pensar: de que modo um homem nascido em terras alemãs, morto na Suíça, pacifista, revelador de causos da m

Alfred Jarry, Ubu e a patafísica

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Por Jon Viar Alfred Jarry na sua  Clément De Luxe, 1896, em frente ao Phalanstère de Corbeil.   No passado dia 8 de setembro de 2023 comemorou-se os 150 anos do nascimento do dramaturgo simbolista Alfred Jarry. É curioso que esta efeméride tenha passado um pouco despercebida, pois a figura de Jarry é essencial para a compreensão do século XX. Existem dois temas no pensamento e na obra do autor. São os dois temas de sua obra: por um lado o grotesco personagem Ubu, e por outro lado a “patafísica”. Ambas as questões são sintomas de uma adolescência turbulenta marcada pela figura ridícula do professor de física do Liceu de Rennes, Monsieur Félix-Frédéric Hébert. O simpático professor tentava fazer experimentos físicos que nunca devam certo e sua obesidade mórbida era motivo de ridículo para os alunos. Começaram a chamá-lo de “Père Héb” e o descreviam como tendo uma única orelha e três dentes: um de metal, um de madeira e outro de pedra.   Por geração, ligado ao simbolismo, Jarry tinha doz